Afinal, por que detectar luz atrás de um buraco negro é importante?

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Imagem: NASA, JPL, Caltech

O mundo da astronomia se animou mais uma vez nos últimos dias! No último dia 28 de julho, foi publicado na revista Nature, um dos periódicos científicos mais prestigiosos do mundo, uma nova confirmação da teoria da Relatividade Geral de Albert Einstein: a primeira detecção de luz por trás de um buraco negro! Para entendermos o porquê isso é importante e animador, precisamos entender um pouco como funciona a gravidade e o que realmente são os buracos negros.

Desde que Einstein publicou sua famosa teoria há pouco mais de 100 anos, em 1916, físicos e astrônomos passaram a entender a gravidade de uma forma bem diferente que sua concepção clássica, aquela proveniente dos estudos e da obra de Isaac Newton. De acordo com a mecânica newtoniana, a gravidade é uma força de atração existente entre quaisquer dois (ou mais corpos) que possuem massa, sendo sua intensidade diretamente proporcional à massa desses corpos, mas inversamente proporcional ao quadrado da distância que os separa. Esse conceito de gravidade é, inclusive, a mais comum para o público geral. Porém, desde a publicação da teoria da relatividade geral (que é também uma teoria de gravitação) e das sucessivas confirmações de suas previsões, é bem conhecido que a gravidade é a manifestação da curvatura do espaço-tempo. É um pouco confuso? Não faz mal, vamos com calma.

Representação simplificada da distorção do espaço-tempo por uma estrela e um planeta.Representação simplificada da distorção do espaço-tempo por uma estrela e um planeta.Fonte:  Techque 

Hoje, entende-se que o espaço e o tempo não são mais dois entes físicos separados e indissociáveis. Em vez disso, descobriu-se que eles fazem parte de um mesmo aspecto da natureza e que estão fortemente vinculados. Agora falamos em espaço-tempo! Essa componente é altamente sensível à presença de matéria e, para simplificação, podemos pensá-la como uma malha de tecido esticada. Se depositarmos uma bola de boliche em seu centro, o tecido irá “sentir sua presença” e sofrerá uma deformação: quanto mais “pesada” for a bola, maior será a deformação causada no tecido. Em um cenário mais geral, essa é uma analogia válida à gravidade. No universo, quanto maior for a massa do corpo celeste (planeta, estrela, galáxia...) maior será a deformação no espaço-tempo ao seu redor. Qualquer outro corpo celeste que passe ou esteja próximo a essa região irá sentir tal deformação e, a depender de sua velocidade, irá entrar em órbita do corpo. Em termos simples, é o que ocorre com o Sol e os planetas do Sistema Solar, com o sistema Terra-Lua e todos os exemplos em que um corpo orbita outro no universo.

Representação do funcionamento de uma lente gravitacionalRepresentação do funcionamento de uma lente gravitacionalFonte:  NASA, ESA & L. Calcada 

A depender de quão massivo seja o corpo, até mesmo a luz irá sentir a deformação do espaço-tempo ao redor dele e sofrerá uma deflexão, isto é, a luz irá mudar sua trajetória original e será curvada de acordo com a intensidade da deformação (ou, melhor dizendo, de acordo com a intensidade do campo gravitacional). Este fenômeno é conhecido como lente gravitacional e é bastante comum no universo, principalmente em estruturas gigantescas como os aglomerados de galáxias.

A luz distorcida de uma galáxia ao redor de duas galáxias distantes criam a impressão de um rosto sorridente no espaço.A luz distorcida de uma galáxia ao redor de duas galáxias distantes criam a impressão de um rosto sorridente no espaço.Fonte:  NASA/ESA/Hubble 

Os buracos negros –  classe de objeto celeste adorado por astrônomos profissionais, amadores e também por fãs de ficção científica –, são regiões no espaço que levam a deformação do espaço-tempo ao extremo: eles são tão massivos e a deformação é tão intensa que nem sequer a luz consegue escapar de sua influência. Inclusive, por essa razão é chamado de buraco negro, uma vez que, como a luz que chega nele jamais sai, não podemos vê-lo diretamente, apenas os seus efeitos próximos.

Nos últimos anos, diversas descobertas e observações importantes foram feitas relacionadas a buracos negros. Na última quarta-feira de julho (28), astrofísicos da Universidade de Stanford, na Califórnia, Estados Unidos, relataram em um artigo a primeira detecção de luz por trás de um buraco negro. Nas observações de raios-X produzidos no disco de acreção de um gigantesco buraco negro localizado no centro de uma galáxia distante 800 milhões de anos-luz de nós (a galáxia I Zwicky 18), foram detectadas uma série de clarões de raios-X e de flashes menores e de coloração diferente dos clarões. Mas, se toda luz que entra em um buraco negro não sai, não deveríamos estar vendo nada, correto?

Representação dos flashes de raios-X detectados no buraco negro, evidência da distorção da luz e dos campos magnéticos ao redor de um buraco negro.Representação dos flashes de raios-X detectados no buraco negro, evidência da distorção da luz e dos campos magnéticos ao redor de um buraco negro.Fonte:  Dan Wilkins/Stanford News 

Correto em partes. Esse é justamente um dos efeitos indiretos do qual falávamos. A razão pela qual a detecção pôde ser feita é porque a deformação do espaço-tempo causada pelo buraco negro, além de curvar a luz, distorce também os campos magnéticos ao seu redor, fazendo com que os flashes luminosos sejam consistentes com a ideia de raios-X refletidos por trás do buraco negro.

Embora a distorção da luz em regiões próximas a buracos negros não seja novidade, a natureza desta detecção é inédita e adiciona mais uma peça no quebra-cabeça do universo. Além disso, apresenta mais um indício a favor da já bem consolidada teoria da relatividade geral, fortalecendo ainda mais os caminhos seguidos em nossa jornada científica.

Nícolas Oliveira, é licenciado em Física e mestre em Astrofísica. É doutorando no Observatório Nacional, onde pesquisa estrelas órfãs em aglomerados de galáxias. Tem experiência com Ensino de Física e Astronomia, com pesquisa em Astrofísica Extragaláctica e Cosmologia. Atua como divulgador e comunicador científico, buscando a popularização e a democratização da ciência

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