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A história dos carros elétricos

Onda de carros elétricos começou junto dos carros tradicionais; entenda

Avatar do(a) autor(a): Nilton Cesar Monastier Kleina

schedule16/03/2021, às 08:30

A história dos carros elétricosFonte:

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A primeira das várias ondas de empolgação e desenvolvimento de carros elétricos é mais antiga do que se imagina. Ela começou mais ou menos no mesmo período dos carros tradicionais, sendo que o título de "primeiro carro elétrico" é bastante disputado entre vários concorrentes que apresentaram experimentos parecidos em países diferentes.

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Um dos primeiros registros veio da Hungria em 1828, quando Ányos Jedlik criou um motor elétrico e, para testá-lo, acoplou-o em uma miniatura de carro. Em 1835, houve mais dois registros: o professor holandês Sibrandus Stratingh usou os princípios do eletromagnetismo e dos eletroímãs de Michael Faraday para fazer outro pequeno modelo; já o norte-americano Thomas Davenport, que também fez o primeiro motor elétrico de corrente direta, usou trilhos para carregar um veículo.

No fim da década, o escocês Robert Anderson criou uma locomotiva e depois um veículo de quatro rodas. Só que todos esses modelos eram totalmente experimentais, pois faltava estrutura das cidades, apoio aos cientistas e até a existência de certas tecnologias.

As patentes de trilhos eletrificados para carros de rua só vieram algumas décadas depois, e a primeira bateria recarregável do mundo, que era de chumbo-ácido, só foi inventada em 1859 pelo francês Gaston Planté.

Já o primeiro veículo movido a eletricidade, que contava com um motorista e saiu nas ruas de fato, foi um triciclo criado pelo francês Gustave Trouvé, em 1881, exibido em uma feira da época. O inglês Thomas Parker também é creditado como inventor de um carro elétrico em 1884, que ele usava para ir ao trabalho todos os dias. Outro concorrente forte é o Flocken Elektrowagen, de 1988, feito na Alemanha e com um aspecto de carruagem.

A criação do Porsche

Um avanço considerável mesmo veio dos Estados Unidos graças ao químico William Morrison, que, em 1890, começou a levar um carro elétrico fácil de usar para corridas e desfiles em Des Moines, no estado do Iowa. Em 1898, tivemos até a criação do Porsche P1, o primeiro carro da montadora, na época feito do zero pelo fundador Ferdinand Porsche.

Esse modelo era dado como perdido até 2014, quando foi redescoberto em um armazém na Áustria. Aliás, 2 anos depois, a Porsche criou o Semper Vivus, considerado o primeiro carro híbrido do mundo. Ele já tinha um esquema de energia bem-moderno: motores de combustão interna para autonomia, alimentando motores elétricos que ficavam na região das rodas.

Até os primeiros recordes de velocidade foram com os elétricos. Em 1898, o veículo francês Jeantaud Duc atingiu a então inédita marca de 63,15 quilômetros por hora. O La Jamais Contente foi o primeiro a superar 100 quilômetros por hora em 1899, com o belga Camille Jenatzy.

Até Thomas Edison, um dos industriais e inventores mais poderosos da época, tentou embarcar no mercado com pesquisas e patentes, mas não avançou. No começo de 1900, quase 30% dos carros nos Estados Unidos eram elétricos, vários deles táxis — o que não era muito, porque nem tinha tanto carro assim no país.

Dessa forma, isso mostrou como esse mercado tinha espaço para crescer, sendo sim uma alternativa viável desde o começo, principalmente em pequenas distâncias e dentro dos limites da cidade. O marketing na época era direcionado especialmente para as mulheres.

Todos esses pioneiros vieram muito antes do Ford Model T surgir e iniciar a indústria de produção em massa de carros a combustível. Quando principalmente a Ford iniciou essa revolução e ganhou a indústria pela praticidade dos seus carros, os modelos elétricos foram perdendo o mercado.

Eles viraram modelos de uso específico, tipo em ambulâncias, carros de entrega de leite ou bondes em trilhos, mas não para o uso individual e cotidiano. As baterias perderam espaço para a indústria do petróleo, que estava decolando com um lobby forte de companhias cada vez maiores e não daria espaço para concorrentes. Já carros a vapor, pouco práticos e que demoravam para "pegar no tranco", ficaram ainda mais para trás.

Em 1912, Charles Kettering inventou o motor de arranque, o sistema de ignição elétrica que permitiu dar a partida nos motores a combustão de um jeito bem mais simples do que girar uma manivela. A tecnologia foi usada primeiro pela Cadillac e facilitou muito o uso dos carros a gasolina. Empresas como a Detroit Electric até fizeram nome e sobreviveram por algum tempo, mas o início da década de 1930 marca o fim dessa primeira era dos carros elétricos.

A retomada ainda devagar começou 20 anos depois, passando pelas guerras mundiais. Claro que esse período não foi de escuro absoluto, a gente teve projetos como o Tama, modelo japonês de 1947 da Tokyo Electro Automobile, que depois de fusões e mudanças de nome virou a Nissan; ou o simpático conceito Charles Townabout, de 1959. Porém, nada concreto.

Tama E4S-47Tama E4S-47, o primeiro carro elétrico japonês.

As primeiras medidas foram políticas: Londres e Nova York criaram, em 1956 e 66, leis para reduzir a poluição no perímetro urbano, principalmente depois que grandes concentrações de fumaça assustaram a população e, especialmente no caso dos Estados Unidos, isso envolveu popularizar carros elétricos.

Uma nova leva de projetos ou protótipos começou a pipocar, como o General Motors Electrovair de 1964, o experimento Ford Comuta de 67 e o BMW 1602 E. A maioria nunca foi produzida em massa, só mostrando que as gigantes estavam de olho nessa possibilidade. Outro fato marcante veio em 1971, quando o veículo de exploração lunar da missão Apollo 15 passeou pelo nosso satélite natural e rodou a partir de baterias, em mais uma exibição de como esse tipo de mobilidade era sim possível até em condições bem diferentes.

Mas se a campanha ecológica não deu tanto resultado, houve um problema que afetou o bolso e gerou visibilidade: em 1973, ocorreu uma grande crise do petróleo, quando um embargo das nações árabes exportadoras afetou toda a indústria, aumentou os preços do barril, gerou pânico no setor e fez muita gente notar o quanto a sociedade mundial estava dependente dessa única forma de energia. Então, novos modelos começam a surgir baseados na ideia de alternativa e sustentabilidade.

Alguns dos destaques incluem o Chevrolet Electrovette e o Sears XDH-1, de 1977, além de um exemplo brasileiro, o Itaipu, da Gurgel. Outro carro bem curioso que apareceu naquela época foi o CitiCar, com um visual bem peculiar e fabricação da Sebring-Vanguard. Menos de 5 mil CitiCars foram vendidos, mas eles mostraram que pequenas montadoras podem ser parte da solução para popularizar carros elétricos, não só as gigantes.

Porém, o interesse caiu de novo naquele momento, porque o preço e o desempenho nem se comparavam com os dos modelos a gasolina. Até por isso, nos anos 1980, os principais avanços são na área de tecnologia de bateria, e o grande nome dessa época é John Goodenough, da Universidade de Oxford, que foi o líder da equipe responsável pelo cátodo feito a partir de óxido de lítio-cobalto, que é nada menos do que um dos princípios da bateria de íons de lítio. Esse nome é conhecido, porque faz parte da composição de baterias de eletrônicos em geral, desde celulares até automóveis. A Sony foi a empresa que iniciou a comercialização dessas baterias e a produção em massa no começo dos anos 1990.

O trabalho com as baterias de íon-lítio rendeu, em 2019, o Nobel de Química para o Goodenough junto a outros pesquisadores que aprimoraram a tecnologia. Assim, teve mais protótipo saindo, como o HTV-1, que era um híbrido plug-in da General Electric e da Volkswagen apresentado em 1982, e o Audi Duo, de 1989, que era da mesma categoria, mas nunca foi além de um conceito.

A década de 1990 é marcada por mais um empurrãozinho da lei, desta vez com o Zero Emission Vehicle Program na Califórnia. Como resultado dessa política de sustentabilidade em veículos, a lei ajudou as montadoras a tentar de novo fabricar uma nova leva de elétricos. Vieram modelos bem variados, como o Toyota Rav4, o Honda EV Plus, o Chevrolet S-10 e a Ford Ranger que chamou bastante atenção pelo desempenho.

Só que não tem jeito: o destaque desse período foi mesmo o EV1, da General Motors. Ele foi lançado em 1996 e tinha tudo para ser o líder dessa nova fase, considerado o primeiro elétrico contemporâneo produzido em massa e voltado ao público até ser descontinuado quase que misteriosamente em 1999, com os modelos em circulação recolhidos para serem destruídos ou doados a museus e universidades.

EV1 da General MotorsEV1 da General Motors.

O documentário Quem Matou o Carro Elétrico? conta bem essa história e especula o que aconteceu. A falta de apoio do governo, a pressão de montadoras e da indústria do petróleo e o baixo interesse do consumidor são alguns dos problemas apontados, alguns com mais parcela de culpa do que outros.

Pelo menos o EV1 foi um marco para que outros modelos surgissem. O Toyota Prius, do fim de 1997, inaugurou uma linha de sucesso e só confirmou a força das montadoras japonesas nesse mercado. Prius foi por muitos anos sinônimo de carro elétrico popular em várias partes do mundo.

A Ford continuou as pesquisas lançando até uma variação de um modelo popular, o e-Ka, em 2001. Porém, no começo dos anos 2000, quem fazia mais barulho mesmo era as marcas pequenas. A Think Global, sediada na Noruega e por um tempo subsidiária da Ford, lançou um modelo simpático chamado TH!NK City em 2008, depois de fazer testes por anos. Era um bom modelo, mas caro, e acabou caindo no esquecimento.

O nascimento da Tesla Motors

Já em 2004 foi fundada a Tesla Motors, que gerou um clima de startup e investimentos de risco no estilo Vale do Silício para o mercado de carros elétricos. O primeiro modelo anunciado foi o Roadster, que iniciou a produção só em 2008, quando Elon Musk assumiu o cargo de CEOA da Tesla, envolvendo produções em baixa escala no início, a construção das estações de recarga espalhadas pelos Estados Unidos e o sonho do piloto automático. Hoje, ela tem tudo isso e mais um pouco, com vários modelos já lançados.

O ano de 2008 ainda marcou a chegada da China ao setor, com destaque para empresas como a JAC, que inclusive veio para o Brasil, e a BYD, que lançou o F3DM, primeiro híbrido plug-in de formato sedan e produção comercial. Esse é o tipo de carro que tem um motor elétrico e um de combustão, podendo ser conectado a uma fonte externa de energia para economizar na recarga.

O novo gás na indústria se mostrou definitivo: as montadoras abraçam de vez os modelos híbridos ou totalmente elétricos, agora não mais como só um conceito ou protótipo para feiras de automóveis, mas sim comercializado e com um estoque bem generoso. Alguns destaques incluem o Mitsubishi i-MiEV, de 2009, que só teve a produção encerrada agora em 2020; o Nissan Leaf e o Chevrolet Volt de 2010; o Renault Zoe de 2012; e o Volvo Polestar 1 de 2015.

Até a Porsche viu a importância de estar nesse mercado e apresentou o modelo de luxo Porsche Taycan. Como praticamente toda montadora resolveu no mínimo fazer um modelo elétrico, é claro que não dá para citar todos aqui, mas é possível falar que o Brasil até se arrisca, mesmo que timidamente, em projetos próprios: o Pompéo teve o primeiro conceito revelado ainda em 2009, enquanto o e.coTech 4 Autônomo, da Hitech Electric, foi revelado em 2020.

E claro que também tivemos alguns fiascos, que tentaram ser a "nova Tesla" e não entregaram resultados, como LeEco, Faraday Future e tantos outros. Até uma modalidade de automobilismo para elétricos foi criada, a Formula E, disputada pela primeira vez em 2014. Aliás, Lucas di Grassi e Nelsinho Piquet já foram campeões.

A nova onda dos elétricos

Em 2017, a venda anual de carros elétricos superou a barreira de 1 milhão de unidades pela primeira vez, ou seja, não tem mais volta: depois de tantas ondas passageiras, eles chegaram para ficar. Países, principalmente os da Europa, estão cada vez mais impondo restrições para circulação e venda de modelos a combustível, com Noruega e Reino Unido tendo os prazos mais ousados. A Alemanha aumentou os subsídios e o fim de taxas para quem comprar um modelo elétrico.

Só que não dá para pensar que é fácil mudar uma indústria inteira assim de uma hora pra outra, porque os desafios ainda são muitos. É preciso baratear mais o carro, a bateria e a eletricidade. As tecnologias de autonomia também têm espaço para melhorar. Além disso, o estado precisa ajudar nas negociações para inauguração de estações de recarga ou isenção fiscal. É um caminho longo e cheio de obstáculos, mas os carros elétricos já estão nessa estrada faz bastante tempo.