Na noite de 4 de julho do ano de 1054, inúmeras pessoas no continente asiático viram surgir no céu uma luz brilhante e intensa, que ficou visível ao longo de diversos dias. Os astrônomos chineses registraram esse evento na constelação de Touro chamando-a de “a estrela convidada”.
Naquela mesma noite, outras pessoas do outro lado do mundo registravam o mesmo fenômeno: no sudoeste do território que hoje compreende os Estados Unidos, uma cultura rica na tradição astronômica, os Anasazi, também testemunhou esta brilhante nova estrela. Facilmente visível em plena luz do dia, os observadores podiam lê-lo e admirá-lo à noite.
A Nebulosa do Caranguejo, remanescente da supernova SN 1054.Fonte: NASA/ESA.
Hoje sabemos que ambos chineses e Anasazi estavam testemunhando uma explosão estelar chamada de supernova e que, além de luz, a estrela moribunda também liberou elementos químicos no espaço, resultantes das vastas quantidades de energia no processo.
Dentro da estrela que originou a Supernova do Caranguejo (SN 1054), como é chamada hoje, estavam mais dos primeiros 26 elementos da tabela periódica, desde os elementos simples, como hélio e carbono, a elementos mais complexos, como manganês e ferro. Durante a explosão, outros elementos também foram criados e pulverizados para o espaço interestelar, onde acabaram combinando-se para formar íons e moléculas que eventualmente formam novas estrelas, planetas e grandes nebulosas.
Tabela periódica com a origem cósmica dos elementos químicos.Fonte: NASA
Esse episódio resume a maior parte da história dos elementos químicos pesados no Universo: todos eles foram forjados ou no núcleo de estrelas ou durante os dramáticos finais de suas vidas. Hoje, os astrônomos reconhecem esses elementos químicos espalhados por todo o Cosmos. É possível saber a quantidade de oxigênio na atmosfera de um planeta distante, o percentual de ferro em uma nuvem molecular longínqua e até mesmo saber se determinado lugar apresenta moléculas de água.
Como isso é possível, sendo que nunca sequer saímos do Sistema Solar?
A resposta para essa pergunta é a história do desenvolvimento de umas das técnicas mais incríveis já descobertas pela humanidade: a espectroscopia. Embora algumas propriedades da luz sejam conhecidas desde o mundo antigo, o desenvolvimento de técnicas sofisticadas de análise só ocorreu no mundo ocidental a partir do século XVII, com a publicação dos primeiros trabalhos sobre óptica dos físicos e matemáticos Isaac Newton e Christian Huygens.
Pintura de Newton estudando o espectro solar com um prisma, de J. A. Houston.Fonte: Domínio público.
Com o passar do tempo, o desenvolvimento dos primeiros dispositivos ópticos, em especial o dos prismas, permitiu observações sistemáticas do espectro solar: Newton usou a palavra espectro pela primeira vez para descrever o arco-íris de cores que se combinam para formar a luz branca. No início do século XIX, a espectroscopia se tornou uma técnica científica mais precisa e quantitativa e, desde então, desempenha um papel significativo na química, física e astronomia.
Em óptica, um espectro é simplesmente uma tabela ou um gráfico que mostra a intensidade da luz que está sendo emitida em uma faixa de energia. A natureza faz belos espectros com frequência: os arco-íris. A luz solar que atravessa as gotículas de água na atmosfera é espalhada para exibir suas várias cores. É assim que que nossos olhos percebem a radiação com energias diferentes.
Representação do espectro eletromagnético da luz.Fonte: JWST.
Cada espectro contém uma ampla variedade de informações pelo simples fato de que existem muitos mecanismos diferentes pelos quais um objeto, como uma estrela ou uma galáxia, pode produzir luz. Cada um desses mecanismos produz um espectro característico.
Cada elemento químico da tabela periódica produz uma série de linhas brilhantes no espectro da luz que são exclusivas e próprias desse elemento, como uma impressão digital. O hidrogênio, por exemplo, terá linhas brilhantes que não se parecerão com o hélio, que não se parecerão com o carbono e assim por diante.
Desse modo, ao observar um objeto celeste distante, os astrônomos podem identificar que tipo de material existe nele através da análise da luz que chega nos seus instrumentos. Este é o estudo da espectroscopia, que, além de possibilitar a determinação da composição química, possibilita também a estimativa da temperatura e da densidade desses elementos (nas estrelas, por exemplo).
Espectro contínuo e linhas de emissão de diferentes elementos químicos.Fonte: University of Central Florida
Mas não para por aí! As linhas espectrais também contam os segredos sobre campos magnéticos das estrelas, sua massa e seus tamanhos, sobre a velocidade com o qual algum objeto se move.
Embora seja uma das ferramentas fundamentais usadas para estudar o Universo, a espectroscopia possui ampla aplicação nos mais diversos campos do conhecimento humano, desde o estudo dos materiais até as técnicas mais sofisticadas de cirurgias e tratamentos médicos.
Sem a espectroscopia, certamente ainda estaríamos tateando no escuro, mesmo havendo luz.
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