Vacinas contra covid-19 não causam Aids; saiba o que diz a ciência

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*Este texto foi atualizado às 15:52 do dia 25/10/2021.

O que o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) sugeriu em sua transmissão ao vivo no Facebook na quinta-feira (21), que as vacinas contra a covid-19 estão causando Aids em quem as recebeu no Reino Unido, não foi uma fala polêmica ou imprecisa — foi uma informação falsa.

As supostas notícias lidas por Bolsonaro na transmissão afirmavam que relatórios do governo britânico indicavam que vacinados estariam com o sistema imunológico enfraquecido e adquirindo a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (Aids). Na verdade, os documentos fazem a vigilância dos efeitos das vacinas na população ao longo do tempo e não citam a Aids ou qualquer prejuízo causado ao sistema imune nos vacinados.

A agência de checagem independente Aos Fatos fez uma verificação completa dos fatos (que pode ser confirmada pelo leitor) aqui.

A imunologista Cristina Bonorino, professora da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre e membro do comitê científico da SBI (Sociedade Brasileira de Imunologia), diz que as falas do presidente são lamentáveis.

"Trata-se de uma campanha organizada para desinformar e prejudicar as pessoas. É proposital e muito grave", afirma a cientista ao TecMundo.

Na noite do domingo (24), o Facebook decidiu tirar do ar o vídeo com a transmissão de Bolsonaro, mas o estrago já estava feito — milhares ou talvez milhões de brasileiros tiveram contato com uma informação falsa reproduzida pelo chefe do executivo e cabeça do governo brasileiro.

Até o momento, mais de 50% da população brasileira completou a vacinação com uma das vacinas contra a covid-19, e vários outros países estão com taxas semelhantes de vacinação. Embora nenhuma vacina contra nenhuma doença oferece proteção total e seja totalmente isenta de efeitos colaterais, assim como acontece com qualquer tratamento de saúde, os números da pandemia mostram que os imunizantes funcionam e são a melhor opção para combater a covid-19 e evitar ainda mais mortes.

O que diz a ciência?

Em outubro de 2020, um grupo de cientistas publicou uma carta na revista científica The Lancet, uma das mais respeitadas na área da saúde, fazendo um alerta sobre a relação entre vacinas contra covid-19 e Aids.

No texto, os pesquisadores relatam que, há cerca de uma década (ou seja, muito antes do surgimento da covid-19), um estudo com uma vacina experimental contra o HIV que usava o adenovírus do tipo 5 (Ad5) como vetor viral concluiu que os participantes homens não circuncidados que já haviam tido contato com o Ad5 e tiveram relação sexual sem proteção com pessoas soropositivas ou de status sorológico desconhecido tiveram um risco maior de contrair o HIV.

Vale lembrar que o sexo desprotegido é um comportamento de risco para o HIV, ainda mais em locais onde a circulação do vírus é elevada.

Bonorino diz que a carta está equivocada. "Os dados mostram que a vacina [experimental contra HIV] não funcionou, mas não provam que a vacina tenha causado Aids nessas pessoas", afirma.

A pesquisadora explica que o Ad5 é um vírus causador de gripe comum, e muitas pessoas já tiveram contato com ele. Assim, é plausível pensar que uma vacina que usa o Ad5 como vetor viral, contra o qual muitas pessoas já desenvolveram anticorpos, pode não funcionar muito bem.

Para o médico e pesquisador Bruno Filardi, há um risco clínico teórico de uma vez receber a vacina de Adenovírus 5 e a pessoa ficar mais suscetível a contrair o HIV após a exposição ao vírus do HIV.

"TEÓRICO pois o fenômeno foi visto no laboratório e apenas em estudos de vacina para HIV. Não para covid", escreveu o médico em seu perfil do Twitter.

Em outubro do ano passado, logo após a publicação da carta, alguns veículos de imprensa repercutiram o seu conteúdo, o que causou uma confusão ainda maior após as declarações de Bolsonaro na última semana.

As vacinas Sputnik V (russa) e o imunizante produzido pela chinesa CanSino usam o Ad5 em sua composição. Nenhuma das vacinas aprovadas no Brasil usa o Ad5 como vetor viral. Nem no Reino Unido, como pode ser verificado no site do Serviço Nacional de Saúde (NHS).

A vacina Sputnik V tem o Ad5 como vetor somente em uma das duas doses previstas, a outra aplicação conta com um adenovírus diferente.

Filardi afirma que não há relação estabelecida entre as vacinas contra a covid e a Aids. Para ele, o que foi visto no estudo com a vacina experimental contra HIV pode ser explicado ainda por um fenômeno comportamental do voluntário, que por pensar estar protegido contra a doença não segue protocolos de prevenção, como uso da camisinha.

sputnik vMulher recebe a vacina Sputnik V em Tomsk, na Rússia (créditos: Dmitriy Kandinskiy/Shutterstock)

De fato, os participantes do estudo que se infectaram fizeram sexo desprotegido com pessoas soropositivas ou de status sorológico desconhecido, como diz a carta publicada na Lancet. Esses resultados reforçam o que os cientistas vêm dizendo há décadas: que há comportamentos de risco que facilitam uma infecção: falta de camisinha (no caso da Aids) e recusar uso de máscara e distanciamento físico (no caso da covid-19).

Excesso de cautela

No dia 18 de outubro, a Autoridade Regulatória de Produtos de Saúde da África do Sul (SAHPRA) decidiu não aprovar o uso da Sputnik V no país, citando o possível aumento de risco de infecção pelo HIV. No domingo (24), a Namíbia seguiu a decisão da África do Sul e afirmou que deve suspender a aplicação da Sputnik V em seu território. Ambos os países, assim como outras nações no continente africano, sofrem com a alta circulação do HIV.

Em um comunicado divulgado pela agência Reuters, o ministro da Saúde da Namíbia disse que a decisão partiu do excesso de cautela.

As vacinas contra a covid não carregam nenhum elemento do vírus da Aids e não causam supressão no sistema imunológico, pelo contrário, elas estimulam e fortalecem o sistema imune para combater o SARS-CoV-2.

"As vacinas não enfraquecem a resposta imune, elas reforçam essa resposta. A prova disso é que a vacinação está fazendo diminuir os números de casos e mortes causadas pela covid-19", afirma Bonorino. 

A decisão dos países africanos está relacionada à alta circulação do vírus do HIV no continente e ao risco ainda não comprovado de que as vacinas que usam o Ad5 podem aumentar o risco de se infectar com o HIV (mas somente nos casos em que há exposição ao vírus do HIV e comportamento de risco).

É importante repetir que o que está dito na carta publicada na Lancet em outubro de 2020 é que quem teve um risco maior de contrair HIV foram os participantes homens do estudo que receberam a vacina experimental e fizeram sexo desprotegido com pessoas infectadas pelo HIV ou de status sorológico desconhecido.

As vacinas causam alguma doença?

As vacinas não são feitas para causar doenças, mas sim para preveni-las. Para isso, elas usam um antígeno (um pedaço do patógeno ou ele inteiro e inativado) que ativa o sistema imunológico para produzir células de proteção contra um invasor específico.

Funciona assim: sempre que o corpo detecta um invasor que pode causar algum mal (bactérias, vírus etc.), inicia a produção de anticorpos e outras células de proteção voltadas para a eliminação do invasor recém chegado. Assim, as vacinas apresentam ao corpo um pedacinho do vírus que funciona como uma identidade para o corpo reconhecê-lo (o antígeno). É como se a vacina disse ao corpo: "Tá vendo esse cara aqui? Vai atrás dele e tira ele daqui!"

Quando a pessoa recebe a vacina, o corpo fica mais ágil e preparado para criar as células de proteção em massa e combater a infecção de uma maneira muito mais eficiente.

Mas e as pessoas que tomaram a vacina e tiveram febre e dores? Simples, a vacina necessariamente induz uma inflamação leve para ativar o sistema imunológico e, assim, dores ou febre podem aparecer. Isso é um sinal de que o sistema imune funciona.

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