O que sabemos até agora sobre a doença cerebral misteriosa?

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Nos últimos meses, foram identificados em New Brunswick, Canadá, 48 casos de uma síndrome neurológica de origem desconhecida. Os pacientes apresentaram sintomas diversos, como delírios, alucinações, perda de peso, agressividade, dificuldade na fala e na marcha, bem como sintomas de degeneração neurológica rapidamente progressiva, com semelhança à doença chamada Creutzfeldt-Jakob Disease (CJD). Esta é uma das manifestações de um conjunto de doenças, invariavelmente fatais, conhecido como Encefalopatias Espongiformes Transmissíveis.

É sabido que homens e outros mamíferos, como ovelhas, veados e bovinos, podem desenvolver essas doenças. Na maioria quase absoluta dos casos da doença, o cérebro adquire o formato de uma esponja, de onde vem a denominação encefalopatia espongiforme. Nas décadas de 1980 e 90 uma forma dessas doenças, denominada de nova variante de CJD, foi transmitida a humanos que consumiram carnes ou derivados contaminados por uma enfermidade equivalente a do gado bovino. O que, no popular, levou a doença a ser genericamente denominada de “doença da vaca louca”.

As encefalopatias espongiformes transmissíveis são causadas por uma proteína infecciosa denominada príon, que é muito resistente ao processo de esterilização usado para outros agentes infecciosos, o que sempre leva a sérias preocupações. Entretanto, o controle sanitário e legislações internacionais reduziram o risco de transmissão dessas doenças ao homem.

Felizmente, a investigação desses casos recentes no Canadá se mostrou negativa para os testes de diagnóstico de doenças por príons. As hipóteses para o surgimento desses casos apontam para a possibilidade de exposição crônica às toxinas encontradas em cogumelos ou em uma cianobactéria.

A última vez que a exposição a essas toxinas foi discutida na literatura médica data da década de 1950, com o aparecimento de uma doença neurodegenerativa em nativos da ilha Guam, no Pacífico. Embora a investigação dos casos descritos recentemente no Canadá tenha, a princípio, descartado o diagnóstico de CJD, esses casos trouxeram novamente holofotes às doenças causadas por príons.

O termo "príon" foi criado pelo médico e pesquisador americano Stanley Prusiner em 1982 para designar uma proteína infecciosa capaz de se propagar e transmitir doenças. A sua composição exclusivamente de proteínas foi comprovada em laboratórios e, de fato, não depende de material genético (RNA ou DNA), o que confrontou a definição científica de um agente infeccioso. Esse achado foi uma quebra importante de dogma na biologia moderna, o que deu a Prusiner o Prêmio Nobel de Medicina, em 1997.

A habilidade dos príons de autopropagação se deve à capacidade deles de sofrerem conversão no seu enovelamento em três dimensões. Na sua forma natural, que não causa doença, a proteína príon tem um enovelamento muito flexível, como uma pequena espiral, mas, ao sofrer alteração do seu dobramento, torna-se mais rígida, como um grampo, e não consegue voltar ao formato original.

Adquirido o formato rígido, a proteína infecciosa começa a converter as proteínas da forma natural flexível para a rígida em uma velocidade exponencial, gerando um emaranhado de proteínas que se acumulam, danificam a célula e podem se espalhar, propagando a infecção.

O fenômeno de alteração de enovelamento de proteínas tem sido explorado em outras doenças neurodegenerativas mais comuns, como a doença de Alzheimer, de Parkinson e Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA).

Esse conceito pode trazer avanços no conhecimento dos mecanismos comuns entre essas doenças, além de outras, como o câncer, que podem estar associadas ao mau enovelamento de proteínas. Esperamos que esses achados possam apontar para possibilidades terapêuticas ainda não exploradas.

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Dr. Luiz Fernando Reis, colunista no TecMundo, é diretor de Ensino e Pesquisa do Hospital Sírio-Libanês, área responsável pela geração, aplicação e disseminação de conhecimento que traz valor para a sociedade brasileira e fomenta uma melhor prática de assistência à saúde. Formado em Bioquímica pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), em Minas Gerais, Reis é doutor em Microbiologia e Imunologia pela New York University School of Medicine (Estados Unidos) e pós-doutor em Biologia Molecular pela Universidade de Zurique (Suíça).

Este texto foi produzido em parceria com a Dra. Vilma Martins, superintendente de Pesquisa do A.C. Camargo Cancer Center.

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