Para quase metade da população brasileira, a vacina contra a covid-19 não deve ser obrigatória. A conclusão é de pesquisa realizada pelo centro de estudos Sou Ciência, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) em colaboração com o Instituto de Pesquisa BigData.
Entre 1.200 brasileiros entrevistados, 46,8% disseram que a vacina não deve ser obrigatória, e sim uma escolha individual. Para Soraya Smaili, coordenadora geral do Sou Ciência, este resultado está conectado a outra opinião que surpreendeu os pesquisadores: 30,4% dos entrevistados acreditam que as vacinas não foram comprovadas cientificamente, a vendo como experimental.
Discursos antivacina vão contra evidências científicas da segurança e importância da vacinaçãoFonte: Foto de Mat Napo na Unsplash
Smaili aponta que o ano de 2022 foi marcado por avanços em discursos negacionistas, desestimulando parte da população a vacinar-se contra a doença. Tais discursos foram disseminados também pelo Governo Federal e pelo Ministério da Saúde, contribuindo para a visão de que a pandemia teria acabado e não haveria mais necessidade de preocupação com a doença, levando à menor adesão também a doses de reforço.
“Certamente, quem coloca que não há obrigatoriedade são principalmente as pessoas que negam as evidências, dados de evidências científicas ou distorcem a ciência”, diz Smaili. “Grupos que trabalham essa desinformação pinçam um dado, mas sem avaliar um contexto, e jogam uma desinformação que vai sendo trabalhada, divulgada, ampliada. E é muita mentira também, não só a distorção da informação, mas muitas vezes é informação que falta completamente com a verdade.”
Proteção coletiva deve prevalecer
Sandra Mara Campos Alves, pesquisadora em saúde pública e coordenadora do Programa de Direito Sanitário da Fiocruz Brasília, aponta que o movimento antivacina cresce ao redor do mundo, indo contra as evidências científicas acerca da segurança e importância da vacina. Junto do discurso negacionista, a discussão sobre a obrigatoriedade alcança outros patamares.
“De um lado, apresentam-se os argumentos que se fundamentam no direito individual e na autonomia de escolher ou não se vacinar. Contudo, esse direito individual não é absoluto, e se essa escolha pode causar dano à coletividade, ou seja, se o ato de se vacinar impõe risco ou perigo à saúde ou à vida de outras pessoas, não há dúvidas de que a proteção coletiva deve prevalecer”, diz a pesquisadora.
A falha na proteção individual ameaça a saúde coletivaFonte: Foto de Tai's Captures na Unsplash
Alves considera a obrigatoriedade da vacina uma medida necessária para garantir a saúde de todos, visto que o maior ou menor sucesso da vacinação está relacionado à adesão da população. “A vacinação obrigatória se relaciona a doenças infectocontagiosas, que são facilmente transmitidas de uma pessoa para outra."
Isto ocorre porque a vacinação gera não só uma proteção individual, mas também uma proteção coletiva ao evitar a propagação da doença e interromper sua cadeia de transmissão. “É esse o processo que gera o sucesso da medida e pode levar à erradicação de doenças”, explica Alves.
Vacinação obrigatória é diferente de forçada
Alves ressalta que a obrigatoriedade da vacinação se faz valer na restrição de direitos, e não na violência física ou imunização à força. “A obrigatoriedade da vacinação consiste na possibilidade de se aplicar restrição de direitos, como por exemplo a impossibilidade de frequentar determinados lugares ou a recusa de matrícula de menores em estabelecimento de ensino para aqueles que não se vacinaram, como forma de estimular a adesão à vacina”, aponta a pesquisadora.
Alves complementa que o próprio Supremo Tribunal Federal (STF) já explicitou que ninguém será imunizado à força ou com violência física, e conclui: “Contudo, o mais importante para garantir a adesão da população é investir em campanhas de divulgação científica para despertar a conscientização sobre a importância de vacinar, combatendo fake news e garantindo assim a adesão natural e voluntária de todos.”
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