Geoengenharia: como a tecnologia pode permitir a manipulação climática

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Conheça os tipos CDR e SRM de geoengenharia. (Fonte da imagem: Reprodução/Redicecreations)

Pode parecer papo de um apaixonado por livros ou filmes de ficção científica, mas o controle do clima por mãos humanas pode estar prestes a se tornar realidade. Enviar radiação solar de volta às estrelas, fertilizar plantas marinhas com ferro ou fazer com que tubos gigantes voem pelos céus despejando aerossol de sulfato por toda atmosfera são algumas das ousadas propostas da geoengenharia – ciência que consiste no estudo de técnicas que podem possibilitar o controle das condições climáticas da Terra pelo homem.

Fato é que o fenômeno do aquecimento global tem feito as mentes de cientistas mundo afora “transpirar”. E desta vez, ideias que vão além da criação de chuvas ou nevascas artificiais fazem parte do “plano B”: como conter a absorção de radiação pela Terra? É possível absorver o gás carbônico presente na atmosfera? Espelhos espaciais gigantes, tubos voadores de 20 km e outros mirabolantes projetos protagonizam hoje pesquisas que ganham cada vez mais solidez.

Uma ciência nascida às pressas

O mundo já está familiarizado com o efeito estufa – um dos principais “culpados” pelo aquecimento global. Mas quais tipos de medidas podem conter as altas de temperatura? Em 2009, cientistas chineses do Beijing Weather Modification Office fizeram com que 16 toneladas de neve caíssem a partir do lançamento de foguetes carregados com prata ionizada.

Um aumento de 0,5 ºC na temperatura global foi registrado em 2012. (Fonte da imagem: Reprodução/Mises)

Este efeito, conhecido como “cloud-seeding”, é capaz de reduzir o estrago provocado por granizos, aumentar, naturalmente, a frequência de chuvas e dispersar também neblina por cidades. Atualmente, ao menos 20 países conduzem projetos relacionados ao cloud-seeding – somente nos EUA, 10 estados chefiam mais de 60 programas do tipo. Mas o quão eficaz a criação de chuvas artificias é?

Em 2003, uma pesquisa realizada pela Academia Nacional de Ciências dos EUA concluiu que não há provas concretas sobre a eficiência do cloud-seeding. De acordo com Michael Garstang, professor da universidade de Virginia, “tudo permanece como um leque de evidências definitivas”. Bruce Boe, especialista da Weather Modification Inc., empresa privada especializada em climatologia dos EUA, diz que “o processo não é capaz de aumentar a precipitação em cerca de 50% dos casos”.

Trocando em miúdos, significa dizer que os pesquisadores concordam em reconhecer a eficácia baixa do cloud-seeding no combate ao aquecimento global. Novas ferramentas e instrumentos têm sido usados pelos persistentes cientistas do clima, é verdade – na China, de 32 a 35 mil pessoas são empregadas pela indústria de controle climático. Ainda assim, o surgimento de técnicas mais ousadas mostrou-se necessário.

Motivação é o que não falta

Bill Gates tem se mostrado interessado em pesquisas sobre manipulação climática nos últimos anos (o figurão já doou US$ 4,5 milhões a instituições de pesquisas em geoengenharia). E a boa vontade do executivo parece ter sido inspirada por um relatório datado de 2009: de acordo com o centro de pesquisas inglês Royal Society, se o gelo da Groelândia derreter, o nível do mar poderá aumentar em pouco mais de 7 metros – cidades como Londres e Los Angeles ficariam completamente submersas.

Controlar a emissão de gases estufa não é o suficiente. (Fonte da imagem: Reprodução/Bgjnejr)

O cenário mostra-se ainda mais quente a partir de outra constatação feita pela Royal Society: até 2050, a emissão de gases estufa deverá ser reduzida em 50%. Acontece, porém, que um aumento de 1,4% na liberação de CO2 foi notado em 2012. E mais: se todo o carbono emitido pelo homem fosse expurgado hoje mesmo, a temperatura de nosso planeta iria continuar a subir durante décadas. “Não sabemos a qual escala de `invencibilidade` o clima pode chegar”, diz Hugh Hunt, engenheiro da universidade de Cambridge e especialista da SPICE (Injeção Estratosférica de Partículas para a Engenharia Climática - EUA).

Pois assim as evidências falam por si: combater somente a emissão de gases estufa não é o suficiente. Conheça, portanto, o que a geoengenharia tem a dizer sobre o gerenciamento do clima em escala global.

Tipos de geoengenharia

Existem dois conjuntos de técnicas capazes de proporcionar, em teoria, o controle do clima em escala global. A maioria dos projetos que compõem cada uma das metodologias é teórica. Conforme explica Andy Parker, renomado professor da universidade de Cambridge, os modelos idealizados são ainda incipientes. “Podemos fazer muito pouco agora, uma vez que a tecnologia [requerida pelos projetos] não foi desenvolvida para intervir em escala global”.

SRM

O Solar Radiation Management (SRM) consiste na adoção de técnicas de reflexão de parte da radiação solar. Grosso modo, a Terra poderia ser resfriada por meio do controle da incidência dos raios solares sobre sua superfície. Mas como fazer isso? Espelhos gigantes em plena órbita, telhados de edificações urbanos com superfície branca, distribuição de aerossol de sulfato pela atmosfera e a adaptação do cloud-seeding são algumas das propostas de SRM.

  • Espelhos gigantes em pleno espaço

Espelhos finos e gigantescos poderiam ser colocados em órbita para refletir parte dos raios solares. O desenvolvimento dessas placas poderia levar décadas e consumiria alguns trilhões de dólares. Os efeitos da reflexão feita pelos espelhos espaciais sobre o clima da Terra são desconhecidos e o processo de acidificação oceânica não seria interrompido.

Trilhões de dólares e décadas seriam gastos na construção dos espelhos. (Fonte da imagem: Reprodução/Dailymail)

  • Tetos todos brancos

A pintura de branco de partes das edificações urbanas é outra das propostas feitas sob os moldes da SRM. Apesar de ser uma alternativa relativamente barata, pintar os tetos de prédios e até mesmo parte de certas avenidas pode gerar efeitos negativos às cidades: a formação de nuvens e, consequentemente, a queda de chuvas seriam prejudicadas por esta medida.

Formação de nuvens pode ser prejudicada pela reflexão. (Fonte da imagem: Reprodução/Amazonaws)

  • Plantas refletoras

Algumas plantas terrestres são bastante efetivas na reflexão de raios solares. Mas, mesmo sendo um processo aparentemente simples, grandes áreas de terra precisariam ser consumidas – aumento no preço de alimentos e comprometimento da resistência do solo seriam alguns dos efeitos colaterais provocados pela adoção desta técnica.

Certos tipos de gramas são efetivos na reflexão de radiação. (Fonte da imagem: Reprodução/Fanpop)

  • Mangueiras voadoras

A distribuição de aerossóis de sulfato pela atmosfera poderia ser feita por mangueiras com 20 km de extensão presas a um enorme balão de gás hélio. A liberação dessa substância propiciaria a reflexão de radiação solar e contribuiria também na formação de nuvens.

Imagem ilustrativa. (Fonte da imagem: Reprodução/TheGuardian)

  • Nuvens “espelhadas” e spray

A técnica de cloud-seeding poderia ser adaptada: em vez de prezar pela precipitação, esta metodologia criaria nuvens capazes também de refletir radiação. No lugar de foguetes carregados com prata ionizada, os disparos levariam mais partículas refletoras (como areia e pó) para os céus. Aviões equipados com aerossóis de sulfato poderiam passear pelos ares, despejando ainda a substância química refletora como spray.

Em detalhe, técnica de cloud-seeding. (Fonte da imagem: Reprodução/Kesq)

  • Frotas marinhas criadoras de nuvens

Imagine uma frota de barcas com o peso total de 3 mil toneladas. Pois esta é outra das ideias que têm por objetivo providenciar o controle climático. A intenção seria navegar pelos mares e espalhar pelo planeta nuvens (nos conformes da técnica de cloud-seeding).

CDR

O segundo tipo de geoengenharia é conhecido como Carbon Dioxide Removal (CDR). Este conjunto de técnicas tem como prioridade remover o CO2 da atmosfera através da absorção. Reflorestamento, fertilização de plantas marinhas com ferro e a construção de árvores artificiais são algumas das principais propostas do CDR.

  • Fertilização à base de ferro

A fertilização com ferro de determinadas plantas marinhas pode aumentar a absorção de CO2. Acredita-se que o mineral é capaz de estimular o crescimento de pequenas plantas que, por conseguinte, consumiriam mais gás carbônico. À medida em que os vegetais marinhos fossem morrendo, grande parte do CO2 acabaria por se solidificar nas profundezas dos grandes oceanos.

Fertilização oceânica é uma das técnicas já feitas. (Fonte da imagem: Reprodução/CBC)

  • "Cozinhar carvão"

O processo de nome biochar consiste no uso de “carvão cozido” para a absorção de CO2 do solo. Poços construídos com base nesta técnica podem "roubar" gás carbônico durante milhares de anos. O problema? O método biochar mostra-se pouco efetivo quando pensado em escala global.

A técnica biochar faz com que o CO2 do solo seja absorvido. (Fonte da imagem: Reprodução/Cerpch)

  • Árvores artificiais e reflorestamento

Máquinas capazes de absorver CO2 da atmosfera são também outra das alternativas CDR. Mas milhões de árvores artificiais deveriam ser construídas mundo afora para que um efeito global pudesse ser notado em... Milhões de anos. O reflorestamento, naturalmente, é ainda tópico fortemente considerado pela comunidade científica.

Milhões de máquinas deveriam ser construídas. (Fonte da imagem: Reprodução/Inhabitat)

  • Adição de alcalino aos oceanos

Despejar calcário (um alcalino) pelos oceanos faria com que as águas conseguissem absorver CO2. Mas alterar a composição química dos mares é prejudicial a certas espécies de animais.

Controle de técnicas e efeitos incertos

Pesquisas sobre geoengenharia ainda caminham a passos curtos. Mas os especialistas  reconhecem: o efeito provocado pela adoção de procedimentos de resfriamento global é ainda desconhecido. Bloquear a entrada de raios solares é uma saída arriscada, diga-se de passagem. Prova disso foi a erupção do vulcão de Mount Pinatubo, nas Filipinas, em 1991.

Ao evitar a chegada de raios de sol à terra, toda a cinza gerada pelo fenômeno natural resfriou, em somente 2 anos, 0,5 ºC a temperatura de todo o planeta. “Se você começar a evitar a entrada de radiação, a temperatura vai cair rapidamente”, alerta ainda Parker.

Os efeitos colaterais de manipulações climáticas são desconhecidos. (Fonte da imagem: Reprodução/Samtaztic)

Grande parte das propostas de SRM e CDR para manipulação climática é ainda mera idealização – efetivamente, pouca coisa foi de fato feita ou sequer testada. As limitações técnicas que impedem o desenvolvimento de algumas propostas justificam, por exemplo, o não desenvolvimento de espelhos gigantes espaciais.

A fertilização com ferro de plantas marinhas tem sido feita por cientistas, deve-se dizer. Contudo, os resultados deste processo só poderão ser notados dentro de décadas. A manipulação climática poderá se tornar prática corriqueira ou tudo não passa de um bem fundamentado e fantástico "placebo científico"?

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