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Bancos, militares e Temer podem melar a Lei de Dados Pessoais no Brasil

A Lei de Dados Pessoais, que foi uma vitória para a sociedade civil, está ameaçada

Avatar do(a) autor(a): Felipe Payão

schedule18/07/2018, às 09:12

Bancos, militares e Temer podem melar a Lei de Dados Pessoais no BrasilFonte:

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O plenário do Senado aprovou na terça-feira passada (10) por unanimidade o Projeto de Lei da Câmara 53. Como uma vitória para a sociedade civil, a nova lei disciplina a proteção de dados pessoais, além de definir as situações em que os dados possam ser coletados e tratados por empresas e Poder Público. O projeto agora precisa ser sancionado pelo presidente Michel Temer para ser válido em território nacional.

Praticamente dois dias após a vitória no Senado, um assessor de Temer comentou que a Lei de Dados Pessoais tem aprovação “dificultosa”. O auxiliar de Temer ponderou que já existem órgãos atuando nesta frente, como a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) e a Polícia Federal — afirmando ainda que elas protegem os dados dos cidadãos. O auxiliar também adiciona que “o Banco Central já possui sistema próprio para que os dados bancários sejam mantidos em sigilo”.

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Autoridade de Proteção de Dados Pessoais não pode ser substituída por Agência Brasileira de Inteligência ou Polícia Federal

Por outro lado, o advogado e pesquisador Rafael Zanatta, do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) — com mais propriedade de fala sobre o assunto — tweetou o seguinte no mesmo dia: “Não, @MichelTemer. Seus assessores estão errados. Autoridade de Proteção de Dados Pessoais não pode ser substituída por Agência Brasileira de Inteligência ou Polícia Federal. Isso é um absurdo!”. Zanatta ainda apontou que mercado e ativistas são favoráveis ao desenvolvimento de uma Autoridade de Proteção de Dados Pessoais.

Segundo o The Intercept, não é só Michel Temer que pode atrapalhar os planos da sociedade em conseguir uma autoridade de proteção de dados pessoais, mas também os bancos e os militares. De maneira específica, há o medo de que o controle e a fiscalização sobre o uso de dados pessoais no país caia nas mãos do do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), responsável pela área de inteligência da Presidência, extinto por Dilma Rousseff e ressuscitado por Michel Temer em 2016.

TemerMichel Temer

O governo não ficou feliz

É claro que o governo não ficou feliz com a nova lei que passou no Senado, visto a sinalização do auxiliar de Temer.

“O Brasil é um dos poucos países que ainda não têm uma lei geral de proteção de dados. Isso faz com que informações pessoais — do CPF cedido às farmácias ao histórico de compras, passando por informações nas redes sociais — possam ser coletadas, vendidas ou cedidas a terceiros sem consentimento dos usuários. Em geral, serviços como o Facebook só aceitam novos usuários depois que eles concordam com as cláusulas de um contrato, em geral chamado de “termos de uso”, que regulam a forma como as informações são usadas. Mas os contratos são longos e amplamente ignorados e, sem uma lei específica que garanta proteção — e punição para eventuais vazamentos —, não há nada que garanta o real sigilo dessas informações”, explica didaticamente Tatiana Dias, do The Intercept.

O governo quer que a Abin ou a Polícia Federal façam o trabalho

O que pode e está gerando atrito? O principail ponto: o projeto prevê (também) a criação de um novo órgão público, a Autoridade Nacional de Proteção de Dados Pessoais, uma entidade pública nos moldes do Cade, para fiscalizar o uso e aplicar multas. 

Agora, um dos motivos para isso ser um atrito? Esse órgão, a Autoridade Nacional de Proteção de Dados Pessoais, poderia fiscalizar o próprio governo em casos de violação de privacidade. Por exemplo, ideias como a venda de dados de usuários ônibus como aconteceu em São Paulo seriam investigadas por este órgão.

Como nota o The Intercept, o “governo sugere que esse órgão seja apenas ‘consultivo’ e, já trabalhando com a hipótese de derrubar a autoridade independente, tem discutido quem é que ficará a cargo dos dados pessoais dos brasileiros. Diante do impasse, quem vem agitando o tema dentro do governo é o GSI, que tem, entre suas atribuições, a Abin, a Agência Brasileira de Inteligência”. Todas as “sugestões” e “dificuldades” que o governo enxerga nestas questões surgiram após reuniões com figuras-chave nos órgãos policiais do governo.

PFPolícia Federal

Vigiar e punir

Ao utilizar a Polícia Federal ou a Abin para realizar o trabalho da Autoridade Nacional de Proteção de Dados, o governo está criando “uma aberração como uma espécie de órgão de vigilância institucionalizado”.

Segundo Bruna Martins dos Santos, consultora e pesquisadores da Coding Rights, “Sobre esses órgãos [Abin e PF], temos as suspeitas recentes de vigilância do estado, especialmente nesse período de eleições. Então seria não só ignorar a necessidade de uma autoridade independente, como colocá-la sob as competências de órgãos que possivelmente não valorizam muito a privacidade”.

O presidente Michel Temer tem um pouco mais de 15 dias para decidir se assina a criação da Autoridade ou não

“A autoridade deve ter funções de monitorar o próprio Estado. E quando você coloca um órgão nessa função, ele tem de estar em um status que o permita controlar outros órgãos. É necessário que haja o pressuposto de independência funcional. Se isso não acontecer, não funciona a fiscalização para o setor da administração pública”, adiciona Danilo Doneda, professor de Direito Civil na Universidade Estadual do Rio de Janeiro.

O mercado, com setores da indústria, além de acadêmicos e organizações diferentes assinaram uma carta aberta ao governo em que defendem a criação de uma Autoridade Nacional de Proteção de Dados.

TemerVai assinar?

E os bancos?

Os bancos são entra na categoria de companhias que possuem todos os seus dados — então, eles também entrariam nessa fiscalização. A Casa Civil se reuniu com a Febraban (representante dos bancos) para discutir o tema.

Ao lado da Casa Civil, a Febraban foi o único setor que se opôs ao texto aprovado na semana passada pelo Senado. Como nota o Intercept, essa nova lei vai atrapalhar os negócios:

“Os bancos querem aprovar o Cadastro Positivo, um banco de dados de bons pagadores que inclui todos os brasileiros compulsoriamente. De cara, a Lei de Proteção de Dados pessoais poderia ser um entrave para a investida porque proíbe a inclusão de dados sem o consentimento da pessoa. Durante a tramitação, a Febraban escreveu uma nota contrária ao projeto alegando que a lei iria, na prática, ‘extinguir’ os cadastros de crédito e reduzir a oferta de dinheiro no mercado”. 

O presidente Michel Temer tem um pouco mais de 15 dias para decidir se assina a criação da Autoridade ou não. São duas semanas para termos mais uma ideia sobre o lado em que o presidente joga — e esperamos que seja a do povo.