Redes sociais e privacidade: até que ponto nossas mensagens são secretas?

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Em dezembro de 2015, o WhatsApp foi bloqueado no Brasil por pouco mais de 24 horas porque o Facebook, dono do mensageiro, se recusou a repassar informações pessoais de acusados em julgamento. Em março de 2016, o vice-presidente do Facebook na América Latina, Diego Dzodan, foi preso em São Paulo após a rede social não colaborar com a Justiça, dessa vez em uma investigação sobre tráfico. Nada de bloqueio do WhatsApp na segunda vez, mas uma ameaça foi feita.

Com tantas situações diferentes acontecendo em uma frequência cada vez maior, surgem desconfianças em relação a duas coisas. Primeiro, devemos saber se isso vai acontecer mais vezes e quem está certo nessa novela toda. Além disso, é preciso garantir a nossa privacidade, já que históricos, conversas e dados pessoais podem ser armazenados pelas empresas.

O TecMundo conversou com especialistas no assunto para traçar o panorama atual e analisar as possibilidades. A salvação, já adiantamos, pode estar nas mãos do governo.

O caso atual

CEO da UPX (referência em segurança na Internet no Brasil) e especialista em segurança na internet, Bruno Prado vê erros e acertos no tratamento da Justiça e da polícia no caso envolvendo o WhatsApp. “O Facebook está errado em não responder na Justiça, ele não pode achar que é superior. Mesmo que seja para falar que as mensagens são criptografadas, não se deve deixar sem resposta”, relata. Prado acredita que foi essa falta de comunicação que fez a situação chegar aos pontos extremos de bloqueio e prisão.

O vice-presidente do Facebook na América Latina, Diego Dzodan

Segundo a gerente da área jurídica da Locaweb e advogada especialista em direito eletrônico, Aline Goldsztejn, a prisão de Dzodan foi uma atitude nada razoável: quem deve receber a penalização é a companhia, não uma figura individual. De acordo com ela, entregar os dados ou não vai da política de cada empresa: algumas, por exemplo, já têm como atitude-padrão cooperar sempre com as autoridades.

O Facebook se importa com o Brasil e não vai deixar nosso mercado de lado. Já liberado por habeas corpus, o executivo disse que foi "tratado com respeito" na detenção e que a rede social está focada "no longo prazo" com o país.

A situação pode piorar

Prado acredita que o incidente recente não é o fim da história no país. “O caso do WhatsApp pode gerar mais problemas do que nunca”, afirma, já que outros casos de polícia podem resultar em solicitações negadas do Facebook e, portanto, possíveis prisões, bloqueios e polêmicas.

Para ele, há uma solução: guardar logs em casos específicos, comprovados e previamente solicitados. “Seria impossível armazenar tudo, pois o fluxo é muito intenso e exigiria uma estrutura descomunal. Mas fazer um grampo em cima de determinados telefones de um determinado caso por conta de ordem judicial já não haveria problemas”, sugere. Mas a quebra de sigilo só tem que acontecer desde que devidamente comprovado que exista a infração criminosa — como a comprovação de que as mensagens no WhatsApp continham dados e detalhes sobre o tráfico de drogas, por exemplo.

Aline também aposta em mais bloqueios e decisões judiciais no futuro. “Isso já está na nossa rotina, diariamente a gente recebe esse tipo de pedido”, conta. Ela acredita que as empresas de tecnologia se tornarão mais maleáveis com o tempo em relação a esses pedidos, cada vez mais certos de que o ideal é se conscientizar e cumprir as leis para evitar penalidades.

E se o país não ajudar?

Há ainda uma questão que pode atrapalhar antes mesmo de a questão judicial se desenrolar: o país em questão pode ter problemas burocráticos, interpretação dúbia de leis ou até um regime que não seja tão democrático assim. O Brasil se enquadra no segundo caso, já que alguns textos são muito superficiais ou incompletos, deixando aberturas para aplicações alternativas. O Facebook, por exemplo, atua em diferentes países e precisa conviver com legislações bem variadas.

“Isso faz parte do pacote. Quando você se propõe a abrir uma empresa em determinado país,  você tem que entender as leis locais, conversar com juristas locais. Não pode falar que quem responde é a matriz e colabora com o bem maior”, explica a advogada da Locaweb. Assim, é papel de cada empresa se instruir para poder colaborar em cada território. Um bom conselho, portanto, é contar com um advogado local competente para entender as regras próprias e cumprir a legislação e, assim, evitar problemas.

O especialista ainda faz uma comparação que, embora desproporcional, evidencia que a rede social adota pesos diferentes ao redor do mundo: o Facebook é um dos sites mais engajados no combate ao autointitulado Estado Islâmico (ISIS), apagando contas e enviando informações sobre o grupo às autoridades. Em outros crimes, mesmo que menores, quase não há auxílio.

O papel do Marco Civil

Uma das formas de proteger os dados dos consumidores e só fazer a liberação em caso de pedido da Justiça ou comprovação de crime é com base na lei. E é aqui que entra o Marco Civil da Internet, o conjunto de propostas atualmente na segunda fase de discussões e com consulta pública aberta.

Segundo Prado, a primeira versão do Marco Civil da Internet tem um texto que apresenta algumas vulnerabilidades, com redações que não foram bem esclarecidas e deixam entendimentos dúbios. “O armazenamento tem que ser feito. Não existe no Marco Civil algo sobre isso — só alguns textos, mas nada certo. Talvez nessa segunda fase”, projeta o especialista.

A advogada é um pouco mais otimista sobre o projeto. “Ele veio para dar um direcionamento, pois a internet antes era uma coisa sem lei. Pelo menos, ele dá as regras do jogo para que fique igual em todas as empresas. Você tem lá os prazos, e as autoridades têm um parâmetro para pedir informações, é regra geral para todos os provedores e até para os usuários”, explica.

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Por fim, perguntamos para Aline se a privacidade dos usuários brasileiros está garantida. “Ela está garantida pelas empresas. A gente não fornece informações 'a torto e a direito', pois o Marco Civil regula o que deve ser informado, e as empresas garantem o sigilo das informações”, concluiu. Aparentemente e, ao menos por enquanto, podemos dormir tranquilos quanto a isso.

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Fontes

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