Perfil: JP Resende fala sobre dificuldade em empreender e planos da Hotmart

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Conversamos um pouco com o CEO e cofundador da plataforma de negócios digitais Hotmart, João Pedro Resende, que falou um pouco de sua trajetória, sobre os primeiros passos da então startup e, claro sobre tecnologia e os próximos projetos, rumo a uma expansão global.

A Hotmart já conta com mais de 822 mil usuários e vem desenvolvendo novos produtos, como a rede social Sparkle para compartilhamento de conteúdo

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Desde seu início, em 2011, a companhia vem acumulando mais de 822 mil usuários em 166 países, com 75 mil produtos cadastrados. Nos últimos anos, a companhia vem investindo em sua marca — em ações como o evento de marketing Fire — e em novos produtos, a exemplo do Sparkle, ferramenta de entrega de conteúdo em formato de rede social, o 12 minutos, que reúne livros eletrônicos de não ficção.

Confira nosso especial sobre as empresa do Vale do Silício brasileiro San Pedro Valley

- Leia a cobertura do Fire 2017, com entrevistas exclusivas

Como nasceu seu interesse por tecnologia, por empreendedorismo?

Começou na adolescência, muito movido pelos videogames. Mais tarde, me formei em Ciência da Computação pela PUC-MG. Acreditava que o curso facilitaria a construção de um negócio completamente do zero.

Com o tempo, descobri que poderia fazer isso sem a graduação, mas aproveitei o conhecimento adquirido para abrir uma empresa assim que terminei. Acredito que o estudo e o aprimoramento das funções a partir de cursos e de muita leitura são essenciais para um empreendedor.

E o início da carreira, como foi? Quais eram as dificuldades?

Empreender no Brasil por si só já exige grandes esforços e um certo gosto pelo risco. Não temos um ambiente amigável, pelo contrário, além disso contamos com as próprias condições de um país que preza por burocracia e traz uma alta carga de tributos, leis trabalhistas e regulações. E ainda há uma certa cultura popular que foi cultivada ao longo de anos de influência de sindicatos, que incentiva a ideia de que o empreendedor é alguém que se deu bem explorando os outros ou alguém que usou de algum meio escuso para conquistar as coisas.

Não temos ambiente amigável para empreender no Brasil. Além disso, temos um país que preza por burocracia e alta carga de tributos, leis trabalhistas e regulações

Como se não bastasse esse cenário desafiador, você tem que encarar a realidade de que precisa correr contra o tempo e fazer o negócio crescer até que consiga se pagar, antes do dinheiro acabar. Conosco não foi diferente. Larguei meu emprego para me arriscar em uma empreitada que precisava de investimento e tinha um ano para fazer o negócio virar, era o prazo que minhas economias durariam.

No mês em que pedi demissão para focar no negócio, a Hotmart faturou R$ 182 reais, mas eu acreditava no potencial e realmente pensava que poderia ser uma empresa de um bilhão. Bastava encontrar as alavancas certas que multiplicariam aqueles R$ 182 por milhares, depois por dezenas de milhares e, finalmente, por milhões.

A transição para o começo na Hotmart, pode contar como foi o começo da empresa?

A Hotmart não foi minha primeira empresa. Lá trás, quando startups ainda eram chamadas de empresas, criei junto com outros dois sócios a MobWorks. Nós queríamos desenvolver “apps” conectados à internet, jogos multiplayer e soluções baseadas em geolocalização, com foco 100% em mobile. Só que havia alguns problemas. Em 2004 os celulares não tinham nem tela colorida, 3G, GPS e muito menos WiFi.

Minha primeira empresa me ensinou exatamente uma das lições que eu precisava aprender: nunca delegue o comercial e o marketing da sua empresa para um terceiro

Estávamos tentando fazer algo que — hoje consigo ver claramente — não era para estarmos fazendo naquela época. Apesar de tudo isso, criamos algumas coisas, mas a situação ainda ficaria mais difícil. Nós éramos três fundadores técnicos, formados em ciência da computação, dotados de muito conhecimento técnico, muitas ideias e nenhuma capacidade comercial ou habilidade em marketing. Em outras palavras, conseguimos construir, mas não vender.

A solução era óbvia: precisávamos encontrar alguém para vender nossos produtos e serviços. E foi o que fizemos. Nos juntamos com uma agência de publicidade que ficaria responsável pela parte comercial e marketing. Para tornar a história curta, essa foi uma das piores decisões para minha primeira empresa e uma das melhores decisões para o meu crescimento pessoal.

João Pedro Resende (o primeiro à direita, no sentido anti horário) e seu sócio na Hotmart, Mateus Bicalho (o segundo, ao lado dele) e outros empreendedores do San Pedro Valley

No final das contas, a minha empresa fechou as portas 2 anos e meio depois. Muita frustração. Realmente acreditava que conseguiria construir um grande negócio, desenvolver tecnologias incríveis e impactar milhares, talvez milhões de pessoas, com minhas criações. Não rolou. Saímos com o saldo zero. Na verdade, amargamos algum prejuízo porque alguns dos cheques que tínhamos para receber simplesmente não compensaram.

Na minha cabeça, não restava nada de diferente a ser feito que não fosse ir para o mercado de trabalho, juntar algumas economias e voltar a empreender em um segundo momento, no futuro. Mas agora o jogo era outro. Minha primeira empresa me ensinou exatamente uma das lições que eu precisava aprender: nunca delegue o comercial e o marketing da sua empresa para um terceiro.

Mais tarde, finalmente entenderia o quanto é vantajoso um empreendedor fundador ser mais generalista do que especialista

Sabia que até chegar a hora de voltar, vendas e marketing eram as habilidades que, sendo um programador, precisaria desenvolver. Mais tarde, finalmente entenderia o quanto é vantajoso um empreendedor fundador ser mais generalista do que especialista. E aí começou minha carreira dentro de várias empresas de software de Belo Horizonte, onde passei por praticamente todas as posições: desenvolvedor, líder técnico, arquiteto de sistemas, gerente de projetos.

Em paralelo à carreira corporativa no software, administrava em conjunto com outros três amigos uma comunidade de jogadores online. Sempre fui gamer assíduo, apaixonado especialmente por jogos de RPG online. De fato, devo aos jogos boa parte da minhas habilidades, minha formação e meu modo de ver as coisas.

Devido a esse interesse em comum com meus amigos de jogos, organizamos o site e um fórum de discussão sobre os games de que gostávamos mais. O site estava crescendo e em determinado momento concluiu-se que estávamos prontos para iniciar a parte de marketing e monetização. Puxei esta responsabilidade para mim. Era a minha chance de aprender marketing e vendas: as duas coisas que faltavam em mim e que tiveram a maior contribuição na morte da minha primeira empresa.

Estava sedento por aquilo e usaria a oportunidade para aprender o máximo que pudesse. E foi o que eu fiz. Aquele foi um dos meus maiores períodos de aprendizado e foi ali que esbarrei pela primeira vez com conceitos que seriam base da Hotmart, como, por exemplo, os programas de afiliados. No final, meu aprendizado gerou um e-book sobre tráfego na internet, que culminou na minha primeira experiência com a venda de um produto digital.

Voltando a 2011...

Alguns anos depois, criei a Hotmart para resolver todos os problemas que eu mesmo vivenciei ao vender meu próprio produto digital. Em fevereiro de 2011, eu e meu sócio pedimos demissão dos nossos empregos para nos dedicarmos full time à empresa que, naquele mês, tinha batido recorde de faturamento: R$ 182.

Em abril de 2011, lançamos a Hotmart em cima de tudo que aprendi de tráfego e marketing digital na época em que estava estudando para o site de jogos e vendendo meu e-book. Quatro meses depois vencemos a maior competição de startups do Brasil naquele ano: “Sua Ideia Vale 1 Milhão”, criada pelo Buscapé.

Quando decidi pedir demissão e dei o “All In” na minha startup, sabia que o risco seria alto, especialmente para nós que estávamos criando um negócio em um mercado praticamente inexistente naquela época. Mas também sabia que era o único jeito de fazer acontecer de verdade. Ou vai ou racha.

De lá para cá descobri que o aprendizado estava só começando. Passamos por dois processos de investimentos, saímos de zero para mais de 240 funcionários. No meio disso tudo, diferente de grande parte das startups, demos lucro, e por fim, transformamos a Hotmart em uma empresa global. Até agora tem sido uma jornada intensa e de muito aprendizado.

Como vocês formataram o modelo de gestão, de onde veio a inspiração?

Sempre ouvi de muitos empreendedores experientes que para ter uma empresa incrível, você precisaria das melhores pessoas. Acredito que a diferença entre nós e a maioria é que realmente decidimos nos comprometer com todas as forças com esta ideia.

Naturalmente, se pretendo ter a melhores as pessoas, cabe a mim confiar na capacidade delas e focar em deixar o caminho livre para que elas possam executar sua arte da melhor forma possível. Então comecei a pensar quais seriam os pilares de uma cultura que favorecesse o desenvolvimento de pessoas incrivelmente talentosas.

Minha conclusão sobre o que deveríamos seguir como pilar da cultura da empresa é liberdade, autonomia e paixão

Vou construir a empresa em cima de que? Minha conclusão era que deveríamos seguir um caminho de liberdade, autonomia e “love”. Desenvolver a cultura sobre estes pilares significa dizer que, se em algum momento a empresa se afastar dessa base, todo o trabalho realizado pode vir abaixo. As atitudes de nossos integrantes precisam ser condizentes com estes pilares.

Eles também precisam ser fortes para criar uma estrutura capaz de proteger tudo o que emergir desta cultura. Queremos nos cercar de talentos e acreditamos que pessoas talentosas precisam de um contexto que lhes dê espaço, para que possam expressar com liberdade o seu melhor.  Os pilares nos permitem manter uma estrutura leve em termos de processo, o que atrai talentos, incentiva a criatividade e entrega exatamente o que eles precisam para atingir o máximo de seu potencial.

Pilares para manter a estrutura

Autonomia significa decidir sobre como você vai executar o seu trabalho. É poder resolver problemas e implementar novas ideias sem ter que passar por uma série de aprovações dos gestores e líderes da empresa. É fazer suas tarefas com sua experiência e talentos, desde que busque sempre o melhor resultado para a empresa. É importante deixar claro que é o mesmo que fazer tudo sozinho, sem conversar com os outros membros da equipe, ou buscar feedbacks sobre como esta tarefa pode ser otimizada. Afinal, para criamos uma cultura de autonomia, precisamos de um time plenamente confiável, tanto em performance e capacidade de entrega, quanto na certeza de que todos estão alinhados com a cultura, os valores e a visão da empresa.

A cultura de autonomia exige um time plenamente confiável, tanto em performance e capacidade de entrega quanto na certeza de que todos estão alinhados com a cultura, os valores e a visão da empresa

Ter liberdade diz respeito à sua capacidade de poder modificar o ambiente de trabalho, escolhendo como organizá-lo, assim como o seu horário ou onde quer fazer as reuniões e até mesmo em que momento deseja relaxar, estudar, fazer uma pausa — simplesmente ter alguns minutos de lazer.

Porém, todas as escolhas devem ser feitas com responsabilidade. É você quem define como quer trabalhar, desde que suas decisões não interfiram negativamente nos resultados da equipe. Se a sua forma de utilizar a Liberdade estiver sendo notada pelos outros, provavelmente você deve estar abusando dela.

O “Love” é a essência máxima do "se importar". É o cuidado com todos os envolvidos com o nosso negócio, seja ele um cliente, um fornecedor, um membro da equipe, um diretor da empresa ou o porteiro e a faxineira do prédio. Na Hotmart, o “Love” se manifesta de diferentes formas: está presente no bom humor diário, nas boas energias que circulam pelo ambiente, no cuidado com os detalhes, no tratamento atencioso e dedicado com as pessoas, na gratidão por ter aprendido algo importante, na satisfação de ter ajudado um colega a atingir o seu objetivo e também no orgulho de fazer parte de uma equipe empenhada que gera grandes resultados.

O Love é você entregar o seu melhor para algo em que está envolvido. Acredito que nossa escolha por um caminho de liberdade, autonomia e “Love” tem funcionado. A Hotmart multiplicou de tamanho diversas vezes nos últimos anos e manteve-se um lugar incrível para se trabalhar, sendo eleita, pela Love Mondays, a segunda PME (Pequenas e Médias Empresas) mais amadas pelos seus colaboradores.

Há pouco tempo estive em Belo Horizonte para falar sobre o San Pedro Valley. De que forma a história da Hotmart se conecta com o SPV?

A história da Hotmart se mistura bastante à história do San Pedro Valley. O San Pedro Valley nasceu de uma brincadeira que acabou virando coisa séria. Quando chegou a hora de parar de programar no quarto de casa e alugar um escritório, eu e o Mateus Bicalho (cofundador da Hotmart) começamos a procurar um local para montar nossa primeira sede.

O escritório foi montado no São Pedro, mesmo bairro em que eu morava. Era uma sala de 22m² que havia encontrado no final da minha rua. Como tinha poucas economias para investir, convidei meu cunhado, Diego Gomes, que também estava iniciando sua própria startup, para dividir as despesas. Naquela salinha, sem janelas, eu, Mateus Bicalho, Diego Gomes e Edmar Ferreira (cofundadores da Rock Content), começamos as duas empresas, praticamente juntos, e algo muito interessante aconteceu nos meses seguintes.

Reunião de empreendedores do San Pedro Valley: Rodrigo Cartacho (Sympla), Edmar Ferreira (Rock Content), Mateus Bicalho (Hotmart), Lucas Marques (Méliuz) e Gustavo Caetano (Samba Tech)

Primeiro a Hotmart venceu a competição "Sua Ideia Vale 1 Milhão", maior desafio de startups que já tinha acontecido no país. Organizado pelo Buscapé a competição contou mais de 800 empresas. Tempos depois, uma segunda competição de startups, envolvendo centenas de empresas, foi lançada pelo Grupo RBS e desta vez foi a Rock Content (na época ainda com o nome de Everwrite) que levou o caneco.

A história despertou a atenção da jornalista Anna Heim, do The Next Web, que publicou uma matéria sobre o assunto

As duas maiores competições de startups da época tinham sido vencidas por duas empresas que estavam na mesma cidade, no mesmo bairro, na mesma sala. Nós começamos a brincar com a história nas redes sociais, principalmente no Twitter, falando que a região do bairro São Pedro era o novo vale do silício brasileiro. Foi aí que, enquanto buscávamos um nome que fizesse analogia ao "Silicon Valley", o Mateus Bicalho sugeriu "San Pedro Valley". E ficou.

A história ganhou força, atraiu empreendedores como Matt Montenegro (Barba Ruiva) e Bernardo Porto (Deskmetrics), que logo ajudaram a fomentar a comunidade em volta do San Pedro Valley. A história despertou a atenção da jornalista Anna Heim, do The Next Web, que publicou uma matéria sobre o assunto. A partir daí, a região ganhou atenção e continuou atraindo empreendedores, investidores e programas do governo e tem se tornando um ecossistema de startups cada vez mais forte em Belo Horizonte.

Durante o Hackaton (confira nossa matéria da cobertura do evento só para garotas) a Hotmart mostrou interesse em promover mudanças sociais e culturais com o setor. O que mais vocês têm em mente nesse sentido?

Vamos continuar investindo no social, cultural e fortemente em educação. O Brasil precisa parar de somar desempregados e formar empreendedores para resolverem os grandes problemas nacionais. Um bom exemplo é o Hotmart Academy, curso online gratuito que criamos para o auxílio e desenvolvimento de novos empreendedores digitais e já contabiliza mais de 130 mil alunos.

Hackaton For Girls Only, realizado pela Hotmart no início do ano

O Hotmart Academy ajuda quem quer trilhar esse caminho e não sabe por onde começar. O conteúdo ensinado tem uma proximidade muito grande com o mercado. Com isso o aluno já dá os primeiros passos no caminho certo.

Vocês têm se destacado em eventos como o Hackaton e o Fire. Esse tipo de produção é um segmento que vem crescendo dentro da empresa, certo?

O calendário de eventos continua como prioridade na nossa agenda. Somos uma plataforma digital ligada a uma comunidade muito forte que acompanha a Hotmart. Para fortalecer esta comunidade ainda mais, é importante aquele aperto de mão, olhos nos olhos e da conversa com um bom cafezinho e pão de queijo.

Só em 2016 foram realizados 60 eventos em mais de 11 cidades do Brasil. Acabamos de realizar nosso primeiro evento na Espanha, que reuniu alguns dos maiores nomes do mercado digital hispânico para compartilhar com o público seus conhecimentos e aprendizados. Somos muito ligados no digital, mas o encontro face a face com nossos usuários é algo que não abrimos mão.

Para finalizar: o que é a Hotmart hoje, quais são as limitações a serem vencidas e em que status você vê a companhia daqui a 5 ou 10 anos?

Somos a maior e mais completa plataforma para quem produz, divulga e vende produtos digitais, como cursos online, materiais para download e vídeos de forma geral. A Hotmart é líder em seu segmento desde 2011.

JP Resende e as irmãs Lily e Chloe durante o Fire 2017

Acredito que a expansão internacional talvez seja o maior desafio da história da Hotmart. Levar o negócio para um território desconhecido, com cultura diferente e estabelecer do zero uma rede de conexões será um grande desafio, mas é disso que eu gosto.

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