Caça à origem da covid-19 é ameaçada por teorias da conspiração

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Imagem: Maksim Goncharenok/Pexels

Para se evitar que novas pandemias assolem o planeta, é preciso entender exatamente como o Sars-CoV-2, responsável pela covid-19, se originou e de que maneira ele chegou aos seres humanos. Há diversas teorias a respeito do assunto, mas a mais aceita é que tudo não passou de um acidente – seja relacionado à transferência do vírus de animais às pessoas ou mesmo ocorrido em laboratório.

Infelizmente, a busca pela informação sofre com ruídos de comunicação que, invariavelmente, surgem de manifestações xenofóbicas direcionadas ao primeiro local de detecção da doença: a China.

É sobre isso que Jackson Ryan fala em seu artigo publicado no CNET, e você confere um resumo de suas reflexões aqui no TecMundo.

Acusações sem fundamentos direcionadas à China causam ruídos em pesquisas.Acusações sem fundamentos direcionadas à China causam ruídos em pesquisas.Fonte:  Unsplash 

Detalhando a "caça" pela resolução do mistério que circunda o microrganismo que já matou mais de 2 milhões de pessoas e infectou outras 96 milhões no mundo todo até a tarde de sexta-feira (22), Ryan destaca que evidências circunstanciais envolvendo o Instituto de Virologia de Wuhan – localizado na mesma região considerada o epicentro do surto – tornaram investigações extremamente necessárias, e elas, de fato, estão sendo realizadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS).

De todo modo, nada sugere que um "vazamento" do tipo tenha ocorrido por lá, nem há indícios de uma ação proposital. Aliás, problemas do tipo não são incomuns, apesar de rígidos protocolos de segurança garantirem que nada dê errado.

Richard Ebright, biólogo químico da Universidade Rutgers (EUA), exemplifica: "A segunda, terceira, quarta e quinta entradas do coronavírus SARS original em populações humanas ocorreram como um acidente de laboratório."

O problema está justamente no surgimento de teorias de conspiração, pois a escassez de dados ajudou a fomentar noções de que a covid-19 é uma arma biológica ou que foi usada como cobertura para a instalação do 5G em todo o mundo.

É nesse ponto que as coisas se complicam. Sugestões como essas colocam em risco a integridade de análises cientificamente embasadas.

Desinformação atrasa investigações sérias e complica a busca pelos fatos.Desinformação atrasa investigações sérias e complica a busca pelos fatos.Fonte:  Pexels 

Cavernas e mutações

Primeiramente, para que conclusões acertadas tragam à luz o que, de fato, aconteceu, é preciso, a partir do momento em que a primeira pessoa foi contaminada, remontar aquilo que veio antes, uma tarefa nada simples e muitas vezes ingrata.

"Normalmente, leva-se anos para se encontrar hospedeiros reservatórios – se é que encontramos algum", indica Kristian Andersen, virologista do Scripps Research Institute (EUA). Ecologistas, epidemiologistas, geneticistas, virologistas e uma legião de pesquisadores especializados exercem seus papéis, muitas vezes em vão.

Por exemplo, o parente mais próximo do Sars-CoV-2 foi encontrado em 2013 em amostras fecais de morcegos obtidas de uma mina abandonada em Yunnan, província da China.

Os animais são conhecidos por carregaram uma gama incontável de vírus, muitos deles inofensivos ao ser humano. Entretanto, exemplares dos microrganismos, buscando aprimorar a própria capacidade de sobrevivência, sofrem mutações.

"Para um vírus, existem apenas dois tipos de hospedeiros. Um suscetível e um resistente. Tudo é binário para um vírus. Posso infectar esta célula? Sim ou não. Posso replicar? Sim ou não", detalha Roger Frutos, da Universidade de Montpellier.

Nesse processo de adaptação, cópias de códigos genéticos falhas são produzidas aos montes, o que produz uma tonelada de mutantes. Um deles, em algum momento, se sobressai ao restante.

Voltando à variedade de 2013, na época, seis trabalhadores que atuavam nas cavernas apresentaram sintomas de uma doença desconhecida. Três morreram em poucas semanas.

Cientistas se dedicam a montar um quebra-cabeças difícil de se completar.Cientistas se dedicam a montar um quebra-cabeças difícil de se completar.Fonte:  Pexels 

Hipóteses infundadas

Sempre que um evento semelhante ocorre, diversos cientistas se lançam em uma empreitada que envolve montar um verdadeiro quebra-cabeça cujas peças também não estão todas aparentes.

Reforçando a teoria de que o Sars-CoV-2 tenha pulado de animais para seres humanos, pangolins se tornaram suspeitos, mas inconsistências e "práticas cientificamente inaceitáveis" colocaram a acusação em xeque. Ainda assim, não é segredo que noticiários do mundo todo espalharam as informações e que, para avançarem em novas pesquisas, cientistas tiveram de se dedicar a entender algo que, a princípio, não precisaria ser esmiuçado.

O mesmo se aplica a quaisquer ideias que surgem sem embasamento, como os ataques ao país asiático. "Por que especular inutilmente sobre conspirações quando há problemas reais para resolver e pessoas reais para ajudar agora?", diz Magdalena Plebanski, professora de imunologia da Universidade RMIT em Melbourne, Austrália.

"Acho que é plausível que o SARS-CoV-2 tenha surgido 'naturalmente' de algum tipo de interação entre humanos e animais, ou que tenha sido uma liberação acidental de um laboratório", argumenta, por sua vez, Jesse Bloom, biólogo evolucionário do Fred Hutchinson Cancer (EUA).

"Além disso, acho que rapidamente entramos no reino da especulação, que não é algo que eu queira fazer."

Interação entre humanos e animais é a hipótese mais aceita por especialistas.Interação entre humanos e animais é a hipótese mais aceita por especialistas.Fonte:  Pexels 

Tempo perdido

Insinuações como as citadas colocam em risco, também, a possibilidade de que investigações em laboratórios chineses executadas por entidades comprometidas com os fatos tragam frutos positivos, pois o tempo gasto com outras análises não pode ser recuperado.

"Receio que seja tarde demais para a teoria do vazamento de laboratório ser seriamente investigada", lamenta Raj Suryanarayanan, do US Right To Know. "Dito isso, ainda assim, não acho que as pessoas devam desistir disso", finaliza.

Considerando que não há como prever ocasiões semelhantes no futuro, desistir de entender o que poderá evitar uma catástrofe tão grande quanto essa, definitivamente, não é uma opção. O artigo completo, em inglês, você encontra aqui.

Fontes

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