Marco Legal dos Games vai baixar o preço dos jogos? Entenda os detalhes da lei

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O Brasil vive atualmente um dos momentos mais pujantes no setor de jogos eletrônicos. Com vários estúdios sendo adquiridos por empresas estrangeiras, dezenas de games recebendo investimento e mão de obra nacional sendo exportada a rodo, o cenário local parece cada vez mais promissor.

Uma pesquisa de 2022 realizada pela Associação Brasileira das Desenvolvedoras de Jogos Digitais (Abragames), em parceria com a Agência Brasileira de Promoção de Exportação e Investimentos (ApexBrasil), mostra que nos últimos quatro anos o país teve um aumento de 169% no número de desenvolvedoras. De 2018 a 2022, o número de empresas desenvolvendo jogos saltou de 375 para 1009.

E o país já conta com gigantes no setor como a Wildlife, que já foi avaliada em mais de um US$ 1 bilhão (cerca de R$ 4,8 bilhões na cotação atual), Afterverse (empresa que foi comprada pela holding dona do iFood) e Aquiris (que foi comprada pela Epic Games neste ano).

Horizon Chase TurboHorizon Chase Turbo, da Aquiris, é um dos principais jogos desenvolvidos no Brasil nos últimos anos (Imagem: Divulgação/Aquiris)

A indústria brasileira ainda conta com mais de 12 mil pessoas trabalhando com desenvolvimento de jogos, mais de 4 mil cursos de graduação de Jogos Digitais ou Design de Games e centenas de milhares de jovens ansiosos para atuar com o que mais gostam.

E com o setor prestes a ser regulamentado pelo Marco Legal dos Jogos Eletrônicos, alguns representantes temem que o ambiente de negócios piore. Do outro lado, outros players consideram que é urgente aprovar as regras. O Voxel conversou com os dirigentes que discordam entre si sobre o tema, mas antes contará os detalhes da lei.

O que é o Marco Legal dos Games?

De acordo com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), um marco legal – ou marco regulatório – é um “conjunto de normas, leis e diretrizes que regulam o funcionamento dos setores nos quais agentes privados prestam serviços de utilidade pública”. Ou seja, ele funciona como uma espécie de pilar que determina como uma categoria da economia vai funcionar para conciliar a saúde financeira das empresas com as exigências dos consumidores.

Apesar de ter uma história de quase 50 anos no Brasil, os jogos eletrônicos receberão somente agora regras mais específicas. Neste sentido, o Marco Legal dos Games servirá para regular a fabricação, importação, comercialização, desenvolvimento, uso comercial e prestação dos serviços de entretenimento vinculados aos jogos.

Criado pelo PL 2.796/2021, de autoria do deputado federal Kim Kataguiri (DEM/SP), dentre outras coisas a lei define:

  • Que um jogo eletrônico é um programa de computador que contenha elementos gráficos e audiovisuais, que tem fins lúdicos, em que o usuário controle a ação e interaja com a interface;
  • Que os jogos podem ser utilizados em ambiente escolar, para fins didáticos, terapêuticos, de treinamentos e simulações de condução de veículos e mais;
  • Que máquinas caça-níqueis ou outros jogos de chance semelhantes (jogos de azar) não são considerados jogos eletrônicos;
  • Que o desenvolvimento de jogos eletrônicos é considerado pesquisa tecnológica e inovação tecnológica;
  • Que o Estado apoiará a formação de profissionais através de cursos técnicos ou superiores de programação, através da criação de oficinas, incentivando pesquisas, promovendo cursos de capacitação e mais;
  • Equipara a tributação de jogos eletrônicos à tributação de itens de informática.

A tramitação

O PL 2.796/2021 foi aprovado na Câmara dos Deputados no final do ano passado. No início de junho deste ano, o projeto de lei foi aprovado na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado e agora o tema será votado no Plenário do Senado. Esta votação acontecerá somente após o recesso parlamentar – que termina em 31 de julho – e depois seguirá para sanção do presidente Lula (PT).

Antes de ser apreciado pelo Plenário, o texto receberá um relatório do senador Irajá (PSD/TO). Relator do projeto, o parlamentar apresentou uma emenda (que foi aprovada) acrescentando ao texto que games podem também ter uso comercial.

Uma outra emenda do senador Carlos Viana (Podemos/MG) foi rejeitada e outras quatro adições estão aguardando apreciação. As emendas foram apresentadas pelos senadores Mecias de Jesus (Republicanos/RR) e Izalci Lucas (PSDB/DF).

De maneira geral, os acréscimos focam em dois pontos: tentam melhorar os trechos da lei sobre os jogos para fins acadêmicos e reformulam o conceito de jogo eletrônico. No primeiro caso, que está na Emenda 3, ela dispensa a obrigação de escolas com menos de 500 alunos a adquirir jogos eletrônicos, por exemplo.

Nos casos das Emendas 4, 5 e 6 o objetivo dos senadores é definir melhor o escopo do que é um game, já que a ambiguidade do texto original pode gerar insegurança jurídica. Enquanto o texto original diz que, dentre outras coisas, games são “programas de computador que contenham elementos gráficos e audiovisuais”, as emendas pontuam que jogos na verdade são “obras audiovisuais desenvolvidas como programa de computador que contenham elementos gráficos e audiovisuais” e em que “o usuário controle a ação e interaja com a interface; bem como o software para uso como aplicativo de celular e/ou página de internet”.

Os parlamentares defendem a mudança porque a redação original não separa corretamente os conceitos de software e hardware. De acordo com o senador Izalci Lucas, isso “pode resultar em grande complexidade causando imenso impacto para o desenvolvimento de jogos eletrônicos, pois atribui semelhança entre produto e serviço, gerando a possibilidade de produto físico ser considerado um jogo”.

E além de criar todo esse marco regulatório para games de PC, consoles, navegadores e mobile, o PL também legisla sobre os fantasy sports, casos do Cartola FC. Este ponto, inclusive, é um dos que causa a maior discordância entre representantes da indústria brasileira de games.

As críticas ao projeto

Em entrevista ao Voxel, Rodrigo Terra, o presidente Abragames, diz que mesmo a entidade tendo quase 20 anos de fundação, ninguém foi consultado na fase de elaboração do PL 2.796/2021. Ele afirma que a redação atual da lei prejudica principalmente os desenvolvedores indies.

Terra também critica o fato de o projeto dar “tanto espaço” para os fantasy sports (também chamados de fantasy games ou jogos de fantasia), que ele julga que poderiam ser regulados por uma legislação à parte.

“Está sendo privilegiado um subgênero do setor de jogos e não temos nada sobre o tradicional RPG. Por que não estamos falando do RPG, que é o fantasy que a gente conhece há mais de 30 anos?”, questiona.

Rodrigo TerraO presidente da Abragames, Rodrigo Terra, é pesquisador de Games, Novas Mídias, Tecnologias Exponenciais e outras temas

Ele ainda chama a definição original de jogo eletrônico do PL de “anacrônica” e diz que qualquer pessoa que conhece minimamente o desenvolvimento de um game sabe que os termos usados estão no mínimo imprecisos. A emenda que tenta melhorar o entendimento de “jogo eletrônico” foi sugerida justamente pela Abragames aos senadores. “Do jeito que está, conceituando jogo digital unicamente como software, até o Photoshop poderia ser entendido como um jogo”, analisa Terra.

O presidente da Abragames também aponta que uma crítica forte da instituição é que não há nenhuma menção no PL a características da indústria (como empregos gerados e produção anual de títulos) e que os incentivos para a formação de profissionais são ruins. O marco legal dos jogos é bastante específico ao citar que o Estado incentivará a formação unicamente de programadores, sendo que um jogo é desenvolvido por diversos outros profissionais.

Um game é feito também por artistas, roteiristas, animadores, modeladores, engenheiros e mais. E se levarmos em consideração uma empresa de games, ela é formada por pessoas que atuam em outros setores também como contadores, profissionais de recursos humanos, advogados, assessores de imprensa e etc.

‘Era melhor não ter um marco legal assim’

O presidente da Abragames comenta que o Brasil está entrando em uma fase importante na indústria de games em que suas produções indies já são reconhecidas mundialmente. Ele pontua que iniciativas como eventos como o Big Festival e plataformas como o Xbox Game Pass têm sido essenciais para mostrar ao mundo um pouco do que é produzido por aqui.

Só que, de acordo com ele, o marco regulatório tem muitos mais pontos negativos do que positivos. Além das lacunas na lei, erros conceituais e um suposto privilégio aos fantasy sports, Rodrigo Terra acredita que faltou debate e que há certa “blindagem ao texto”. Por causa disso, está cético sobre o acréscimo das emendas restantes.

“Não é que queremos a perfeição, mas temos que buscar a redação mais adequada possível já que este é um marco legal. Nós queremos regulamentação, só que não dá para fazer um marco 'capenga'. Temos que ter uma visão concreta de desenvolvimento setorial, não pode fazer 'meia boca'”, dispara.

GamesDe acordo com a Pesquisa Game Brasil, mais de 70% dos brasileiros dizem jogar algum tipo de game (Imagem: Marcus Chung/Getty Images)

Terra é bastante incisivo e ainda conta que a Abragames acredita não só que o PL 2.796/2021 fará o mercado de jogos no Brasil estacionar, mas que as coisas poderão andar para trás e que principalmente pequenas empresas poderão ser prejudicadas.

“Como vamos trabalhar sem ter a clareza do que é um video game em pleno 2023? Precisamos dar segurança jurídica para a iniciativa privada e órgãos públicos. E ele [marco legal] gera uma indefinição pior do que se não tivessem um marco legal. Aliás, era melhor não ter um marco legal assim”, finaliza Rodrigo Terra.

Jogos mais baratos?

Do outro lado da história, na defesa do PL 2.796/2021, está a Associação Brasileira de Fantasy Sports (ABFS), por exemplo. A entidade foi fundada em 2022 por empresas que atuam no segmento e tem dentre os objetivos “fomentar o crescimento do setor de Fantasy Sports no Brasil de forma ordenada, sustentável e responsável”. Além do Cartola FC, o Brasil tem o Rei do Pitaco como grande título do gênero, tendo distribuído prêmios milionários nos últimos anos.

Em entrevista ao Voxel, o presidente da ABFS, Rafael Marcondes, elenca vários motivos pelos quais a associação acredita que o marco legal dos jogos eletrônicos já poderia ser sancionado. Ele argumenta, por exemplo, que o texto foi bastante discutido com representantes da indústria e por isso está “maduro e pronto” para ser votado em Plenário.

“A ABFS defende a necessidade de regulamentação do setor de games, pois acredita que somente dessa maneira haverá segurança jurídica necessária para a indústria captar mais recursos, crescer e gerar empregos ao público jovem. Para isso, dialoga e contribui com o debate público com todos os interessados em prol do que acredita ser melhor para a sociedade”, diz Marcondes.

Fantasy sportsRafael Marcondes, presidente da ABFS, é diretor jurídico da empresa dona do jogo de fantasia Rei do Pitaco (Imagem: Divulgação/ABFS)

A instituição defende que uma possível sanção do marco legal trará várias vantagens como a criação de um ambiente de negócios favorável para o surgimento de novas empresas de games e até mesmo que os preços podem cair por causa de benefícios fiscais.

O deputado Kim Kataguiri já defendeu que as novas regras tributárias para a cadeia de games podem gerar uma reação em cadeia e deixar os jogos mais baratos. A ideia é que diminuir os custos para desenvolver os títulos e tributá-los menos - já que a indústria de games é tributada em cerca de 70% - será benéfico para os jogadores.

Apesar das promessas, o PL não tem regras específicas que tratam sobre o valor dos video games. Além disso, o preço de consoles e títulos depende de outras variáveis, como a cotação do dólar, o que deixa incerta qualquer promessa de queda nos custos dos produtos.

Fantasy sports são jogos de azar?

Acerca de um dos pontos mais polêmicos do debate, o presidente da ABFS sustenta que os fantasy sports não são jogos de azar e que por isso eles não deveriam ser regulamentados a partir de uma lei paralela. Marcondes ressalta, inclusive, que o PL separa a categoria de jogos eletrônicos e máquinas caça-níqueis e “jogos de chances semelhantes”, ou jogos de azar como são conhecidos popularmente.

O PL 2.796/2021 define os fantasy sports como “disputas ocorridas em ambiente virtual, a partir do desempenho de atletas em eventos esportivos reais, nas quais”:

  • Sejam formadas equipes virtuais cujo desempenho dependa eminentemente do conhecimento, da estratégia e das habilidades dos usuários;
  • As regras sejam preestabelecidas, inclusive sobre existência de eventual premiação de qualquer espécie;
  • O valor da premiação independa da quantidade de participantes ou do volume arrecadado com a cobrança das taxas de inscrição;
  • Os resultados não decorram de placar ou de atividade isolada de um único atleta ou de uma única equipe em competição real.

Rafael Marcondes acrescenta que “todos os jogos eletrônicos têm o vetor sorte presente”. No caso dos video games, ele cita as polêmicas loot boxes, que inclusive são proibidas em países como Bélgica e Holanda.

“Não só os jogos, como quaisquer atividades da vida envolvem em alguma medida a sorte. O importante na distinção dos jogos de habilidades dos jogos de azar é que a sorte não seja fator preponderante no resultado”, defende o presidente da ABFS.

FantasyOs jogos de fantasia dependem do conhecimento do jogador (Imagem: spxChrome/Getty Images)

O representante ainda lembra de um estudo realizado pelo Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) e divulgado em 2018 cuja conclusão é que a maioria dos fantasy sports se baseiam em habilidades e não em sorte.

“Alguns jogadores [de fantasy sports] podem saber mais sobre estatísticas, regras do jogo, quais jogadores estão lesionados, efeitos do clima e uma série de outros fatores que os tornam melhores na escolha de jogadores – essa é a habilidade nos fantasy sports”, afirmou Anette Hosoi, reitora do curso de engenharia do MIT e uma das responsáveis pelo levantamento.

Para chegar a essa conclusão, os autores realizaram cálculos matemáticos em milhares de partidas esportivas que tiveram competições nos fantasy games. Os resultados dos palpites humanos foram comparados a de máquinas, indicando que jogadores reais levam mais fatores em consideração para conseguir alcançar a vitória. A pesquisa do MIT foi apoiada, em parte, pela FanDuel, empresa líder no setor de fantasy sports e jogos de apostas nos Estados Unidos.

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