Como preparar nossas contas e aparelhos tecnológicos para quando morrermos?

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Imagem: Blyon/Kevin Cappis

No final de 2014, o físico e hacker profissional Michael Hamelin morreu por conta de um grave acidente automobilístico. Além de ter que lidar com a dor da perda, no entanto, sua esposa se viu diante de um desafio próprio da nossa atual vida conectada: o que fazer com as contas em redes sociais, dispositivos móveis e servidores seguros que seu marido mantinha em casa? Como acessar dados pessoais protegidos por senhas desconhecidas?

A carreira de Michael já durava mais de duas décadas e envolveu trabalhos com a equipe do Grande Colisor de Hádrons (LHC, na sigla em inglês) do CERN e a atuação no departamento de segurança de infraestrutura na IBM, entre outras coisas. Já sua esposa, Beth, era uma cientista do Centro de Controle de Doenças local.

Carro de Michael e Beth depois do acidente

O dilema começou quando a mulher estava repousando na cama do hospital após o acidente de carro e tentava achar um ponto de apoio em meio à inundação emocional causada pela morte de seu marido. Beth percebeu que seria necessário ligar para amigos e familiares para avisar sobre o ocorrido, mas sua bolsa não havia sido trazida pelos paramédicos e, sem seu celular, ela não possuía as informações de contatos.

Isolada do mundo

Quando o acidente aconteceu, o casal estava indo se encontrar com outro amigo chamado Gil Brice, que notou que algo deveria estar errado para que os colegas estivessem duas horas atrasados e não respondessem a seus telefonemas. Como Brice e Michael eram usuários de iPhones, eles costumavam compartilhar suas localizações um com o outro por meio do recurso Find My Friends da Apple, o que foi essencial para que ele descobrisse o que aconteceu.

Horas depois do horário marcado para a chegada do casal, Brice ativou o localizador e viu que o celular do amigo estava parado na lateral da rodovia. Ao notar que o ponto não havia se movido mesmo depois de mais uma hora, ele então ligou para a polícia e ficou sabendo do acidente, que o informou a respeito da transferência de Beth para o hospital John Peter Smith, na cidade de Fort Worth, no Texas.

Recurso Find My Friends no iPhone

Brice pegou seu iPad e foi para lá, permitindo que Beth então acessasse sua conta da Apple e recuperasse os números de amigos e familiares para informá-los sobre a tragédia. As redes sociais então foram utilizadas para informar a todos a respeito do velório, que sem essas ferramentas de comunicação rápida acabaria inevitavelmente vazio nesse tipo de circunstância.

De mal a pior

O drama vivido no hospital, no entanto, era só o começo do turbilhão tecnológico causado pela morte de Michael. Ao chegar em casa, alguns dias depois, Beth teve que enfrentar a grande pilha de tecnologia inacessível de seu marido falecido. Como especialista de segurança e provedor de serviços digitais, o homem possuía uma grande quantidade de aparelhos computadorizados cercados de fortes medidas de segurança.

No entanto, todas essas barreiras de proteção acabaram se tornando um grande problema por conta do simples fato de que o hacker profissional não possuía um plano de contingência no caso de uma fatalidade. As precauções que foram tomadas para impedir que pessoas mal-intencionadas obtivessem acesso a seus dados agora estava impedindo que sua própria esposa pudesse alcançar o que lhe pertencia.

Alguns dos aparelhos deixados por Michael em sua casa

“Foi difícil para a Beth porque ela chegou em casa e tinha um celular novinho, mas não conseguia sequer acessar o WiFi. Michael tinha programado tudo. Beth é muito inteligente – ela é uma cientista –, mas Michael tinha cuidado de tudo. Um amigo teve que ir até lá para resetar a senha da conexão sem fio”, disse Andrew Kalat, um amigo próximo do casal, ao Daily Dot.

Portas fechadas

Sem saber as senhas usadas pelo seu marido, a viúva não tinha como acessar as milhares de fotos familiares que ele havia salvado em um disco digital – até a última segunda-feira (23), ela ainda não conseguiu encontrar esses arquivos. O maior desafio, no entanto, eram as contas de Michael em serviços variados: Gmail, Twitter, domínios pessoais na rede, servidores alugados, negócio de hospedagem na web, servidores domésticos e sua coleção de aparelhos da Apple.

Como Beth nunca foi uma hacker e nem trabalhou profissionalmente com segurança, o quarto onde ele mantinha mais de uma dúzia de servidores de web e email seguros parecia uma fortaleza impenetrável para ela. E isso só foi piorado por algumas das empresas com as quais o falecido mantinha relações de negócios em vida, pois nem todas possuem planos de como agir para facilitar a vida de familiares caso um de seus clientes morra.

Michael tinha alguns servidores próprios em casa

Buscando por meio de papeis e contas de cartão de crédito, Beth e alguns amigos entendidos em tecnologia descobriram que Michael alugava cinco servidores em um centro de dados. Muitos datacenters proíbem que qualquer pessoa além do dono de um servido tenha acesso físico a ele, mas a empresa contratada pelo falecido se dispôs a abrir uma exceção depois que a esposa e seus amigos explicaram a situação.

Kalat também atua como especialista em segurança e ficou surpreso com a disposição de empresas a fornecer acesso privilegiado para parentes de clientes mortos. “Quando eu vi como as companhias com pouco ou nenhum planejamento para falecimentos ficam dispostas a dobrar suas regras, eu pensei ‘wow, essa é uma técnica poderosa’”, disse o amigo do casal, ponderando que hackers e engenheiros sociais poderiam tirar proveito dessa fraqueza.

Cada empresa com sua política

Depois de resolver a questão dos servidores alugados, Beth e seus colegas tentaram descobrir como obter abrir os dispositivos da Apple que pertenciam a Michael. “A Maçã não possui uma regra de direito de sobrevivência, então não há acesso automático para os parentes. A empresa acha que os dados são pessoais e privativos, então as contas devem morrer com o usuário”, afirma Kalat.

O Facebook tem políticas bem estabelecidas para lidar com usuários falecidos

A Google, por sua vez, possui uma política para o caso de mortes, mas isso parece não funcionar tão bem quanto deveria. Mesmo após mais de dois meses desde que a esposa enviou um pedido para acessar os dados de Michael, a gigante das buscas ainda não respondeu à sua solicitação. O Twitter, por sua vez, simplesmente fecha a conta do usuário, apagando para sempre seus tweets públicos, mensagens privadas e outros dados.

Por outro lado, o Facebook possui métodos eficientes para lidar com as mortes. As páginas de perfil dos falecidos são transformadas em memoriais, o acesso a elas é proibido e o usuário é ajustado para que não apareça em notificações de aniversário, sugestões de amigos ou outros recursos. Já o Outlook, da Microsoft, envia um DVD com os dados da conta do morto para os familiares antes de fechá-la para sempre.

Prepare-se para o pior

Mesmo três meses depois da morte de Michael, Beth só conseguiu obter acesso a uma pequena porção daquilo que o marido deixou no mundo digital. Kalat, que vem acompanhado o processo, afirma que isso deve servir como um puxão de orelha para todas as pessoas que passam uma quantidade considerável de tempo na internet – e não somente os hackers.

Beth continua tentando encontrar certos conteúdos com a ajuda de amigos

“Nossa sociedade ainda não alcançou o mesmo patamar que a tecnologia com relação às questões dos familiares. Pouquíssimas companhias possuem políticas para lidar com a morte”, afirmou Kalat. A experiência com Beth levou o especialista a pensar nas lições aprendidas com o falecimento de seu amigo e a bolar estratégias para se preparar para sua própria morte e facilitar a vida de seus familiares.

Uma das medidas preventivas seria a criação de uma “gaveta de legado”, uma espécie de compartimento fechado e seguro em que você deixe guardados papeis com todas as suas senhas, documentos financeiros, informações de contato e até mesmo seu testamento. Dessa forma, caso você acabe morrendo antes da hora, basta que você esteja sempre com a chave para que seus parentes eventualmente tenham acesso aos seus dados.

Outra sugestão de Kalat é fazer uma “inversão de papéis” durante um mês por ano, ensinando as outras pessoas da sua família a fazer as coisas que costumam ser sua responsabilidade.  “Se uma pessoa só costuma sempre pagar as contas, lidar com combustível e fazer todas as coisas de tecnologia, ela precisa garantir que a outra também consiga fazer isso. Certifique-se que eles estão preparados para sobreviver sem você”, diz.

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