Como a tecnologia tem revolucionado o Mercado de Capitais brasileiro

5 min de leitura
Imagem de: Como a tecnologia tem revolucionado o Mercado de Capitais brasileiro
Imagem: Getty Images
Avatar do autor

Equipe TecMundo

Por Gustavo Blasco 

Neste primeiro artigo ao Tecmundo, abordo um tema que me é bastante caro: a revolução que a tecnologia está provocando no mercado financeiro, em especial no mercado de capitais. De início, importante explicar de forma sucinta e didática o que é e qual a importância deste mercado.

smart people are cooler

Tecnologia, negócios e comportamento sob um olhar crítico.

Assine já o The BRIEF, a newsletter diária que te deixa por dentro de tudo

O sistema financeiro nada mais é do que um grande intermediário monetário, no qual pessoas e empresas que geram excedente de riqueza e a poupam se conectam com pessoas e empresas que precisam se financiar.

O mercado de capitais, de modo simplista, é a parte desse sistema que funciona fora dos balanços dos bancos.

Por exemplo, quando “João” aplica seu dinheiro em um produto emitido por um banco, como um CDB (cédula de crédito bancário) e este empresta o dinheiro de João a “Maria” por meio de um empréstimo bancário, tomando o risco do crédito para si, estamos diante de uma tradicional operação bancária, a qual faz parte do mercado financeiro, porém não do mercado de capitais.

Já quando, no mesmo banco, João aplica seu dinheiro em uma debênture da Petrobras, o que o banco fez foi nada mais do que, por meio de sua corretora, intermediar um empréstimo de João à Petrobras. Neste exemplo, João fica com o risco de crédito, caso a empresa não honre os compromissos da dívida contraída. Assim a operação, além de estar inserida no mercado financeiro, é uma típica transação do mercado de capitais.

Percebe-se que uma característica comum do mercado de capitais é o lastro direto entre o recurso do poupador e o ativo do emissor, seja este uma debênture, uma ação ou quaisquer outros. Mais do que isso, e esse é um ponto importante, esse tipo de transação, ao contrário da anterior, não é ancorada no balanço dos bancos - os quais possuem limites de alavancagem, concentração, entre outras diversas limitações regulatórias e financeiras - permitindo às operações atingirem uma escala absurda.

Ocorre que, há um certo tempo, o fluxo de informações era extremamente moroso e o processo para operacionalizar essas transações bastante complexo, burocrático e oneroso, de tal modo que, apesar de em teoria o mercado de capitais ter muito mais escala que o bancário, era o sistema bancário o grande motor do mercado financeiro, pois somente as grandes instituições tinham tamanho para dar conta dos custos e capacidade, para analisar as informações necessárias à tomada de risco.

Tal cenário vem mudando drasticamente ao longo das últimas décadas, com velocidade crescente nos últimos anos. As plataformas sociais e a velocidade das redes 4G e 5G reduziram o custo marginal da informação para praticamente zero na maioria dos mercados; os servidores em nuvem massificaram a capacidade de análise e processamento de dados e, mais recentemente, a blockchain passou a permitir o fracionamento e a negociação instantânea e ininterrupta de praticamente qualquer ativo.

Isso tudo em conjunto tem provocado a entrada de inúmeros players independentes (não ligados às instituições financeiras) no mercado de capitais, fazendo com que esse mercado tome o lugar do sistema bancário como grande propulsor do financiamento econômico.

Mercado de Capitais brasileiroO mercado de capitais  tem um vasto campo para crescer e se consolidar, na economia mundial. Fonte: Getty Images

 Na verdade, há dois momentos distintos dessa exponenciação do mercado de capitais:

  • Nos últimos quarenta anos o crescimento da capacidade computacional deu escala a inúmeras firmas de investimentos não bancárias (gestoras de recursos, securitizadoras, entre outras figuras jurídicas), principalmente nos EUA e Europa.
    Hoje, empresas como Blackstone, Blackrock, entre outras, já administram recursos em valores superiores aos ativos dos maiores bancos do mundo, investindo o dinheiro de investidores em uma infinidade de tipos de ativos. Esse ecossistema é conhecido como Shadow Banking (banco paralelo) e é hoje indispensável na engrenagem de alocar recursos de poupadores em prol do financiamento de empresas e pessoas deficitárias de capital;
  • Na última década, em especial nos últimos quatro anos, a tecnologia de blockchain tem propiciado o surgimento de novos players, muito mais tecnológicos do que as empresas do já consolidado Shadow Banking, que por sua vez têm criado um ecossistema totalmente inovador de finanças descentralizadas (DeFi).

Ao contrário do modus operandi tradicional, nesse caso, a figura do intermediário é pulverizada, relegada a irrelevância, visto que a tecnologia permite a venda fracionada de uma infinidade de ativos que antes precisavam ser empacotados em fundos ou títulos de dívida lastreados, para que a operação tivesse escala. A tecnologia permite também a negociação instantânea e 24/7 de tais ativos, transações sem fronteiras físicas e custódia em carteiras digitais (wallets) descentralizadas, ou seja, “zerando” o risco do custodiante.

Essa segunda revolução ainda mal começou e terá um impacto no mercado financeiro, em especial no de capitais, muitas vezes superior ao impacto das últimas décadas do “sistema bancário paralelo”.

Por último, mas não menos importante, as empresas do já consolidado sistema bancário paralelo e as das nascentes finanças descentralizadas têm algo em comum: ao contrário do que ocorre no sistema bancário tradicional elas não precisam tomar dívida para se alavancar (podem, mas não precisam) e não possuem descasamento de ativos e passivos, ou seja, não há risco de corrida por resgates nessas instituições, tal qual há no sistema bancário. O colapso do Silicon Valley Bank, que quebrou em poucos dias, jamais aconteceria em uma dessas empresas.

Não que elas não possam quebrar, evidente que podem. Entretanto, ao contrário dos bancos, não lastreiam passivos de curtíssimo prazo com ativos de longo prazo. São assim muito mais resilientes - as versões 2.0 e 3.0 dos bancos tradicionais.

Essa maior solidez de ambas as indústrias aliada à segunda revolução em curso (DeFi) tem importância social incalculável, visto que, o aumento da robustez do sistema e a otimização do processo pelo qual poupadores se conectam com tomadores de crédito, significa, no fim da linha, maximizar a eficiência do processo pelo qual a sociedade aloca seu capital e escolhe os projetos e pessoas que merecem ser financiados; gerando empregos, crescimento econômico e desenvolvimento social.

***
Gustavo Blasco é fundador e CEO do Grupo GCB, holding das fintechs Adiante e PeerBR, e da GCB Investimentos. O executivo é economista, formado pelo Mackenzie e detém as certificações: Certificado Nacional de Profissionais de Investimento (CNPI) e o Certificado de Gestor Anbima (CGA). 
 

smart people are cooler

Tecnologia, negócios e comportamento sob um olhar crítico.

Assine já o The BRIEF, a newsletter diária que te deixa por dentro de tudo

Você sabia que o TecMundo está no Facebook, Instagram, Telegram, TikTok, Twitter e no Whatsapp? Siga-nos por lá.