Ego lifters: o treino pesado pelo ego nas redes sociais

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Este texto foi escrito por um colunista do TecMundo; saiba mais no final.

ego lifter é a denominação dada ao praticante que exagera no peso nos exercícios, visando alimentar seu próprio ego, no sentido de força na academia. Como consequência, muitas vezes se perde em qualidade de movimento e segurança do exercício.

Sendo a musculação uma modalidade que busca isolar as ações musculares através de contrações de qualidade, seria essa prática coerente com a essência dos exercícios: saúde e condicionamento físico? Entenda mais sobre esse fenômeno aqui.

O papel das redes sociais na popularização do ego lifter

Que experiência humana é treinar em uma academia de musculação. Se você já frequentou uma, sabe a variedade de atividades e exercícios que podem ser feitos lá dentro. As redes sociais têm popularizado esse ambiente, um dos mais conhecidos no mundo quando se fala em exercícios físicos, principalmente de força.

Em uma amostra representativa da população dos EUA, cresceu o número de pessoas que atinge a recomendação de treinar força 2 vezes por semana, conforme recomendado pela OMS, considerando de 1997 até 2018. Apesar de que a prevalência ainda esteja abaixo de 30%, é um avanço.

Porém, a onda fitness traz também retratos negativos dos exercícios, quando praticantes cometem erros de execução por excesso de peso ou ocorrem acidentes que ao serem filmados, acabam se tornado virais nas redes.

ego lifters tem alimentado seu ego e seu comportamento através das redes sociaisego lifters tem alimentado seu ego e seu comportamento através das redes sociaisFonte:  Getty Images 

Um primeiro ponto é que o que vemos nas redes sociais não representam o cenário geral quando nos referimos à musculação e lesões. O treinamento de força é seguro e pode ser realizado por todos.

O que os estudos nos mostram sobre musculação e lesões?

Em famoso estudo que comparou lesões entre modalidades de força, a musculação se mostrou a mais segura, com 0,12 a 0,7 lesões por praticante ou 0,24 até 1 lesão a cada 1000 horas de treinamento. Homens geralmente apresentam maior número de lesões em relação às mulheres. Comparado às demais modalidades, principalmente às de contato, esses dados são bem baixos.

As pessoas geralmente buscam a prática de musculação em academia por fins estéticos, como hipertrofia muscular ou emagrecimento. Algumas semanas atrás comentei, a partir das evidências científicas atuais, como podemos chegar à hipertrofia, com diferentes abordagens de treino.

Apesar da diversidade de variáveis que podemos manipular para tornar o treino mais interessante, parece que alguns ainda permanecem baseados exclusivamente na premissa que deu origem a um princípio do treinamento esportivo – Sobrecarga, em que Milos de Crotona – atleta grego do século VI a.C., carregava um animal nas costas e à medida que este ganhava peso e gerava sobrecarga progressiva, se tornava maior e mais forte, ou seja, praticantes ficam limitados apenas ao peso que colocamos no exercício, não explorando a possibilidades diferentes de aplicar sobrecarga nos treinos.

Existem pelo menos 10 formas diferentes de fazer isso, como aumentar as repetições, as séries, melhorar a técnica, a conexão entre mente e músculo etc.

Existem diversas formas de aplicar sobrecarga nos exercícios, além do peso.Existem diversas formas de aplicar sobrecarga nos exercícios, além do peso.Fonte:  Getty Images 

É aí que aparecem os “levantadores de peso para o ego”, que tem alimentado suas “façanhas” nas redes sociais através de likes e compartilhamentos, mas que podem estar sob maior risco de lesão, encurtando sua vida útil na academia. O “ego lifter” provavelmente carrega consigo um risco elevado de lesão para um limitado efeito de um treinamento de baixa qualidade.

O problema não está em treinar pesado, mas sim fazê-lo pelas razões (e execuções) inadequadas. Treinar para alimentar o ego é, segundo uma das maiores teorias sobre motivação, um motivo extrínseco que busca aprovação social através do comportamento de exercícios.

Hoje, através da psicologia do exercício, sabemos que essa não é a melhor qualidade motivacional para treinar, e sim aquela que a prática tenha prazer e satisfação com os exercícios, sem a busca iminente pela aprovação dos outros, seja pessoalmente na academia ou através das redes sociais.

Força é importante e um indicador de saúde. Para ganhar força, é fundamental levantar pesos. Mas é essencial lembrar que a técnica precede a carga nos exercícios. O controle do peso nas ações concêntrica e excêntrica, essa última conhecida como a fase negativa da repetição, é aspecto primordial na técnica. Além da amplitude de movimento, essa que geralmente é a primeira a ser perdida, na tentativa de levantar mais peso do que se é capaz.

Conseguimos ver isso facilmente, quando o indivíduo excede limites no peso e os movimentos ficam curtos. A ciência demonstra que, para força e desenvolvimento muscular, é recomendada a utilização de amplitudes completas de movimento, na imensa maioria dos casos.

Além disso, para resultados concretos, aderência importa mais que a intensidade (peso). Para aderência, é preciso de motivação. Sendo assim, prolongar a vida útil nos treinos, longe de lesões, é coerente.

Ademais, se você não é atleta, provavelmente ninguém se importa com o quanto de peso você coloca nos exercícios, além de você mesmo. Se seu objetivo é hipertrofia, não é necessário pegar quantidades enormes de peso, pois altas e baixas cargas são efetivas para isso e de maneira similar.

Treine por você. Treine pesado, se quiser, mas sempre de forma inteligente. Com orientação profissional.

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Fábio Dominski é doutor em Ciências do Movimento Humano e graduado em Educação Física pela Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC). É Professor universitário e pesquisador do Laboratório de Psicologia do Esporte e do Exercício (LAPE/CEFID/UDESC). É autor do livro Exercício Físico e Ciência - Fatos e Mitos, e apresenta o programa Exercício Físico e Ciência na rádio UDESC Joinvile (91,9 FM); o programa também está disponível em podcast no Spotify.

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