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CL1: conheça o 1º PC biológico do mundo que usa neurônios humanos para 'aprender'

Desenvolvido por uma startup australiana, o pequeno computador usa silício, células-tronco e objetiva expandir uma IA biológica sintética

Avatar do(a) autor(a): Felipe Vitor Vidal Neri

schedule06/03/2025, às 09:30

CL1: conheça o 1º PC biológico do mundo que usa neurônios humanos para 'aprender'

A startup australiana Cortical Labs lançou o primeiro computador biológico de uso comercial do mundo durante a Mobile World Congress (MCW) 2025, na Espanha. Chamado de CL1, o aparelho com tamanho de uma caixa de sapatos utiliza um chip com neurônios cultivados a partir de células-tronco para criar uma inteligência artificial biológica.

Em formato retangular, o CL1 é um pequeno computador com o objetivo de aprender. Para isso, esse PC utiliza milhares de pequenos neurônios do tamanho do cérebro de uma barata ligados ao silício.

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Os neurônios do computador são produzidos em laboratório por meio de uma técnica que transforma células sanguíneas de voluntários em células-tronco, que então são transformadas em neurônios. Segundo o diretor científico da Cortical Labs, Brett Kagan, o processo não é tão diferente do que um médico faz em exames de rotina.

Milhares de neurônios estão sobre o silício do chip
Os neurônios crescem sobre a placa de silício do chip (Imagem: Cortical Labs)

O grande segredo do CL1 e abordagem que une a biologia e o hardware através do silício, é que os neurônios podem aprender por estímulos eletrofisiológicos. Ao enviar informações pelo chip, essas células recebem respostas por meio de informações aleatórias, enquanto respostas corretas chegam com dados padronizados e eventualmente os neurônios entendem o que é correto.

Foi a partir desse tipo de estímulo que os pesquisadores fizeram esse sistema, conhecido como Dishbrain, jogar Pong. A tecnologia biológica conseguiu jogar o icônico game de tênis de mesa em 2022, embora tenha errado diversas bolas, mas na época foi um marco impressionante para a startup — que culminou no lançamento do CL1.

Inclusive, a construção do CL1 é bem diferente de um computador doméstico ou de uso profissional. A carcaça desse PC foi feita especialmente para fornecer condições de vida ideais para os neurônios, já que são células exigentes e que precisam de um ambiente livre de resíduos e com constante alimentação de nutrientes para seu funcionamento e crescimento.

Criação de uma IA Biológica

O feito da Cortical Labs mira não somente na democratização do CL1, como também na expansão da pouco conhecida inteligência artificial biológica, ou melhor, uma Inteligência Biológica Sintética. Essa é uma área que ainda engatinha, mas consiste na combinação entre o aprendizado de máquina e o acervo de conhecimento humano na área da biologia.

A ideia da startup é, literalmente, utilizar partes do cérebro com os neurônios para criar uma inteligência artificial que mais se parece com um cérebro real. No fim das contas, o tão sonhado objetivo de mimetizar um cérebro com IAs generativas da OpenAI, Google e Microsoft pode ser feito com as próprias células do órgão, já que o cérebro é “única coisa que possui inteligência generativa”, como aponta Kagan.

O pesquisador salienta que o propósito dessa inteligência artificial não é competir com modelos de linguagem complexos, como o GPT ou o DALL-E. Na atual situação, a capacidade de processamento de um conjunto de PCs CL1 seria incapaz de competir com essas tecnologias — que utilizam aceleradores em data center gigantescos.

Amostra de neurônios do CL1
Amostra de neurônios do CL1 (Imagem: Cortical Labs)

Com expectativas contidas, Kagan aposta que o CL1 pode ser um divisor de águas a respeito do consumo energético. Enquanto modelos de IA grandiosos consomem mais de 1.300 megawatts de energia, um agrupamento de 30 unidades do CL1 deve puxar entre 850 e 1.000 watts da tomada.

Assim, a união do hardware com esses neurônios pode ser um caminho alternativo para minimizar o vasto consumo de energia que as Big Techs têm gasto para treinar seus modelos. Contudo, até esse tipo de tecnologia amadurecer e efetivamente entrar no mercado, vai demorar alguns bons anos.

Mesmo assim, Brett Kagan bate na tecla que o grande diferencial de usar células cerebrais para tecnologia é que essas estruturas aprendem rápido. “O que humanos, ratos, gatos e pássaros podem fazer [que a IA não pode] é inferir a partir de quantidades muito pequenas de dados e então tomar decisões complexas”, informa o cientista.

CL1 pode ser usado para pesquisa médica

Por mais que o CL1 e a IA biológica ainda não sejam ideais para empresas de tecnologia gigantescas, os pesquisadores acreditam que os neurônios usados no computador podem ajudar em pesquisas médicas. O intuito é colocar a tecnologia para entender o funcionamento de diversas doenças e até mesmo na elaboração de medicamentos.

Os cientistas trabalham em pequenos aglomerados de neurônios batizados de organoides cerebrais, ou seja, um conjunto de células com propriedades para replicar o funcionamento de certos órgãos. A Cortical Labs trabalha em parceria com o pesquisador sobre células-tronco Ernst Wolvetang, da Universidade de Queensland.

Wolvetang estuda esse tipo de célula há anos com organoides do tipo 3D, enquanto a startup usa os neurônios em um plano 2D simplificado. Mesmo com o ceticismo sobre como isso funcionaria, o cientista aponta que a Cortical conseguiu desenvolver um software e método de análise para demonstrar como esses neurônios realmente podem aprender.

Cluster com diversas unidades do CL1
Agrupamento de unidades do CL1 em um servidor (Imagem: Cortical Labs)

A ideia do pesquisador é usar seus próprios organoides 3D com o poder dos modelos 2D da empresa. Caso esse grupo de células mais complexas responda positivamente aos estímulos e comece a aprender, há um campo gigantesco de possibilidades científicas para explorar.

Um dos exemplos utilizados é que inserir amostras de doenças neurodegenerativas nesses organoides poderia explicar como elas afetam a memória e o aprendizado nos seres humanos. Já a pesquisadora de células-tronco do Instituto de Pesquisa Infantil Murdoch, Silvia Velasco, busca entender como é a formação do córtex cerebral humano.

A questões éticas

Como sempre, há um forte debate nas decisões éticas envolvidas em processos que envolvem células e cérebros. Por mais que esteja em caráter embrionário, versões avançadas do CL1 e da IA biológica podem formar redes neurais com mais entendimento e até mesmo algum tipo de consciência.

Para Velasco, seria uma oportunidade perdida não pesquisar e investigar um sistema com potencial para curar doenças cerebrais devastadoras. No entanto, a pesquisadora também aponta ser “importante avaliar e antecipar possíveis preocupações que o uso desses modelos pode levantar.”

Já Kagan minimiza os riscos nesse momento e diz que a ciência ainda não pode responder essas questões, dado o estágio inicial das pesquisas.