Um inferno como você nunca conheceu

Não há nada que intrigue mais a imaginação dos homens que o próprio inferno. De Dante a Beksinski, a arte já tentou refletir o reino dos demônios de todas as formas possíveis, mas ela gosta de romantizar as coisas. Afinal, todos nós conhecemos uma versão dos domínios obscuros que com certeza é muito mais tenebrosa e violenta que qualquer outra já existente: Doom.

Depois de anos contornado por rumores e novidades escassas, Doom finalmente voltou com tudo para os video games. E ele chegou nos potentes consoles e computadores da atual geração com uma expectativa iminente: como o jogo que definiu o gênero de tiro poderia surpreender mesmo depois de 12 anos desde o seu último título lançado?

A resposta, como muitos descobririam, se concentrou na reformulação de toda a saga. De 1993 para 2016, os jogos se desenvolveram de forma assombrosa. A id Software e a Bethesda, acostumadas com o enfoque na imersão, aproveitaram a chance para mostrar que a evolução é uma aliada cada vez mais surpreendente para os jogadores.

E foi assim que o inferno foi o palco de mais uma visita memorável. Uma viagem que te deixará empolgado ao detonar demônios como antigamente.

Campanha emocionante

Doomguy, o anônimo protagonista da série, acorda em um altar no meio do caótico evento que soltou o inferno na base da UAC (Union Aerospace Corportation) em Marte. Pouco a pouco, ele se levanta e recupera sua icônica armadura. Encontra sua primeira arma. E descobre também como chutar o traseiro de alguns demônios.

O ritmo inicial lento me deixou preocupado se alguns elementos ficariam cansativos no decorrer da história. Você aprende, em pouco tempo, a finalizar um inimigo e ganhar pontos de vida adicionais com essa ação. Foi possível perceber, na primeira fase, que a mesma execução se repetiu várias e várias vezes, demonstrando pouca variedade no início.

Mas não demorou muito para essa sensação simplesmente evaporar durante a jogatina. Encontrei o primeiro segredo escondido no mapa e presenciei elementos totalmente nostálgicos da série. Em um momento de saudosismo, também pulei sobre um demônio e descubri que ali estava outra finalização diferente. O jogo estava se renovando aos poucos, deixando que eu me adaptasse para sentir os primeiros desafios.

E assim, as coisas estavam esquentando nessa descida ao inferno.

Não demorou para que a dificuldade aumentasse exponencialmente. Demônios diferentes e mais poderosos surgiam em números mais expressivos e com frequência cada vez maior. Para aumentar a tensão, músicas contagiantes — uma trilha sonora de rock envolta por batidas eletrônicas nervosas — fizeram a adrenalina subir a níveis que senti em poucos momentos da vida gamer. No fim, derrubei o primeiro Baron of Hell. Ele estava ali na minha frente e com a cabeça toda estourada pela minha espingarda.

A imersão do novo Doom é algo simplesmente incrível. Os cenários são criados em um nível espantoso de detalhes. Longas plataformas ao lado de tubulações com lava dão a sensação da vastidão, mas o campo de visão é preenchido com manchas de sangue, caixas destruídas, escadas para novos lugares, corpos, demônios mortos e o vapor do líquido do inferno. A espera pelo lançamento finalmente mostrou seus primeiros benefícios.

Doom também recompensa constantemente a exploração. Afinal, enfrentar as hordas do inferno também exige um armamento completo. O protagonista pode recuperar itens de aprimoramento no cenário para aumentar características em sua armadura e nas armas. Ou, em outros casos, núcleos de energia para aprimorar os atributos básicos do herói.

A id Software tomou extremo cuidado para não danificar a história original da série e a expandiu com mais elementos. Temos agora a trama de dois personagens que constroem o grande conflito de Doom: a doutora Olivia Pierce, a cientista responsável por soltar o inferno sobre a base, e o comandante Hayden, responsável pelas instalações e que situa o jogador de todos os acontecimentos.

A diferença é que agora você sente o peso das suas ações. Em determinado momento, Hayden lembra que tudo o que está sendo destruído é o trabalho de muitas pessoas, e os avanços salvariam milhares de vidas na Terra. Mas você precisa agir.

“Você não faz ideia do que acabou de fazer”, diz ele em tom de raiva quando Doomguy destrói o último filtro que sugava a energia do inferno.

Hoje, é possível compreender melhor toda a dimensão da tragédia para o universo de Doom. O tempo, mais uma vez, fez muito bem à série.

Neste quesito, a dublagem em português é bem adaptada e não interfere na ambientação proposta pelo game — mesmo nesses momentos de tensão iminente.

Mas o próprio jogo sabe que você pode pedir um intervalo das suas responsabilidades apenas pelo prazer de detonar alguns inimigos. Há desafios espalhados pelos mapas com arenas e objetivos específicos para ganhar recompensas melhores para os seus equipamentos.

E, caso você seja um verdadeiro apaixonado pela série, encontrará aqui referências em todos os lados. Segredos espalhados pelos cenários, monstros remodelados dos games clássicos, fases originais escondidas, trilha sonora e até mesmo o sistema de chaves separadas em cores e caveiras.

Mesmo com tudo isso, a maior referência mesmo é a jogabilidade. Não temos aqui nenhum sistema para recarregar as armas. Basta atirar. Atirar infinitamente nos grandalhões que estão vindo sem parar na sua direção. Parece nostálgico, não é mesmo?

E há pequenas adições nesse sistema que caíram muito bem para a estratégia geral de combate. As armas contam com dois acessórios distintos que alteram o foco do ataque especial. A espingarda, por exemplo, pode carregar um tiro triplo que é perfeito para causar dano massivo em um monstro grande. A sua outra opção é um tiro que explode em uma área, ideal para combater vários inimigos em um local fechado.

A melhor parte é que os acessórios podem ser trocados mesmo durante a batalha, permitindo que você se adapte conforme a chuva infernal cai sobre a sua cabeça. E, acredite, os enxames de demônios não vão parar muito cedo.

Um multiplayer preocupante

Ao contrário da campanha, o modo multiplayer de Doom apostou numa dinâmica mais equilibrada entre os clássicos shooters em arena — como Quake e Unreal Tournament — com os games de tiro atuais — especialmente as séries Call of Duty e Halo. A principal consequência disso é que, ao contrário dos games antigos da série, aqui você já entra em um cenário com uma configuração de armas e acessórios para serem utilizados (os famosos “loadouts”).

Outras novidades incluem mais armas e acessórios desbloqueados pelo tempo em um sistema de experiência e modificadores. Eles podem ser escolhidos ao renascer para trazer vantagens específicas e de baixo impacto na partida — como ver posição dos demais aliados, ganhar mais experiência por morte, entre outros.

Enquanto isso trouxe uma nova dinâmica ao jogo, a falta de armas espalhadas pelo mapa tirou muitos dos pontos de conflito entre os jogadores. Em games como Quake e Unreal, você percorre o cenário em busca de armamentos diferentes para se adaptar às situações impostas pela partida, criando um fluxo de itens coletáveis que pode ser interrompido pelos oponentes para contestar alguma arma que ambos estejam interessados.

Aqui não há esse fator constante determinando os conflitos. Você batalha por itens poderosos, como runas demoníacas e armas abusivas (como a clássica BFG), mas uma partida inteira pode durar com duas ou três interações desses "upgrades". Os momentos entre eles são preenchidos pelo “pega-pega” balístico entre os jogadores e pela busca de mais vida e armadura — mas é possível passar por alguns longos períodos sem encontrar um único adversário na sua tela.

Claro que esse foi o sentimento durante as partidas do modo de “mata-mata”, apenas um dos vários presentes no novo Doom. Há novos modos com objetivos mais específicos, como Dominação e o controle de áreas móveis pelo mapa. Ou ainda o Soul Harvest e o Freeze Tag, que buscam trazer interações diferentes para a morte do jogador (o primeiro dá almas para o time adversário, enquanto o segundo congela seu personagem ao ser derrotado).

O grande problema é que, mesmo esses modos sendo extremamente interessantes, o sistema de matchmaking não conseguia achar partidas para eles. O processo levava mais de 5 ou 6 minutos até você finalmente desistir e voltar para o Team Deathmatch. E essa foi uma situação recorrente em diferentes horas do dia, passando da tarde até o início da noite.

Também há um modo bem importante que fará muita falta aos jogadores antigos da franquia. Os duelos, que já trouxeram grandes emoções em nível competitivo, estão fora do novo jogo.

O clássico “um-contra-um” foi deixado de lado para satisfazer as escolhas focadas em mais jogadores. Não havia sentido em ter duelos entre dois jogadores se eles estivessem “trancados” com apenas duas armas por vida, ainda mais em mapas com poucas áreas de conflito. A consequência disso, nesse caso, é específico para o cenário das competições de eSports.

Os títulos clássicos de Doom e Quake ainda são palcos de grandes torneios principalmente no encontro anual da QuakeCon. E o modo mais conhecido entre os fãs é o de duelo. Contudo, agora teremos mais um shooter entre equipes chegando ao mercado, e isso pode ser prejudicial para a comunidade em longo prazo.

O problema em apostar nos modos em times é que há muitos concorrentes já presentes na área. E muitos deles são anuais. Chamar a atenção dos jogadores atuais do gênero shooter pode ocasionar, nos próximos meses, uma debandada grande para novas propostas de outras séries. Já vimos isso com Titanfall, por exemplo.

A falta de atenção aos jogadores antigos também não evita uma saída em massa no lançamento de outros games que cubram todas as propostas de batalhas em arena — especialmente o vindouro Unreal Tournament. E, neste caso, o multiplayer perde ainda mais o potencial da sua comunidade.

Vale a pena ressaltar que, apesar das críticas ao modelo adotado, o modo multiplayer de Doom é divertido, ágil e garante bons momentos de entretenimento entre os jogadores. A maior consideração é, ao contrário do que os fãs esperavam, não ter muitas ferramentas para agarrar os jogadores por vários anos neste mercado concorrido dos games de tiro. É possível que atualizações futuras interrompam esse processo de saturação, mas só o tempo nos dirá com toda a certeza sobre isso.

A solução para os modders: Snapmap

Nas décadas que sucederam o lançamento do primeiro Doom, os jogadores criaram diversas modificações para o game. Tanto em alterações extremamente difíceis dos games originais quanto em versões multiplayer de Five Nights at Freddy’s, a criatividade da comunidade se aproveitou quase que infinitamente da plataforma do título até hoje.

A id Software resolveu, com isso, honrar os modders no novo Doom por meio do Snapmap. Ele funciona como um sistema para qualquer jogador criar, compartilhar e jogar seu próprio mapa customizado por meio de um sistema com ferramentas simples de edição.

Isso permite que os fãs possam trazer suas propostas de uma maneira fácil e rápida para todos os jogadores, bem como desafogar a ação pouco variável — e as mágoas — geradas pelo modo multiplayer.

Os cenários criados pela comunidade nos primeiros dias já servem como um exemplo de como há muito a ser explorado. Além de mapas desafiadores e outras propostas reconstruindo cenários antigos, temos aqui modos competitivos e cooperativos envolvendo mais jogadores.

Modos de defesa em equipe, cenários de pura sobrevivência e outras propostas já estão presentes. A própria plataforma se encarrega de organizar salas de partida e filtrar os mapas mais bem avaliados para você experimentar. Simples, fácil e dinâmico — exatamente o contrário da sua matança de demônios até agora.

Arraste-me para o inferno

Doom me fez sentir empolgado novamente com um game de tiro. Seu conjunto de elementos com certeza diverte por horas e mais horas no modo de campanha, oferecendo também muitas ferramentas para os jogadores criarem a sua própria fonte de diversão em mapas variados do Snapmap.

O multiplayer apresenta problemas específicos e deixa a desejar aos jogadores veteranos de arena, mas sua fórmula traz momentos de diversão e imensas possibilidades competitivas devido a sua aposta em modos variados.

Essa mistura é feita para chamar a atenção de duas gerações distintas no gênero shooter, mas ambos podem deixar rapidamente a proposta de Doom com novos games de tiro nos próximos anos — Unreal Tournament para os mais antigos, próximos Halo e Call of Duty para os mais novos.

Embora isso possa acontecer com o tempo, a aventura do novo título permanecerá imortalizada na memória dos gamers. A viagem em 2016 honrou a primeira feita em 1993 com tudo o que a tecnologia oferece de melhor na atual geração.

Com isso, é possível dizer que, mesmo depois de anos, Doom continua sendo a versão mais intrigante do inferno. E a única que acelera o coração quanto mais você desce no abismo para detonar as forças das trevas.

“Não temais os que matam o corpo e não podem matar a alma; temei, antes, aquele que pode fazer parecer no inferno tanto a alma como o corpo” Mateus 10:28.

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Pontos Positivos
  • Ambientação incrível
  • Ritmo frenético de batalhas
  • Elementos clássicos e referências
  • História e dublagem excelentes
  • Criação fácil de mapas por meio do Snapmap
  • Exploração e customização expandem o single player
Pontos Negativos
  • Multiplayer não prende jogadores das duas gerações de FPS