Coluna: entre a liberdade de opinar e a difamação

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Eu me lembro perfeitamente do período em que a Nintendo apresentou o seu Wii. Não faltaram narizes torcidos na ocasião, sobretudo quando ficou claro que o poder de processamento da nova plataforma era pouca coisa superior ao do PlayStation 2 e também ao do primeiro Xbox. Isso e mais aquela coisa de se chacoalhar para mover chicotes, espadas e itens dos mais variados — uma verdadeira afronta ao ócio comumente associado ao jogador típico.

Mas, a contragosto de algumas opiniões — fossem de críticos equivocados ou detratores defendendo seus próprios “clubes do Bolinha” —, o Wii se transformou em um sucesso quase escandaloso, passando boa parte da sétima geração em uma liderança econômica isolada, assistindo ao longe a briga encarniçada dos demais competidores — os quais, dizia-se, mantinham o cerne do que é ou do que deve ser um console de video game.

Fonte da imagem: Reprodução/Nintendo

Sim, é verdade que a história do Wii não é composta apenas por uma sucessão de vitórias esmagadoras, como mostrou o tombo sofrido pela Big N no último período generalizado de trevas do mercado — em parte um reflexo da natureza mais “casual” de parte dos seus usuários, o que normalmente faz com que sejam os primeiros a abandonar o barco quando ele começa a fazer água, como se disse à época.

Mas que o console vingou, lá isso vingou — deixando um rastro de sorrisos amarelos para trás, mudos diante das somas astronômicas de dinheiro, formadas por moedas de todos os países em uma sinergia especialmente notável entre o Wii e o DS (a famosa impressora de dinheiro da Nintendo).

Fóruns: o frio na nuca de Satoru Iwata

Mas, desnecessário dizer, de 2006 até agora as coisas mudaram. Com o perdão do lugar-comum, “o mundo mudou”, e hoje conseguimos nos comunicar de forma ainda mais rápida e integrada. Sim, isso pode ser bastante positivo... Mas também pode dar alguma dor de cabeça, principalmente quando se quer colocar algo novo nas prateleiras.

Isso porque há nos atuais fóruns de discussão um terreno incrivelmente fértil para campanhas difamatórias que podem ganhar volume mais rápido do que o bom senso consegue acompanhar — embora provavelmente menos rápido do que as falsas mortes de artistas famosos, vale dizer. E, sim, isso tem preocupado algumas das cabeças mais bem pagas da indústria; por exemplo, a do presidente da Nintendo.

No ano passado, enquanto o Wii U dava seus primeiros passos e a Big N se esforçava para convencê-lo de que o Miiverse era uma grande ideia, Satoru Iwata levantou uma questão bastante pertinente: toda essa interação não pode fazer o tiro sair pela culatra?

Basicamente, “campanhas negativas na internet, nas quais falsas opiniões são deliberadamente postadas para arruinar a reputação de um produto, são um grande problema e deveriam ser consideradas como interferência nos negócios”.

De acordo com Iwata, isso poderia dar brecha a influências negativas sobre a comunidade, fazendo com que um novo game, eventualmente, perdesse terreno logo de saída por julgamentos apressados. Parece um exagero? Pode ser. De qualquer forma, vamos em frente.

Fonte da imagem: Reprodução/Nintendo

Os perigos de uma época interconectada

Antes de prosseguir com a leitura desta coluna, vá até a sua conta no Facebook/Twitter e preste atenção nos conteúdos com mais fôlego hoje — aqueles que estão mais “na moda”. Dependendo do seu critério na hora de selecionar os amigos reais/virtuais, é provável que exista um número considerável de boas perspectivas, notícias particularmente úteis e uma ou outra opinião mais embasada sobre algo em voga.

Entretanto, caso você tenha uma rede de contatos com uma pluralidade razoavelmente “normal”, é provável também que, neste momento, exista ali muita, mas muita abobrinha sendo postada e, sobretudo, propagada — quase sempre de forma despreocupada, leviana, mesmo que o assunto em pauta mereça um tratamento mais cuidadoso.

Fonte da imagem: Reprodução/WikimediaCommons

Sem querer levantar as questões psicológicas/sociológicas envolvidas na propagação de falsas mortes de famosos ou de dietas mirabolantes — do tipo que acaba convencendo porções mais crédulas da comunidade online —, há algo de inquestionável: a velocidade de disseminação de praticamente qualquer coisa... No que se incluem, é claro, os feedbacks de novos produtos.

Ok, ok, antes que esta coluna receba sua própria dose de feedbacks indignados, convém ressaltar: a velocidade de reação do público, em si, provavelmente não representa algo de negativo. Mesmo o ressabiado Iwata reconheceu isso, lembrando que é preciso ter cuidado ao balancear questões envolvendo reclamações genuínas — as quais podem prestar um bom serviço — e liberdade de expressão.

“Espere, espere! Deixe eu te mostrar primeiro!”

Parece-me que o que Satoru Iwata chama de “campanhas difamatórias” pode bem ser chamado também de “juízos apressados”. Em outras palavras, julgamentos não necessariamente baseados na experiência ou em uma observação cautelosa. Na verdade, é mais pra “Eu não gostei! Tira isso daqui!” — mais ou menos como a criança que não gosta de beterraba, embora nunca tenha experimentado.

O problema aí salta à vista: como fazer com que um novo conceito — na forma de um produto inédito — consiga se provar inovador e interessante se ele pode ser bombardeado antes mesmo de chegar à prateleira?

  • O caso Thief

Há um caso recente que pode servir para ilustrar essa questão. O reboot de Thief foi antecipadamente alvejado por alguns jogadores — particularmente, por fãs do primeiro game. Isso deixou o produtor do game, Joe Khoury, justamente melindroso, embora ainda otimista.

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“Eu acredito que há muita gente otimista e curiosa por aí, assim como há fãs que desconhecem a extensão do que nós estamos fazendo, de forma que, com certeza, eles estão baseando suas impressões nas poucas informações que têm, e isso lhes causa preocupação”, disse ele, em linguagem diplomática, como ensinam os mandamentos das Relações Públicas.

Entretanto, permitam que eu deixe a diplomacia de lado e ofereça a seguinte tradução: “Parem de falar de algo que vocês ainda não conhecem, unicamente porque viram alguns vídeos ou tiveram algumas informações na mídia! Esperem para ver o jogo completo, minha nossa!”.

Mas é claro que ele ainda se mantém nas vias diplomáticas: “A nossa maior satisfação ocorrerá quando o jogo for lançado; será quando a resistência dos fãs será superada”. Veja que a ideia é a mesma.

  • Don Mattrick (ou a pinhata da Microsoft)

Eis um assunto já bem batido e rebatido, mas que também deve servir para vislumbrar a forma como o mercado se equilibra em fios de navalha hoje. Quem se lembra do anúncio do Xbox One deve também se recordar da doses maciças de indignação compartilhada que sucederam as primeiras informações sobre o sistema.

Fonte da imagem: Reprodução/WikimediaCommons

“Como assim será preciso ter uma conexão sempre ativa?!” pode resumir grande parte das reações. E o bode expiatório acabou se apresentando voluntariamente, quando Don Mattrick resolveu soltar: “Nós temos um produto para pessoas que não tem nenhuma forma de conexão”, disse o ex-executivo da Microsoft. “Ele se chama Xbox 360”.

A forma como a maioria das pessoas interpreta: o julgamento público valeu, fazendo com que Don Mattrick debandasse e a Microsoft revisse seus planos para o Xbox One. Mas parece também haver outra forma de interpretar isso: nós provavelmente jamais vamos saber qual, exatamente, teria sido a trajetória daquele “primeiro” Xbox One.

Fonte da imagem: Divulgação/Microsoft

Quer dizer, havia conceitos novos ali, e isso naturalmente gerou alguma resistência por parte de um público acostumado a um determinado padrão de console... Mas será mesmo que “a criança devia ter sido jogada com a água do banho” ali? Qual teria sido o resultado de um processamento constantemente aumentado pelo poderio ilimitado da “nuvem”?

É claro que os planos originais também poderiam ter levado a um enorme fracasso... Entretanto, como em várias outras questões semelhantes na moderna indústria de jogos, nós nem sequer demos o benefício da dúvida ao criador.

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