Ciência

Como era estar grávida na Era Viking? Estudo explica política do útero

A partir de uma análise da arte e da literatura viking, novo estudo discute questões atemporais como gravidez, parentesco, demografia, religião e gênero.

Avatar do(a) autor(a): Jorge Marin

22/05/2025, às 17:00

Um dilema atualíssimo quando se discute a gravidez — saber se estamos falando sobre um ou dois corpos — é o tema central de um estudo recente, no qual duas professoras britânicas, propõem que, além de quase não serem estudados na arqueologia, o corpo grávido e o embrião-feto são raramente analisados do ponto de vista da ontologia: quando, afinal, surge uma nova personalidade?

Publicado na revista Cambridge Archaeological Journal, o estudo apresenta, de forma criativa, "um estudo de caso para demonstrar como esses conceitos podem funcionar na prática desde a Era Viking". O ponto de partida é uma estatueta sobrevivente daquela época, que representa um corpo grávido usando um capacete marcial.

Além da peça arqueológica — que pode simbolizar força ou poder — a pesquisa também se baseou em informações de várias áreas do conhecimento, como palavras e histórias antigas sobre gravidez nos textos nórdicos antigos e vestígios de sepultamento de mulheres que possivelmente morreram em decorrência do parto.

Analisando a gravidez em fontes nórdicas antigas

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Estatueta Aska que retrata uma suposta guerreira viking grávida. (Fonte: Marianne Hem Eriksen et al., Revista Arqueológica de Cambridge, 2025/Divulgação)

Em um comunicado, a coautora Katherine Marie Olley, professora da Universidade de Nottingham, explica: “Usar textos em nórdico antigo para iluminar as crenças da Era Viking é difícil porque os manuscritos sobreviventes datam de bem depois”. Neles, alguns termos como “barriga cheia”, “descarregar” e "não caminhar mais como uma mulher sozinha" são vislumbres que simbolizavam a experiência feminina.  

As sagas examinadas revelam comportamentos atípicos de mulheres grávidas, que contrastam com estereótipos de passividade. Em um desses relatos, uma mulher chamada Freydis é impedida de fugir dos seus agressores pelo seu estado de gravidez avançada. Assim, resolve enfrentá-los: desnuda o próprio peito e o golpeia com uma espada, intimidando seus inimigos.

A estatueta de prata da mulher grávida usando capacete e protetor nasal reforça essas representações de mulheres gestantes ativas e combativas. Embora não se queira criar narrativas simplificadas sobre guerreiras grávidas, Olley ressalta que os corpos grávidos daquela época não eram passivos ou pacificados, 

Visão filosófica e política da gravidez através dos tempos

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Sem corpos grávidos, nenhum de nós estaria aqui. (Fonte: Getty Images/Reprodução)

Na prática, no entanto, as evidências arqueológicas pouco dizem sobre a gravidez. Entre milhares de sepultamentos, há poucos casos de mães e filhos enterrados juntos, apesar da alta mortalidade obstétrica da época. Nos registros funerários vikings, os bebês são noriamente sub-representados, uma ausência que levanta questões sobre práticas funerárias diferenciadas e destinos não desconhecidos dos recém-nascidos mortos.

Para a líder da pesquisa, Marianne Hem Eriksen, professora da Universidade de Leicester, a gravidez também expunha mulheres à vulnerabilidade social. As legislações vikings não só consideravam a gestação como um “defeito” em escravas negociadas, como os filhos de povos escravizados eram propriedade dos seus senhores, explica a arqueóloga.  

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Segundo o estudo, as questões colocadas não se limitam ao período Viking. O objetivo geral é centrar a gravidez no centro das preocupações filosóficas e políticas da arqueologia contemporânea. “É quase banal dizer isso, mas a gravidez é uma necessidade absoluta para todas as formas de reprodução, demográficas, sociais, econômicas e políticas. Sem corpos grávidos, nenhum de nós estaria aqui”, conclui Eriksen. 

Para além da arqueologia, repense como encaramos a gravidez na história e na atualidade. Compartilhe este artigo e ajude a ampliar o debate sobre corpos, identidades e direitos invisibilizados ao longo do tempo. Nesse contexto, leia: DNA do Brasil revela exclusão genética e uma miscigenação violenta no país.


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Por Jorge Marin

Especialista em Redator

Redator do Mega Curioso e do TecMundo, Jorge Marin escreve sobre Ciências e Tecnologia desde 2019, conectando conhecimento acadêmico com experiências humanas do dia a dia. É psicólogo, cinéfilo e botafoguense inveterado.