Gênios do Brasil #7: Carlos Chagas, o pesadelo das doenças tropicais

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A série de matérias Gênios do Brasil já contou histórias de grandes mentes brasileiras em uma grande diversidade de campos da ciência, mas a área que mais se repetiu é, sem dúvida, a da medicina, infectologia e bacteriologia, com grandes nomes como Oswaldo Cruz e Adolfo Lutz. Nessa sétima parte, vamos falar um pouco mais daquele que talvez seja o mais famoso entre eles, um dos brasileiros mais premiados e reconhecidos em sua área aqui no país e ainda mais no exterior, sendo doutor honoris causa da Universidade de Harvard e da Universidade de Paris.

Nosso personagem de hoje descobriu um protozoário – que nomeou em homenagem ao colega Oswaldo Cruz – responsável por uma grave doença que leva seu sobrenome. Foi o único cientista na história da medicina a ter estudado e feito a descrição completa de uma doença, incluindo todas as fases: o patógeno, o vetor, os hospedeiros, as manifestações clínicas e a epidemiologia. Esse entendimento tão vasto foi essencial para o combate dessa moléstia.

Gênios do Brasil: Carlos Chagas

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Para concluir sua tese, [Chagas] buscou ninguém menos que Oswaldo Cruz no Instituto Soroterápico Federal

Carlos Chagas nasceu no interior de Minas Gerais, na cidade de Oliveira, no dia 9 de julho de 1879. Filho de fazendeiros de origem portuguesa, Chagas foi influenciado pelos tios, todos formados em São Paulo, a seguir a carreira na medicina após ter estudado um tempo em Itu, no interior de São Paulo, e ter voltado para Minas Gerais. Tentou ingressar no curso de Engenharia na Escola de Minas de Ouro Preto, mas a vida boêmia fez com que não passasse na prova de admissão (para o bem da ciência, provavelmente).

Seu retorno para a cidade natal e o renovado contato com seus tios – um deles mais especificamente – despertaram novamente o interesse pela medicina, e Chagas ingressou na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, hoje parte integrante da UFRJ, no ano de 1897. Para concluir sua tese, buscou ninguém menos que Oswaldo Cruz no Instituto Soroterápico Federal. Acabou conseguindo não apenas orientação, mas também um emprego e um mestre que viria a se tornar um grande amigo.

Chagas formou-se em Medicina em 1903 e saiu de lá já com certa experiência em algumas áreas, dentre elas a infectologia. Estudou muito sobre a malária, uma das doenças que mais faziam vítimas em localidades tropicais – como o próprio Brasil –, e seguiu nesse campo para desenvolver sua tese. Declinou o convite de Oswaldo Cruz para continuar no Instituto e foi trabalhar em Niterói, no Hospital Jurujuba, enquanto continuava suas pesquisas em um laboratório particular na capital do país.

aCarlos Chagas e pacientes do Hospital Evandro Chagas

No caminho certo

A vida de Carlos Chagas após estar formado foi bastante agitada – foi aí que começaram suas pesquisas mais importantes. Enquanto ainda funcionário do Instituto Soroterápico Federal, foi responsável pelo controle da malária em Itatinga, interior de São Paulo, com sucesso inédito.

Ainda em busca de controlar a malária em pequenas cidades do interior do Brasil, o cientista teve contato com o que veio a ser conhecido como Doença de Chagas

As medidas que tomou se tornaram referência no combate à doença em todo o mundo. Em 1906, Chagas retornou ao Instituto Soroterápico Federal – que viria a ganhar o nome de Instituto Oswaldo Cruz em 1908 – para lidar com a malária em toda a Baixada Fluminense, mas a descoberta que o tornaria famoso até hoje só aconteceu a partir de 1907.

Ainda em busca de controlar a malária em pequenas cidades do interior do Brasil, dessa vez em Minas Gerais, às margens do rio São Francisco, o cientista teve contato com o que veio a ser conhecido como Doença de Chagas. Ele descobriu não apenas o protozoário que causa a moléstia – que batizou como Trypanosoma cruzi em homenagem a Oswaldo Cruz –, mas também o inseto que transmite a doença, o famoso barbeiro, nome popular do Triatoma insfestans.

aCarlos Chagas recebe a visita do presidente Washington Luis

Salvando vidas

A descoberta de todas as fases da doença e seu tratamento quase rendeu ao médico o Prêmio Nobel de Medicina no ano de 1921

Essa foi a maior descoberta do cientista: ao aprofundar-se na pesquisa da doença que viria a ganhar seu nome, foi capaz de salvar muitas vidas e entre elas tem destaque a menina Berenice, o primeiro ser humano no qual Chagas estudou os sintomas da moléstia. Com apenas 9 meses de idade, a menina havia sido infectada pelo Trypanossoma cruzi por meio da picada do barbeiro, mas foi curada graças aos cuidados do cientista e morreu só com 82 anos.

A descoberta de todas as fases da doença e seu tratamento quase rendeu ao médico o Prêmio Nobel de Medicina no ano de 1921. Ainda hoje, cerca de 18 milhões de pessoas sofrem da Doença de Chagas e têm alguma chance de retomar a saúde graças ao cientista.

aCarlos Chagas com familiares e colegas de trabalho

Andando pelo Brasil

Para aprofundar o estudo e a pesquisa das doenças tropicais, o Instituto Oswaldo Cruz enviou diversos de seus colaboradores para vários cantos do Brasil com o intuito de identificar e esmiuçar novos tipos de moléstias. Carlos Chagas esteve na Amazônia e visitou populações ribeirinhas do Rio Amazonas, além de comunidades de trabalhadores em extração de borracha.

Carlos Chagas também foi o responsável pelo controle da Gripe Espanhola, uma forma de gripe que assolou a humanidade e chegou ao Brasil no ano de 1918

Além de ter descoberto plantas potencialmente medicinais na floresta e analisado mais de perto epidemias como a malária, que era especialmente forte na região, Chagas foi responsável por alertar as autoridades brasileiras em relação ao saneamento rural, extremamente crucial para se evitar grandes epidemias fora dos centros urbanos brasileiros.

Carlos Chagas também foi o responsável pelo controle da Gripe Espanhola, uma forma de gripe que assolou a humanidade e chegou ao Brasil no ano de 1918, especialmente pelos portos do Rio de Janeiro e de Santos. A doença fez 11 mil vítimas letais no país e chegou a afetar dois terços da população da então capital. O médico tomou providências cruciais para que a catástrofe não fosse maior.

aO cientista atende criança supostamente com a Doença de Chagas

Chefiando o Instituto

Chagas deixou como legado sua batalha incansável contra as epidemias tropicais e, especialmente, a preocupação que tinha com os pobres e humildes do interior do país

Com a morte de seu amigo e orientador Oswaldo Cruz, Carlos Chagas foi nomeado diretor do Instituto Oswaldo Cruz e seguiu o direcionamento dado por seu antecessor, usando como exemplo o Instituto Pasteur, em Paris, e focou em pesquisa e, claro, educação. O médico deu bastante atenção às áreas rurais do país, muito carentes de saneamento básico e mais frágeis em relação a epidemias de doenças. No Instituto, Chagas recebeu a visita de ninguém menos que o físico Albert Einstein.

Além de exercer sua função como diretor do instituto, Chagas foi nomeado pelo presidente Epitácio Pessoa para o cargo de diretor-geral de saúde pública, algo equivalente a ministro da Saúde hoje em dia. Sua administração é reconhecida como uma das melhores na área até hoje, tendo o médico estimulado a criação de institutos de saúde e escolas de medicina em várias regiões do Brasil.

aAlbert Einstein visita o Instituto Oswaldo Cruz

Fim de uma história

Morando na cidade do Rio de Janeiro, Carlos Chagas faleceu no dia 8 de novembro de 1934, com apenas 55 anos. Deixou como legado sua batalha incansável contra as epidemias tropicais e, especialmente, a preocupação que tinha com os pobres e humildes do interior do país, quem corria os maiores riscos de doença pela falta de saneamento básico.

Chagas foi premiado em inúmeros países por suas contribuições para a medicina, a bacteriologia e a epidemiologia e pode ser considerado um dos gênios brasileiros que mais colaboraram mundialmente para algo com o que se importava muito: o bem-estar do ser humano.

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