De onde vem a inspiração por trás dos games?

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De onde ela vem?! De que matéria bruta
Vem essa luz que sobre as nebulosas
Cai de incógnitas criptas misteriosas
Como as estalactites duma gruta?!
Vem da psicogenética e alta luta
Do feixe de moléculas nervosas,
Que, em desintegrações maravilhosas,
Delibera, e depois, quer e executa!

Vem do encéfalo absconso que a constringe,
Chega em seguida às cordas do laringe,
Tísica, tênue, mínima, raquítica ...

Quebra a força centrípeta que a amarra,
Mas, de repente, e quase morta, esbarra
No mulambo da língua paralítica.

Augusto dos Anjos (A Ideia)

Img_normalQual é realmente a origem da apoteose audiovisual que nós vemos em jogos como Fable, Gears of War ou no mais recente título da franquia Final Fantasy — que, apesar do nome, não para de ganhar novas versões? Que processo determinou que Mario tivesse canos verdes nos quais se pode entrar, que Heavy Rain trouxesse cenas verdadeiramente lancinantes, que Lara Croft fosse tão bem dotada de atributos físicos?

Embora grande parte das franquias hoje traga um estofo cultural que quase as faz andar por conta própria, não se pode negar que todo o lançamento realmente genuíno tem por trás um brainstorm agressivo, embora também possa nascer de algumas ideias totalmente improváveis, como os passeios de certo produtor de jogos pelos bosques próximos à sua casa.

Sendo ou não realmente originais, fato é que todos os jogos e franquias atuais tiveram sua origem em uma ideia. Um lampejo original surgido em algumas das cabeças mais bem pagas da atual indústria de jogos. Ou será que qualquer um teria bolado uma franquia multimilionária após prestar atenção a uma simples e singela coleção de insetos?

Img_normalOk, sob uma ótica estritamente capitalista, talvez não seja tão determinante possuir o conceito original de algo. Afinal, o já mencionado Final Fantasy bebeu, em sua origem, da mesma fonte do pioneiro Dragon Quest, acabando mesmo por angariar mais fãs (e dinheiro) no ocidente que a sua matriz original — evitando assim, durante a década de 80, a bancarrota de um estúdio particularmente prolífico, a Square.

Mas nem todas as origens respeitam uma ótica puramente profissional. Além das brincadeiras lúdicas de Miyamoto e Satoshi Tajiri-Oniwa, também o russo Alexey Pajitnov teve o lampejo original para o seu hoje tremendamente difundido Tetris durante as horas livres no trabalho.

Em outras palavras, injeções polpudas de capital podem ser importantes para a criação de blockbusters.Mas, quando se trata da origem de um jogo, de um conceito, absolutamente nada pode substituir a boa e velha genialidade — seja lá como, quando e onde ela apareça.

Ah, acho que isso daria um bom jogo!Ou: Como um passeio pelo bosque e uma coleção de insetos determinaram a nossa forma de jogar video games

Algumas ideias simplesmente nascem da necessidade de se expandir algo. Não deve ser incomum a cena e que um produtor de porte chega para a sua desenvolvedora “apadrinhada” e diz: “Ok, o primeiro jogo foi um sucesso. Agora dê um jeito de continuar!”.

Só que parece existir uma limitação óbvia do modus operandi: a genialidade e a ideia original nem sempre respeitam as regras de mercado — a prova cabal desse raciocínio poderia ser o sucesso grandioso que algumas desenvolvedoras independentes vêm conquistando graças à nova lógica de mercado das redes de distribuição online.

No fim das contas, uma boa ideia pode aparecer quando menos se espera: basta que exista um cérebro suficientemente iluminado para transformar mesmo a mais banal das experiências em algo novo e — o que não deixa de ser uma constante — com amplo apelo comercial.

Mario: Popeye e o aluguel do Sr. Segale

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Conforme você já deve saber, Mario é uma criação de Shigeru Miyamoto — aquele sujeito que criou a maior parte do panteão da Nintendo. Durante a década de 1980, Miyamoto tentava criar um título de peso para a Big N, que encarava pesos pesados como Pac-Man. Originalmente, a ideia era criar um jogo baseado em Popeye e Cia.

Entretanto, como não conseguiu os direitos autorais, a trupe ganhou novos nomes: Jump Man, Donkey Kong e Pauline. Demoraria algum tempo para que Jump Man ganhasse um nome respeitável. De fato, ele sequer pulava antes de Miyamoto colocar a seguinte pergunta: “Se existe um barril rolando em sua direção, o que mais você pode fazer?”.

Img_normalEntretanto, durante a expansão da Nintendo para o ocidente, havia um dono de galpão particularmente indignado, exigindo o seu dinheiro. O nome do sujeito era Mario Segale. Após uma discussão acalorada, Segale acabou convencido de que receberia o seu dinheiro. E mais: Miyamoto ganhou um bom nome para o seu futuro ícone. “Ele teria desaparecido da face da Terra [se não fosse por essa escolha]”, afirmou o designer.

Posteriormente, outras ideias do designer desembocariam no formato atual de Mario. Por exemplo:

  • O personagem inicial era grande. Depois tornou-se pequeno. Por fim, foi resolvido que um cogumelo seria capaz de aumentar as dimensões do herói, dando a ideia de alguém mais poderoso. Um cogumelo foi escolhido para ocasionar a mudança graças ao legado de Alice no País das Maravilhas;
  • Em uma sessão do seu famoso “Iwata Asks”, o presidente da Nintendo confrontou Shigeru Miyamoto com o seguinte fato: “Não se vê muitos canos verdes por aí”. De fato, colocar encanamentos verdes foi uma escolha baseada nas limitações da época. Afinal, não havia muitas cores disponíveis e o azul (outra escolha óbvia) poderia confundir com o céu.
  • A propósito, de onde surgiu a ideia de se entrar em canos? Segundo Miyamoto, a ideia de colocar canos pelo cenário surgiu de um clichê bastante comum nos cenários de mangás. E, bem, entrar e sair deles pareceu “bastante natural”, conforme coloca o designer.

Heavy Rain: um dedo cortado, um filho perdido e um novo gênero de games

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Quem gasta horas e horas através das tramas labirínticas de Heavy Rain provavelmente não imagina de onde, afinal, o seu criador tirou a inspiração para tantos elementos confluentes — boa parte deles de natureza bastante... Discutível.

Afinal, teria o diretor David Cage experimentado um grande épico? Teria a sua família sido sequestrada e ele, munido apenas de uma pistola e muita coragem, acabara partindo para o salvamento? Ao final, ele poderia dizer: “Ok, minha família já está em segurança. Agora bem que eu poderia fazer um jogo sobre isso para ganhar alguns tostões”.

Longe disso. As experiências centrais, que realmente serviram de leitmotiv (motivo gerador) para Heavy Rain, foram um tanto mais prosaicas. Em entrevista ao site oficial do PlayStation, Cage afirmou que dois fatos ocorridos tiveram um papel determinante na concepção do game da Quantic Dream.

Em um primeiro momento, Cage afirma que tentou transportar para o game a sensação de impotência experimentada quando perdeu seu próprio filho — embora apenas por alguns momentos — em um shopping center atulhado de pessoas. Mas existe uma experiência ainda mais dolorosa: quando criança, o diretor teve um de seus dedos cortados.

De fato, essa última experiência acabou gerando uma das cenas mais fortes do jogo, conforme você pôde conferir no vídeo colocado anteriormente (ALERTA, SPOILER!). De fato, a sequência em que Ethan Mars é obrigado a decepar o próprio dedo é tão intensa, que, segundo Cage, foi um verdadeiro suplício para o pessoal responsável por testar o game antes do seu lançamento — e que, portanto, deveria jogar diversas vezes o mesmo trecho. Pois é, quem mandou não trabalhar para a Nintendo?

The Legend of Zelda: que perigos um passeio pelo bosque pode guardar?

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Trata-se de uma história já bem conhecida pela maior parte do fã-clube da Nintendo. O conceito original de The Legend of Zelda teve sua inspiração nos passeios que Shigeru Miyamoto costumava dar quando criança através de um bosque próximo à sua casa em Kyoto. Durante essas “aventuras”, o desenvolvedor atravessava florestas, lagos e vilas rurais (Kakariko Village?).

Segundo Miyamoto, um dos acontecimentos mais memoráveis da época foi a descoberta da entrada para uma caverna dentro de uma floresta — uma constante dentro da franquia, diga-se de passagem. Após alguma relutância, o desenvolvedor resolveu adentrar a caverna. Segundo Miyamoto, The Legend of Zelda foi projetado para ser um “jardim em miniatura” para os jogadores.

Bem, mas e o nome? A “inspiração” para a escolha da princesa genérica da franquia surgiu do nome da mulher do escritor Francis Scott Fitzgerald: Zelda Fitzgerald. Miyamoto afirma que achou o nome “agradável e significativo”. Ok, nem sempre é possível ser realmente original.

Tetris: Como fazer milhões durante o horário de almoço

Tetris é o tipo de jogo que realmente não precisa de apresentações. Sim, é aquele joguinho singelo que você deve ter experimentado em algum mini game do tipo “999 jogos em 1”. Desde o seu lançamento original em 1984, o formato “enganosamente simples e insidiosamente viciante” (revista Computer Gaming World) do título ganhou inúmeras versões, chegando mesmo a se fundir com outros jogos, como em Super Puzzle Fighter.

Entretanto, o que nem todo mundo sabe é que essa franquia milionária foi criada pelo russo Alexey Pajitnov em seus horários de folga. Enquanto trabalhava para a Academia de Ciências da extinta União Soviética, Pajitnov desenvolveu o título despretensiosamente em seu Electronika 60 — computador pessoal de fabricação russa.

E, é claro, o nome “Tetris” não surgiu por acaso: trata-se de uma combinação entre “tetramino” — composição geométrica formada com quatro quadrados — e tênis (o esporte, naturalmente). Com todas as batalhas legais que se seguiram à popularização do título, é até fácil esquecer que algo tão amplo surgiu de um único cérebro que não tinha lá muita coisa para fazer.

Final Fantasy: como escapar da bancarrota?

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Uma das maiores franquias de RPG de todos os tempos surgiu justamente para responder a pergunta acima. Em meados da década de 1980, a Square participava do mercado de games com alguns RPGs simples, títulos de corrida e plataforma para a Nintendo. Embora alguns jogos obtivessem parco reconhecimento no ocidente, a empresa acabou chegando bem perto da bancarrota.

Entretanto, em 1987, o designer Hironobu Sakaguchi resolveu reverter o desastroso quadro financeiro. Sakaguchi resolveu então criar um novo RPG para o console de cartuchos da Nintendo, o saudoso “Nintendinho”. Para tanto, buscou inspiração em uma série de títulos que já rodavam pelo globo, como The Legend of Zelda, a série Ultima e, principalmente, Dragon Quest. Enfim, como diz o chavão popular, “o resto é história”.

Pokémon: monte sua própria coleção de insetos virtuais

Existe um mito que corre entre os fãs de Pokémon. Trata-se daquela história que afirma que o seu criador, Satoshi Tajiri-Oniwa, costumava participar de rinhas (lutas) de insetos, e isso teria originado o conceito da segunda franquia mais rentável da Nintendo — ficando atrás apenas do ícone maior da produtora, Mario.

Mas não foi bem essa a ideia. Na verdade, o conceito surgiu da prática bem mais prosaica de colecionar insetos, algo bastante comum no Japão. Já a escolha do Game Boy como plataforma principal da franquia é um tanto mais interessante: Satoshi imaginava as criaturas subindo e descendo pelo cabo que interligava dois consoles — o que tornaria mais natural a ideia de se “trocarem” Pokémons.

Katamari: “Tem que ser simples!”

Embora seja difícil deixar de imaginar algum tipo de bad trip para a origem do título singular da NAMCO, fato é que Katamari foi desenvolvido seguindo um objetivo única: tudo deveria ser simples. Trata-se de um projeto do designer Keita Takahashi para o NAMCO Digital Hollywood Game Laboratory, instituto patrocinado que visa educar para o desenvolvimento de jogos.

Segundo o próprio Takahashi, o jogo deveria trazer “inovação, fácil aprendizagem e humor”. Como comparação, o designer citou Pac-Man, que, segundo ele, também tem seu foco em uma classe de divertimento bastante direta e simples. A propósito, nem mesmo as exortações da NAMCO fizeram Takahashi se afastar da proposta inicial — prova de que uma ideia não significa muito quando não se tem fibra para mantê-la.

Tomb Raider: Quase um Indiana Jones cover

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A franquia mais famosa da Eidos nasceu de mudanças de rumo e alguns “acidentes” de percurso. Quando o designer Toby Gard apareceu com um sujeito portando chicote e chapéu, a posição do cofundador da Core Design Jeremy Smith foi bastante natural: “não, porque soa um derivativo de Indiana Jones”.

Enquanto tentava escapar do estereótipo da “mulher dominadora”, Gard concebeu Laura Cruz. Só que a Eidos queria um nome que ressoasse melhor no Reino Unido. Surgia então a intrépida Lara Croft.

Bem, mas e a voluptuosidade característica da personagem? Mero acidente. Enquanto elaborava o design para o primeiro título da série — até hoje o que mais vendeu cópias através do globo —, Gard acidentalmente colocou as dimensões dos seios de Lara em 150%. Ao conferir a escorregada, o restante da equipe criativa decidiu que Lara deveria permanecer daquele jeito — entre outras coisas, para facilitar a visualização de uma personagem feminina em uma era de poucos polígonos virtuais.

Bebendo de fontes pré-existenteAté onde é possível ser original?

Embora alguns lampejos de criatividade tenham desembocado, através da história dos games em vários divisores de águas, fato é que nem sempre é possível ser completamente original. Aliás, alguém poderia mesmo perguntar: será possível realmente criar uma ideia genial do nada? Do mais puro éter? A resposta mais razoável seria: provavelmente não. Embora algumas pessoas realmente tentem.

Existe até mesmo um fato bastante conhecido dos fãs de Mario. Certa vez, o criador da franquia, Shigeru Miyamoto, deixou escapar que o livro “Alice no País das Maravilhas” havia servido de inspiração para a fauna/flora particular de Mario. Embora Miyamoto acabasse voltando atrás posteriormente, o fato levantou a questão: será que algum jogo pode ser completamente original?

Segundo o site Ludology.com, “não é nenhuma vergonha encontrar raízes no passado”. Quer dizer, a floresta Hyrule (The Legend of Zelda) encontra sua temática em diversos mitos, enquanto a Master Sword (também da franquia) é uma paródia óbvia da história do Rei Arthur. Já Starfox “jamais existiria sem Star Wars”, conforme coloca o site.

Img_normalDe fato, pode-se encontrar facilmente franquias de sucesso que carregam os genes de outros jogos eletrônicos dentro de si. Gears of War, por exemplo. Cliff Bleszinski, desenvolvedor chefe da Epic Games, chegou mesmo a citar em entrevista três jogos principais que influenciaram o conceito original de Gears of War: a perspectiva em terceira pessoa de Resident Evil 4, o sistema de cobertura de Kill Switch e parte da jogabilidade de Bionic Commando.

É claro, mesmo as inspirações por trás de Gears of War e de outros tantos jogos certamente devem parte do seu conceito a outras peças culturais — não necessariamente os video games, mas algo que havia sido criado pela humanidade antes.

Já não é mais necessário ter dores de barriga

Quando Bram Stoker publicou seu mais famoso romance em 1897, o efeito foi um verdadeiro escândalo na sociedade da época. De fato, o conservadorismo do final do século XIX fez com que o escritor atribuísse as ideias de Drácula aos pesadelos gerados por uma refeição pesada que havia ingerido. Verdade? Provavelmente não. Mas o que você faria no lugar dele?

Hoje talvez não seja mais necessário atribuir lampejos de brilhantismo a receitas carregadas. Também não há muita gente que acredite que algo como GTA ou God of War tenha surgido por inspiração divina. Entretanto, a força motriz por trás das ideias mais geniais permanece quase como um mistério.

Bem, seja a inspiração algo religioso, poético ou divino, não deixa de ser agradável contemplar as ligações improváveis, os acidentes inevitáveis e as vias indiretas que culminaram em algumas das realizações mais originais da humanidade. E isso, naturalmente, vale para os video games. Por que não?

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