Games: Em busca de uma identidade cultural

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Img_normalO presidente da Nintendo, Satoru Iwata, resolveu verbalizar durante o relatório anual da empresa o que provavelmente todo gamer de carteirinha já pensa há um bom tempo: ainda há um longo caminho até que a sociedade enfim atribua aos video games o status de expressão cultural. Isso colocaria os nossos amados video games em posição mais nobre, juntamente com os elementos que formam há muito tempo as bases da indústria cultural: filmes, esportes, música, etc.

Nas palavras do próprio Iwata, “a Nintendo deve encorajar as pessoas de todas as partes do mundo, com diferentes idades, línguas, gêneros e culturas a utilizar os video games como um entretenimento como outro qualquer”. O executivo termina ainda afirmando que o grau de aceitação atual apenas serve para mostrar o quanto ainda há pela frente. “Devemos produzir jogos e produtos ainda mais atraentes para manter os usuários empolgados e aumentar nossa audiência ao mesmo nível alcançado por outras formas de cultura, como o cinema e a televisão”, declarou Iwata.

Mas, se o homem por trás da marca que mais invadiu lares durante a última década tem sérias ressalvas quanto ao alcance dos jogos, quanto à forma como o público hoje recebe o entretenimento eletrônico, então talvez seja hora de se perguntar: o que a indústria deveria fazer para que os video games finalmente alcançassem um local de destaque entre as conquistas culturais humanas?

Uma indústria em vias de reconhecimento

A resposta mais apropriada talvez seja: isso já está acontecendo. Senão, cabe fazer aqui um pequeno recuo na história. Em sua gênese, os video games experimentaram reveses da mesma ordem que qualquer outro canal informativo e/ou de entretenimento teve que encarar quando foi inicialmente apresentado ao público.

Nem é preciso ir muito longe: o cinema, por exemplo. Assim como os vídeo games, o cinema surgiu como uma curiosidade tecnológica. Os próprios irmãos Lumière nada tinham de cinéfilos e pouco conheciam sobre perspectivas e narrativas visuais: tratava-se simplesmente de dois irmãos inventivos que consideraram curiosa a possibilidade de se registrarem imagens em movimento.

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E também não faltaram os detratores do novo formato, que estava longe de alcançar o status de arte, expressão cultural, ou qualquer coisa que o valha. De fato, os próprios irmãos criadores da geringonça chegaram a afirmar que não viam como aquilo poderia ser explorado.

Enfim, também não seria difícil traçar o mesmo padrão — maravilha tecnológica que se transforma em expressão cultural — para a fotografia, a TV ou o rádio. Fato é que qualquer expressão cultural demora algum tempo até se afirmar, até ganhar a sua identidade própria. Aparentemente, os video games encontram-se precisamente nessa fase.

Em busca de uma identidadeAfinal, é jogo, cinema ou instrutor de dança?

Img_normalAo acompanhar os títulos de peso que hoje movimentam milhões e milhões de dólares mundo afora, é impossível deixar de perguntar: onde, exatamente, está o ponto de convergência entre jogos tão distintos quanto Heavy Rain e Call of Duty: Black Ops? O que torna possível juntar títulos tão diferentes quanto Scribblenauts Dance Central sob o mesmo rótulo — “video games”?

Talvez esse seja justamente um dos pontos: para se consolidar como expressão cultural, é necessário que o video game tenha uma identidade própria. O cinema, por exemplo, apenas acendeu como veículo cultural quando finalmente pôde se desvencilhar do rótulo pejorativo — embora inicialmente necessário — de “fotografias em movimento”. Há que se imaginar, portanto, uma concepção própria; uma identidade para os nosso amados jogos eletrônicos.

No início, havia os jogos...

Em sua coluna mensal para a revista britânica EDGE, o pesquisador Roger Tavares apontava para um erro bastante comum na interpretação do estofo cultural dos jogos eletrônicos. Basicamente, o que se faz é imaginar que o início dos video games, do ponto de vista de expressão cultural, coincide exatamente com o momento em que os aparatos eletrônicos surgiram.

Na verdade, conforme explica o Tavares, os games trazem em seus genes algo muito mais antigo que a própria eletrônica. Por trás das experiências interativas do Kinect ou do Move; por trás de gráficos tridimensionais e sonoridade de última geração, está algo bastante simples: a prática de jogar.

Em outras palavras, trata-se do que as pessoas faziam antes que fosse possível gastar horas e horas distribuindo headshots em Counter Strike ou conquistando nações virtuais em Civilization V: jogavam gamão, cartas, xadrez, etc. O pesquisador reforça também que a forma como jogamos — os conteúdos, regras e características das nossas disputas preferidas — refletem o momento histórico que é vivido... Assim como qualquer outra forma de cultura.

Cultura participativa

Mas existem também outras possibilidades que se pronunciam como possíveis identidades para os video games. Entre elas, a cultura participativa. Para simplificar o conceito, trata-se de um tipo de manifestação cultural em que há a possibilidade de trocas, conversões e/ou modificações em determinado produto cultural — é só pensar nas possibilidades de personalização de carros, personagens e mesmo mundos de jogo ou, de forma mais ampla, no novo universo que é criado nos games a partir da interação entre jogador e mundo de jogo.

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Em artigo para o site Gamecultura.com.br, o pesquisador Felipe Neves afirma que o surgimento de uma cultura própria para os jogos eletrônicos pode residir exatamente na cultura parcitipativa. “Ao se incorporar esta prática, vemos que não há apenas a intervenção dos fãs, mas há uma apropriação da própria linguagem que os videogames vêm constituindo. E é a partir deste ponto que podemos começar a vislumbrar a emergência real de uma ‘gamecultura’”.

Além de jogar, você também pode...Nem só de diversão vivem os jogos eletrônicos

Desviando-se um pouco do nicho estrito dos jogos, hoje também é possível notar a influência dos vídeo games em outros setores e práticas do cotidiano. São pesquisas neurológicas, jogos educativos, estratagemas bélicos e simuladores de voo que lançam mão das capacidades de universos virtuais para benefício próprio — indicador inegável no novo grau de maturidade dos games. Confira alguns exemplos.

... Ajudar na luta contra o câncer

O game Re-Mission foi desenvolvido pela Hope Lab Fundation, em 2007, com o objetivo de ensinar um pouco mais sobre câncer para crianças e jovens portadores da doença. No jogo, você controla um nano-robô, que destrói células de câncer, combate infecções bacterianas e lida com os efeitos colaterais de tratamentos. Passando por 20 fases que simulam sete tipos diferentes de câncer, você viaja por várias partes do corpo humano representadas com uma boa qualidade gráfica em 3D. Quem não fosse portador da doença deveria pagar US$ 20 como doação voluntária.

... Cursar disciplina em uma respeitável instituição de ensino superior

A Universidade da Flórida abriu vagas há algum tempo para a disciplina “Desenvolvimento de habilidades para o séc. XXI com StarCraft”, segundo boletim Technology Review, do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT). A matéria vale três créditos na grade curricular da universidade, e é oferecida na modalidade de estudos independentes.

Segundo o instrutor da disciplina, Nathaniel Poling — doutorando na mesma universidade —, “o Instrumental de resolução de problemas utilizado em StarCraft é o mesmo que se aprende na escola ou no mundo real”. Enfim, você nunca mais será chamado de “vagal” por se dedicar aos video games — afinal, agora eles até ajudam a garantir um diploma...

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... Disponibilizar o seu PS3 para pesquisas científicas

Graças à arquitetura primorosa do processador Cell, quem tiver um PS3 pode hoje contribuir com o Folding@home, um projeto de computação distribuída — você “cede” parte do poder de fogo do console para processar dados em conjunto com milhares de pessoas — desenhado para efetuar simulações de enrolamentos de proteínas. Além do console da Sony, também computadores pessoais podem participar da causa nobre.

... Efetuar pesquisas bélicas

A força aérea dos EUA utiliza atualmente milhares de unidades do PS3 para processamento de estratégias de guerra. Entre as utilidades estão pesquisas de transformação de múltiplas imagens de radar em fotografias de alta resolução, processamento de vídeo em HD e construção de computadores com propriedades do cérebro humano.

O amadurecimento dos gamesNovos jogadores, novas formas de se jogar video game

No especial “Será que a indústria de games amadureceu?” postado há algum tempo aqui no TecMundo Games, foi defendido que um dos principais indicadores da consolidação dos games como expressão cultural ampla vem na forma dos diversos nichos que hoje abarcam a experiência gamer. São novas possibilidades que vão além das abordagens um tanto infantilizadas que marcaram o início da indústria. O trecho abaixo sintetiza bem essa ideia:

“Uma das principais diferenças desencadeadas pela consolidação popular dos video games diz respeito ao tipo de jogador que hoje se propõe a gastar algumas horas em frente a um jogo. Esse jogador hoje não é mais, necessariamente, um garoto entrando na pré-adolescência. Conforme o video game se desvencilha cada vez mais do antigo status de “brinquedo eletrônico”, novos públicos com novas demandas de diversão aparecem.

Quer dizer, se hoje desde um universitário até um compromissado homem de negócios pode encontrar um tempo para esfacelar alguns botões, faz-se necessária uma reformulação dos conteúdos que durante anos integraram os “blockbusters” da indústria de games. Algo que seja genuinamente interessante para um público inegavelmente distinto — boa parte egressa das poltronas dos cinemas.”

Aparentemente, esse sincretismo torna-se cada vez mais verdadeiro. Sob o imenso leque de possibilidades da indústria de games atual, aninham-se jogadores casuais, aficionados, instrumentistas em potencial e até mesmo gente que gostaria de perder “alguns quilinhos”. Enfim, não parece assim tão distante aquele momento em que você poderá finalmente afirmar orgulhoso: “sim, eu sou um jogador de vídeo games!” — assim como os cinéfilos fazem há um bom tempo.

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