Um conto de esteroides e sensualidade exagerada

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Em maio deste ano, o site Inside Games (do Japão) publicou uma entrevista exclusiva com o produtor executivo da Square Enix, Yosuke Saito, e com o diretor da desenvolvedora Cavia, Taro Yoko. O diálogo entre os dois foi traduzido pela equipe do site Sankaku Complex e gerou uma série de debates em todo o mundo.

A justificativa para tanto furor está no tema: a viabilidade de personagens com traços andróginos para jogos lançados fora dos solos nipônicos, ou melhor, dentro dos Estados Unidos e da Europa...

Reviravoltas internas

O exemplo levantado pelos dois executivos foi Nier, que como muitos sabem, chegou ao mercado separado em duas versões distintas. Saito explicou que no início do projeto a intenção era atingir o público do Xbox 360, mas logo tudo foi expandido também para o PlayStation 3.

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Yoko complementou, citando que a ambição da Square Enix logo atingiu proporções internacionais. Foi deste ponto em diante que eles começaram a encontrar problemas: o formato mais magro, jovem e não tão definido fisicamente fez com que as equipes de Los Angeles e da Europa questionassem prontamente o design de “Replicant”.

O protagonista proposto até então foi taxado de efeminado. Os times internacionais chegaram a afirmar que era “ridículo alguém daquele tamanho conseguir carregar e utilizar uma espada gigante”. Nada mais absurdo do que a própria história e ambientação do game, é claro...

Depois de muitas horas de concentração, chegou-se à decisão de manter Replicant para o lançamento japonês — já que ele representava a essência do projeto. As versões internacionais foram denominadas “Gestalt” e ganharam um protagonista com um ar mais grosseiro. Um ponto curioso é que a versão japonesa para o Xbox 360 também tem Gestalt no papel de herói.


Verdade ou mito?

Independentemente do protagonista, Nier ficou abaixo das expectativas (tanto em termos de qualidade quanto de vendas) e se tornou um “Cult” do universo dos games. Foi impossível, através desse jogo, medir qual a percepção que o público tem dos formatos e atributos dos heróis.

O debate pode parecer bobo para a maioria dos jogadores, mas é inegável que ele permeia todas as rodas de design nas grandes empresas. Não acredita? Então façamos um exercício rápido: vamos listar abaixo alguns exemplos de jogos lançados ao longo desta geração de consoles, que exibem protagonistas com músculos enormes:

  • Gears of War: Marcus Fenix, Cole, Kim e companhia caminham pelos cantos, exibindo seus braços que tem o dobro de espessura das nossas pernas.
  • Unreal Tournament: outro projeto da Epic. Os visuais e o estilo gráfico são extremamente similares. Já citamos os músculos dos participantes das arenas?
  • Crysis: tanto no primeiro quanto no segundo jogo, o que se vê é um tanque de guerra em forma de homem. Cabelos não existem e os braços mais uma vez dominam as passagens animadas com conversas entre os soldados.

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  • Batman: Arkham Asylum: nenhum ator conseguiu chegar perto do porte desta versão. Nem mesmo nos gibis o tamanho é comparável. Mas o maior mistério é saber como ele manteve tamanha flexibilidade.
  • Too Human: a “obra prima” de Dyack levou dez anos para sair do forno... Seguindo a tendência imposta pela indústria, Baldur foi forjado careca e musculoso, com o diferencial de que ele possui feixes luminosos em sua face!

Continuando com a nossa relação, vamos direto a um salto pelo tempo, na companhia da Capcom e de Resident Evil. Puxe pela memória: você se lembra de como era a constituição física de Chris no primeiro jogo? Para quem não acompanhou a época do primeiro PlayStation, aí vai um lembrete...


Magro, moreno, sem grandes destaques, não é mesmo? Mas aqui está Chris, reformulado para Resident Evil 5. A jogabilidade truncada agora tem semelhanças muito maiores com o personagem na tela, já que ele se transformou em uma criatura extremamente definida, com ombros largos e uma face inexpressiva.

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Fios e retalhos O caso feminino

Não pense que a febre dos esteroides é válida apenas para os rapazes virtuais. As protagonistas e coadjuvantes de sexo feminino vêm passando por uma transformação de mesmo impacto, ainda que com um fator diferente: ao invés de ganharem músculos, elas perdem a roupa e passam a ser objeto das ações virtuais da física.

Assista ao comercial abaixo, veiculado no Japão como forma de promoção para Ninja Gaiden Sigma II, jogo de PlayStation 3:

A movimentação ampla de bustos e pernas já era um dos pontos-chave dos jogos da Tecmo ainda quando Itagaki trabalhava para a companhia. Dead or Alive foi uma das franquias de luta que se desdobrou em verdadeiros shows de “gatas tridimensionais”, com direito a partidas de vôlei e sessões fotográficas sensuais, na areia da praia.

Bayonetta, apesar de ser um excelente jogo, usou e abusou da técnica. A cada pirueta ou chute composto por sua magia, a heroína exibe todas as suas curvas, permanecendo coberta apenas por fios de cabelo que se esticam pelo cenário. Onechanbara: Bikini Samurai Squad entra em territórios similares, misturando o corpo da garota ao banho de sangue.

Mas, assim como para o fortalecimento dos homens nos jogos, essa estratégia de sensualidade tem o seu motivo: atrair o maior número possível de consumidores. Se não for pela qualidade do jogo, então que seja pelo seu apelo visual!

A constatação dessa mudança pode ser muito bem observada em uma das principais franquias de luta: Soul Calibur (da Namco Bandai). Todas as lutadoras tiveram seus seios aumentados com o passar de cada episódio — Taki exibe inclusive “detalhes” —, enquanto os marmanjos ganharam músculos rachados, brilhos, luzes e auras, além das armaduras assustadoras.

Confira o quadro comparativo para Sophitia, desde quando a série carregava o título “Soul Edge”:

Fonte: TwilightLynk. Clique para ampliarQuebra mental A ascensão de uma geração de fúteis

Deixando gostos e preferências de lado, a verdade é que tamanha exposição tem seus efeitos colaterais sobre a sociedade, e eles não são pequenos. De imediato, podemos levantar dois problemas principais. O primeiro é a deturpação da imagem de um ser humano.

Se acompanhar os padrões de beleza — impostos pela televisão e pelas revistas — já era difícil, chegar aos níveis dos jogos é tarefa literalmente impossível. Como resultado, há uma desvalorização imediata de tudo aquilo que não se enquadra, incluindo a própria forma física do jogador e de personagens menos “avantajados”.

A influência se estende para colégios, universidade e academias, uma vez que o número de jovens que recorrem ao uso de anabolizantes só aumentou na última década.

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O segundo problema, e talvez o principal, é a redefinição de papéis sociais, mediante a observação dos comportamentos dos protagonistas nas telas. O tema é complexo e abrange pontos como mulheres atuando apenas como auxiliares (vide o caso de Gears of War 3 e de Uncharted) ou ainda as reações explosivas dos heróis em situações de risco, ignorando quaisquer consequências.

Um artigo de 2007, publicado em conjunto por Monica Miller e Alicia Summers já abordava a questão da modelagem social através dos jogos. Além do próprio papel dos musculosos e das heroínas, o que mais afeta esta geração é a exposição a esse tipo de informação.

Img_originalPelos dados do artigo, cerca de 70% dos jovens americanos possuem ao menos uma plataforma de jogos. O contato com o ficcional é contínuo e não cessa com o término das partidas, uma vez que esses jogadores continuarão a comentar suas experiências e visões, já fora de casa, entre amigos, no colégio e em outros locais.

Preconceito enlatado

O bombardeio é tamanho que as desproporcionalidades tridimensionais passam a compor nossas vidas como algo “normal”. Não estranhamos mais os corpos enormes, nem os biquínis do tamanho de uma fita. Metralhadoras maiores que nossos troncos já são praticamente um item obrigatório nos jogos.

Entretanto, aquilo que deveria ser visto como normal é que passa a receber críticas. Subconscientemente, criamos aversão a tudo aquilo que difere do padrão construído comercialmente e passamos a encarar com ares negativos questões mais importantes, como a percepção de gêneros e a sexualidade.

O apelo para a sensualidade e para os músculos ainda funciona bem, mas é apenas uma questão de tempo para que a indústria entre em um momento crítico de saturação, no qual o diferencial não estará mais no corpo do herói, mas sim na qualidade da narrativa, do conteúdo e da própria interação com o virtual.

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