O que faz de um jogo uma obra de arte?

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A questão é polêmica, divide opiniões e praticamente todo jogador que se preze já deve ter se questionado sobre o fato de um título ser ou não considerado uma obra de arte. Afinal, como não valorizar jogos que marcaram gerações e ficaram na memória de milhares de pessoas?

A chegada de Journey à PSN pelas mãos da thatgamecompany — a mesma responsável pelo também excelente Flower — fez ressurgir o debate sobre o fato de os video games serem ou não considerados a 10ª arte. Afinal, trata-se de um título visualmente belo, com uma estética única e uma “história” completamente aberta que foge completamente do padrão estabelecido pelo mercado.

Mas será que isso é o suficiente para fazer com que os games sejam considerados um tipo de arte?

Afinal, o que é arte?Uma discussão subjetivaÉ exatamente este o grande cerne da polêmica. Para determinar se os jogos merecem ou não o almejado título, é preciso, primeiramente, entender o que é arte. No entanto, como definir algo tão subjetivo?

Fonte da imagem: Wikipedia
Livros, enciclopédias e sites especializados certamente irão trazer algumas dezenas de conceitos diferentes, seja por conta de uma interpretação única feita pelo autor ou pelo simples fato de a ideia do artístico ter sido alterada constantemente ao longo do tempo.

Essa evolução na concepção do que é ou não arte é complicada, e é preciso não apenas olhar a obra em si, mas o contexto no qual ela está inserida. Basta folhear os livros de História para perceber que, em tempos antigos, valorizava-se o belo, enquanto o sentimento é o que determina o caráter artístico da atualidade.

Fonte da imagem: Wikipedia
No entanto, independente da época, alguns parâmetros permanecem imutáveis. Seja no século II a.C. ou em uma exposição contemporânea, a ideia de que o artista se expressa por meio de sua obra ainda permanece. Seja em uma escultura, pintura ou fotografia, ele quer dizer algo a alguém, que deverá interpretar aquelas sensações a partir de seu repertório e experiências individuais. Cada pessoa vai “sentir” a obra de uma forma diferente e criar um significado próprio — seja ela de indiferença ou de completa admiração.

Mas onde o meu video game entra nisso?

É exatamente nesse ponto que o debate em torno do caráter artístico dos jogos deve ser discutido. O fato de que Journey merece esse título é inegável, afinal, como dito em nossa análise, cada jogador interpreta sua jornada de maneira pessoal, e que nem sempre vai ser a mesma de um amigo. Trata-se de algo aberto que te obriga a fazer perguntas e a procurar um significado — algo único.

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Perceba, porém, que esse tipo de proposta é uma exceção dentro do mundo dos jogos. Por mais que títulos como Uncharted, Gears of War e Metal Gear nos encham os olhos com seus gráficos fantásticos e nos empolguem com suas narrativas, eles não tentam dialogar com o jogador. São produções fechadas e que se completam em si mesmas.

Isso não quer dizer que esses jogos são ruins. Eles são os sucessos de vendas que adoramos — e é exatamente aí que está o ponto que os “descaracteriza” como arte. Para entender um pouco dessa questão, é preciso ir muito além e compreender um conceito de indústria cultural concebido por pensadores europeus no início do século XX.

Obviamente, essa é uma discussão muito maior, e certamente não haveria espaço para discuti-la por completo neste artigo. Mas, em linhas gerais, a ideia é de que a sociedade capitalista transforma a arte em produto e a vende de forma massificada e sem o valor cultural e artístico.

Isso pode soar um tanto quanto agressivo e pejorativo, mas faz muito sentido. Por melhores que sejam os blockbusters atuais, eles não trazem o diálogo com o artista e nem tentam fazer com que o próprio jogador tente interpretar a obra.

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Novamente, ressalto que isso não é um ponto negativo, afinal, eles realmente são produtos e cumprem muito bem esse papel. Para conseguir esse êxito comercial, aliado aos belos gráficos, as empresas — que visam o lucro, não se esqueça disso — se aproveitam de uma linguagem muito mais cinematográfica do que própria dos video games.

Por mais que você possa interagir com personagens e cenários, a estrutura básica ainda funciona perfeitamente como em um filme. Heavy Rain talvez seja o maior exemplo disso, pois a própria desenvolvedora o considera um “cinema interativo” em que você participa da experiência, mas não faz parte dela.

A linguagem de um gameOu sua essência artísticaÉ nesse ponto que temos a grande questão do que torna os video games uma forma de arte. O que vai diferenciar um jogo de um filme ou de qualquer outra forma de representação artística é o modo como a mensagem é passada ao jogador, ou seja, sua linguagem.

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No caso dos games, o segredo é exatamente a jogabilidade, ou seja, a forma como você vive aquele microuniverso existente na tela de sua TV. Voltando ao exemplo de Journey, toda sua interação com um mundo aparentemente vazio e sem significado é exatamente a forma que o artista usou para fazer com que o gamer sinta e vivencie a obra.

Como dito anteriormente, trata-se de algo muito abstrato e subjetivo, o que significa que a forma com que aquilo vai atingi-lo muda de pessoa para pessoa, com base em experiências pessoais e vários outros fatores únicos. A estética diferenciada é outro fator, já que ela destoa completamente daquilo que é padrão na indústria e contribui na transmissão dessa “mensagem”.

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Algo semelhante acontece em Child of Eden. Mesmo sem trazer um enredo estruturado e trabalhando apenas com luzes, o game usa sua jogabilidade ímpar para dizer algo ao jogador. Particularmente, interpretei aquela viagem como uma exploração de sentimentos e sensações com base em todos os sentidos. Meu objetivo foi reconstruir uma consciência artificial que sempre almejou viver aquilo que eu tenho, mas que nem sempre dou valor. Para outros, certamente, foi apenas um estranho shooter.

Por fim, podemos citar Braid como outro grande exemplo de game que explora a jogabilidade como elemento artístico. Sua proposta é simples, e muita gente até o compara com outros títulos de plataforma, como Super Mario Bros. Contudo, seu grande diferencial está exatamente na forma com que você interage com os recursos oferecidos e a interpretação que você dá a essa habilidade.

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Poder voltar atrás em um movimento para resolver um puzzle pode ser apenas um truque para muita gente, mas também pode ser lido como uma tentativa de corrigir grandes erros. Por mais que você abuse desse poder, ele jamais te ajudará a esquecer das escolhas erradas e das consequências de suas decisões. Ou talvez o jogo seja uma grande metáfora à tentativa de voltarmos atrás para consertar nossas falhas para um outro alguém.

Percebeu como a interpretação dada para cada game artístico é diferente e depende exclusivamente de minhas experiências pessoais? Você precisa se inserir naquele universo para compreendê-lo por completo. Agora tente fazer o mesmo com God of War e perceba que não há a mesma liberdade interpretativa.

A que conclusões chegamos?A discussão ainda não chegou ao fimApesar de toda essa “filosofada”, tudo pode ser posto abaixo com uma simples frase. Como dito anteriormente, trata-se de algo muito pessoal. Se, para mim, o game artístico é exatamente aquele que se expressa por meio de sua linguagem, para outra pessoa pode ser simplesmente uma recriação perfeita da realidade — como uma pintura de paisagem.

Por isso, a melhor forma de tentar entender os video games como a 10ª arte é exatamente procurar a forma com que o artista tentou criar o diálogo por meio da jogabilidade como um todo — se é que ele fez isso em algum momento. Por mais bonito e majestoso que um jogo seja, ele pode não conter valor cultural algum se não passar de uma simples réplica cinematográfica.

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