Coluna: sobre Anthem e outros jogos que são lançados incompletos

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Lançado há pouco mais de um mês, Anthem já recebeu diversas atualizações desde que chegou às lojas em um estado que pouca gente vai dizer que estava completo. Além de apresentar diversos problemas técnicos, o título trouxe um sistema de loot controverso e uma história que, se fecha um capítulo dentro da aventura, não traz o mesmo nível de qualidade esperado da BioWare.

Anthem

Com a notícia de que nem mesmo as críticas da comunidade e as notas medianas que o jogo recebeu impediram ele de ser um campeão de vendas em fevereiro, são grandes as chances de que o parágrafo inicial deste texto não faça mais sentido daqui há alguns meses. Assim como acontece com diversos outros jogos, Anthem é um exemplo de um game que, com várias atualizações e algum tempo, tende a se transformar consideravelmente.

Essa não é uma história necessariamente nova: desde o tempo em que os MMOs dominavam as conversas sobre jogos online, títulos que mudam completamente com o passar dos anos são coisa comum. Infelizmente, isso tem sido acompanhado por um fenômeno que está ganhando força nos últimos anos: a dos jogos que saem propositalmente incompletos e que se dão ao luxo de ser finalizados somente daqui há alguns meses ou anos.

Acesso antecipado com preço de produto final

Lançar um jogo incompleto e contar com a ajuda de jogadores para completá-lo não é algo exatamente errado. O Steam, por exemplo, conta com um programa feito justamente para isso — o Acesso Antecipado. Por lá, encontramos diversas ideias que, por questões de financiamento ou de tempo, podem ser conferidas em estado incompleto, permitindo que os compradores acompanhem seu progresso.

Darkest Dungeon

Desse sistema tivemos tanto decepções, com um sem número de games cancelados antes de serem finalizados, até grandes sucessos como Dead CellsDarkest Dungeon e Starbound. O importante do sistema é que, independentemente do resultado final, sempre ficou clara a mensagem de que aqueles dispostos a pagar pelos jogos estavam fazendo uma aposta em algo incompleto.

O problema, que acompanha títulos como Anthem, Sea of ThievesNo Man’s Sky e Fallout 76, para citar alguns exemplos, é quando somos convencidos a pagar por um “produto finalizado” que, na prática, ainda devia passar muito tempo no forno. Especialmente em se tratando de games com o selo “Triplo A”, parece que é cada vez mais frequente a situação em que o investidor de primeira hora é quem terá a pior experiência.

parece que é cada vez mais frequente a situação em que o investidor de primeira hora é quem terá a pior experiência

Se, no passado, já era comum que os compradores de primeira hora se deparassem com um ou outro bug inconveniente que era removido com um patch, agora eles têm que lidar com experiências incompletas e que levarão meses para serem finalizadas. Quem comprou Final Fantasy XV em seu início e jogou novamente o RPG meses depois sabe como ele mudou em estrutura e se tornou uma aventura bem mais coerente para quem decidiu esperar — e pagou bem menos no processo.

A questão é que, mesmo no caso do RPG, havia desde início um produto que trazia uma história coerente e um desempenho minimamente aceitável. O que a Square Enix fez não foi “completar” um jogo que estava longe de ser finalizado, mas sim ajustar defeitos e fazer modificações que tornavam tudo mais coerente e prazeroso de experimentar.

Final Fantasy XV

A impressão que tenho é que, especialmente no campo dos jogos online constantes, que seguem o modelo de “games como serviço”, oferecer essa base sólida não é mais tão importante. Em um universo no qual jogadores são cada vez mais lenientes com erros e parecem dispostos a acreditar que “tudo vai melhorar no futuro”, me parece que o lançamento de experiências essencialmente quebradas se tornou algo que é permitido.

Todos adoramos histórias de redenção

Lendo sobre o desenvolvimento de Anthem, parece cada vez mais evidente que a BioWare sabia logo de cara que não tinha um game digno de seu histórico de alta qualidade. A empresa aparentemente sabia que ainda precisava de mais tempo com o jogo, mas, devido a decisões internas — ou a pressões da gerência da publicadora Electronic Arts —, preferiu lançar algo “mediano” que poderia ser consertado depois.

No Man's Sky

Caso os planos da desenvolvedora funcionem, dentro de alguns meses podemos ter uma nova “história de redenção” da indústria, na qual uma desenvolvedora “decidiu ouvir o público” e se esforçou para melhorar um game problemático. Parte dessa narrativa já está sendo construída com o plano de 90 dias publicado pela desenvolvedora, que promete trazer a primeira grande atualização do jogo em abril — não importa se os conteúdos adicionados na ocasião eram coisas que ela havia prometido para a experiência básica.

Esse tipo de narrativa funcionou até mesmo para games que, em seu lançamento, estavam em um estado muito mais incompleto. No Man’s Sky, por exemplo, conseguiu superar críticas e decretos de sua morte e, após anos de esforço da Hello Games, se tornou o game que havia sido prometido durante o processo de desenvolvimento, “limpando” a fama de Sean Murray como um grande mentiroso.

Se nesse caso até podíamos desculpar a equipe, que se trata de um time pequeno que não tinha experiência no gênero, é difícil transportar isso para grandes estúdios. A Bethesda, por exemplo, tentou fazer graça com Fallout 76 e assumir que o game viria com bugs massivos em seu lançamento, mas o fato de ela se tratar de uma grande corporação fez com que os consumidores fossem muito menos pacientes com o estado do produto final.

a BioWare recebeu sua devida cota de críticas, mas parece que Anthem conseguiu sobreviver à onda inicial de oposição

Já a BioWare recebeu sua devida cota de críticas, mas parece que Anthem conseguiu sobreviver à onda inicial de oposição e agora vai se manter durante meses a partir de uma base fiel de jogadores. Daqui há algum tempo, é provável que surjam histórias sobre como “o game agora está bom” e que as reclamações iniciais não faziam sentido, já que a desenvolvedora estava comprometida com seu futuro desde o início.

Por mais que seja bonito falar de "histórias de redenção" e narrativas em que as "nobres publicadoras" decidiram atender aos pedidos dos fãs, é preciso entender que, na maioria das vezes, isso é até mesmo usado como estratégia de marketing. Não somente empresas conseguem vender a imagem de um game a primeira vez (antes de seu lançamento), como encontram nesse ciclo um motivo para fazer com que ele volte a ter destaque meses depois — algo que, naturalmente, traz uma nova remessa de receitas.

Gato por lebre

Não há nada errado em uma empresa melhorar um produto e ouvir o feedback dos fãs. O problema é quando isso se torna padrão e começamos a aceitar tantos produtos incompletos baseado em promessas e mensagens corporativas bem formuladas. A sensação é que, se permitirmos que isso aconteça, a indústria só vai tornar essa uma das características negativas a que nos acostumamos porque “as coisas são assim mesmo” — assim como passamos a aceitar caixas de loot em jogos com preço cheio e games cujos DLCs já vêm dentro do disco que compramos.

Não considero que Anthem seja o “maior criminoso” nessa área — como disse, Fallout 76 saiu em um estado ainda pior —, mas todo o histórico da BioWare e sua associação com a Electronic Arts tornam ele bastante emblemático. A publicadora é uma das que mais aposta no formato de “games como serviço” e é uma das que mais coleciona tropeços nessa área, que vão desde Star Wars Battlefront II até Battlefield V, que demorou meses para ganhar seu modo Battle Royale.

Fallout 76

Tudo isso em um universo em que não é difícil pensar em exemplos de jogos que saíram sim bastante completos, mas que só melhoraram com as atualizações. The Witcher 3: Wild Hunt, por exemplo, ganhou melhorias gratuitas tão boas e tinha uma história central tão rica que pouca gente reclamou quando a CD Projekt RED anunciou seu passe de temporada.

No entanto, parece que cada vez mais isso vai se tornar exceção: tal qual um aluno que se esforça pouco para passar de ano, porque sabe que a recuperação está logo ali e “é fácil”, há muitas empresas que estão dispostas a cobrar caro por produtos incompletos. Afinal, se tem tanta gente disposta a pagar por isso e esperar que as coisas se resolvam daqui há alguns meses, por que se preocupar em trazer logo de cara algo completo?

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E você, acredita que histórias do tipo vão se repetir? Acredita que devemos ser mais exigentes com desenvolvedores ou que “tudo bem” um jogo sair incompleto, contanto que ele seja finalizado em meses seguintes? E lembra de alguma história de redenção que tenha compensado seu investimento? Use nossa seção de comentários para discutir sobre o assunto e registrar sua opinião.

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