Fobia: entrevistamos os diretores do aguardado jogo brasileiro de terror

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Imagem: Pulsatrix/Reprodução

Durante muito tempo, o termo "jogo brasileiro" esteve na cabeça dos fãs como sinônimo de um produto simples; e essa correlação, que nunca foi correta, tem feito cada vez menos sentido. Com 72% dos habitantes do Brasil jogando algum tipo de game, de acordo com a Pesquisa Game Brasil 2021 (PGB), esse é um mercado que está em franca evolução no cenário local.

Ainda segundo a PGB, entre 2020 e o ano passado houve crescimento de 14,8% de brasileiros que disseram que os jogos digitais estão entre suas principais formas de diversão (78,9% neste ano contra 64,1% em 2020). O número de pessoas que se consideram gamers também deu um salto importante nos últimos 2 anos, saindo de 33% para 62%. Apesar de mostrarem um recorte de pandemia, em que muita gente se viu confinada em casa e optou pelos games, os dados consolidados revelam uma escalada.

PGB 2021

A consultoria de análises Newzoo estimava que em 2017 o setor de video games no Brasil tinha 66,3 milhões de jogadores e que o mercado girava em torno de US$ 1,3 bilhão em vendas. Em 2021, a expectativa da empresa é que os jogos eletrônicos no país alcancem 94,7 milhões de jogadores e valor recorde de US$ 2,3 bilhões (aumento de 5,1% na comparação com 2020).

Com as cifras circulando para lá e para cá e os jogadores abrindo o bolso, investir nesse setor parece cada vez mais atraente. Um exemplo recente é o do Magazine Luiza. A gigante do varejo nacional anunciou em novembro a criação do Magalu Games, um braço da marca voltado para desenvolvimento de jogos eletrônicos hipercasuais (para dispositivos móveis). Além de financiar e atuar com publisher de projetos brasileiros, o Magalu Games deve no investir em produtos para PC e consoles.

Com números superlativos e o mercado cada vez menos sendo um negócio de nicho, já é possível dizer que o cenário local de games está completamente consolidado. E um dos sintomas dessa pujança é a produção nacional de jogos, que tem no título Fobia — St. Dinfna Hotel um dos principais lançamentos de todos os tempos. Para entender um pouco mais dos bastidores do jogo, o Voxel conversou com os diretores da Pulsatrix, o estúdio paulistano responsável pelo projeto.

O que é Fobia?

Para quem "perdeu o bonde", Fobia — St. Dinfna Hotel é um jogo indie brasileiro de terror psicológico em primeira pessoa que mistura elementos de puzzle, exploração e sobrevivência. A produção chamou a atenção depois de ser lançada no Catarse, onde conseguiu apoio de mais de mil pessoas e quase R$ 90 mil no financiamento coletivo.

Entre o fim do ano passado e este ano, o jogo ganhou uma demo no Steam (que ficou bastante popular ao ser elogiada por grandes produtores de conteúdo, como BRKSEdu) e novidades como o anúncio de que sairá para PlayStation 4, PlayStation 5, Xbox One e Xbox Series X/S, além de PC.

Com uma gameplay inspirada por títulos como Outlast e nos dois últimos Resident Evil (da série principal), a produção tem elementos de PT, Fatal Frame e Silent Hill. A jogabilidade inclui leitura de arquivos, combinação de objetos, combate com armas de fogo e utilização de uma câmera que "conecta os mundos".

Os desenvolvedores de Fobia — St. Dinfna Hotel contaram em primeira mão ao Voxel que o projeto fechou contrato com a norte-americana Maximum Games, que será a publisher.

Tendo o Modus Studios Brazil como uma de suas subsidiárias, a companhia já trabalhou com a publicação de vários grandes títulos, como Among Us (para consoles), Werewolf: The Apocalypse — Earthblood, Power Rangers: Battle for the Grid, A Plague Tale: Innocence, Call of Cthulhu, Vampyr e Kena: Bridge of Spirits.

Apesar de a essa altura Fobia — St. Dinfna Hotel parecer ter sido pensado como um grande projeto, a realidade é que tudo começou de maneira bem mais humilde. "Eu não esperava que teria uma aceitação tão legal do público", confessou Thiago Matheus, diretor-executivo (CEO) da Pulsatrix e diretor de arte do game.

Thiago MatheusThiago Matheus, CEO da Pulsatrix.

Um trabalho de portfólio

O jogo eletrônico brasileiro nasceu em meados de 2018 como um projeto do portfólio de Matheus, que é artista 3D. O trabalho nas imagens e nos cenários que remontavam a vários clássicos do terror foi tomando forma e ficando mais complexo. Assim que mais ideias foram surgindo, ele resolveu apresentar o esboço ao amigo Fabio Martins, que é diretor de operações (COO) da Pulsatrix. Eles se conheceram no desenvolvimento de jogos para uma empresa da Finlândia e se juntaram a Marco Majer, Chief Technology Officer (CTO), para fundar a Pulsatrix.

"Depois do primeiro contato com o Fabio, nós falamos com influenciadores que gostaram da ideia. Então a gente começou a desenvolver várias versões até chegar na BGS 2018 [Brasil Game Show], quando tivemos uma grande aceitação do público. Eu lembro que o pessoal fazia fila para jogar [no evento], e foi quando eu percebi que não era mais só um projeto de portfólio", disse o CEO.

Martins lembra que, depois do sucesso e do burburinho de Fobia, eles começaram a correr atrás de todo o processo burocrático que incluía a abertura do estúdio. Mesmo aquele trabalho sendo promissor, ele disse que a ideia na época era fomentar o mercado de games e mostrar que é possível produzir um jogo no Brasil.

E a missão da dupla se mantém até hoje, já que nos mais de 2 anos e meio de desenvolvimento de Fobia todos os profissionais envolvidos são brasileiros. Há 8 pessoas trabalhando em tempo integral no projeto e outras que atuaram como freelancers, fazendo que até hoje cerca de 15 artistas, programadores, escritores e demais talentos locais deixassem sua "marca" na produção indie.

Aproximação de grandes players do mercado

Jogadores de video game de longa data, desde quando era preciso comprar uma revista para descobrir como passar de uma fase, Matheus e Martins reconhecem que a internet foi essencial para que Fobia se disseminasse no imaginário do público. Com mais de 15 mil seguidores, os perfis do título nas redes sociais estão cheios de pessoas ansiosas para o lançamento do produto.

"E o interessante é que não são somente os brasileiros que estão demonstrando interesse. Nós estamos recebendo comentários e citações de pessoas em inglês e até outras línguas que não entendemos", brincou Martins.

Fabio MartinsFabio Martins, COO da Pulsatrix.

A atenção do público gerou uma validação para o projeto, o que acabou possibilitando que a Pulsatrix entrasse em contato com possíveis parceiros — afinal, ainda estamos falando de negócios. Mas o caminho não foi fácil. Antes de o acordo com a Maximum Games ser concluído, mais de dez companhias foram consultadas.

"É um processo que exige muita paciência, porque é basicamente um contrato de venda de um produto. Então o acordo é bastante complexo, precisa de conhecimento jurídico, você vai analisando ao longo de vários meses, ajustando alguns pontos. Todo mundo com que a gente conversou para saber como funcionava nos disse de antemão que não conseguiríamos fechar nada em menos de 3 meses", contou Matheus.

E os colegas dos devs da Pulsatrix estavam corretos, já que a assinatura do contrato com a Maximum só veio cerca de 8 meses após as conversas iniciais. O resultado foi considerado bastante positivo, já que a Maximum é uma marca que está crescimento.

"Ficamos muito felizes de ter esse contrato com eles assinado. Vai ser um empurrão muito grande para o jogo", disse o CEO da Pulsatrix. "A gente ter conseguido fechar com uma empresa grande sendo um jogo estreante é muito bom. Não tínhamos essa expectativa", complementou o COO da desenvolvedora paulistana.

PulsatrixOs responsáveis por Fobia, na Brasil Game Show 2018.

Entre as principais atribuições da publisher, está o trabalho internacional no jogo, incluindo o lançamento, a apresentação em festivais e até a localização e a dublagem para outros mercados. O aspecto regional de Fobia, inclusive, foi pensado de maneira especial pela Pulsatrix.

Além da negociação com a publisher, o título foi selecionado para ganhar uma bolsa de investimentos da Epic Games. Com isso, ele faz parte do programa Epic MegaGrant e recebeu um valor extra que será utilizado na reta final de desenvolvimento. Além da Epic, para que pudesse ser lançada para consoles, a produção foi chancelada pela Microsoft e pela Sony.

O medo em solo brasileiro

Fobia é um título indie que, além de ser produzido por brasileiros, acontece em solo tupiniquim. No enredo, o jogador controla Roberto, um jovem jornalista que quer impulsionar sua carreira investigando acontecimentos sobrenaturais no Hotel Santa Dinfna, na cidade de Treze Trilhas (Santa Catarina). O local esconde mistérios e guarda eventos traumáticos que são relevados ao protagonista durante a trama.

O nome "Fobia" foi escolhido, de acordo com os diretores, por fazer referência aos primeiros rascunhos da trama. Antes de virar uma experiência assustadora dentro de um hotel, o jogo se passava em um hospital, onde o protagonista encararia várias fobias (como o medo de altura). Daí o nome, que eles resolveram não alterar porque acharam que continuava se encaixando com a ideia geral.

"'Fobia' é uma palavra muito forte. Quando a gente pensa nela, logo remete a terror e a medo. E, por mais que não esteja exatamente ligada ao enredo, o conceito remete ao clima do jogo", argumentou Martins.

A similaridade da pronúncia da palavra no inglês (phobia) foi outro ponto que pesou em favor do nome. No caso de "St. Dinfna Hotel", que é o subtítulo, também há uma referência, mas que só está no vocabulário dos mais religiosos.

Dinfna (Saint Dymphna em inglês ou Dimpna no português, dependendo da grafia) é uma santa católica que viveu no século VII à qual são atribuídos vários milagres, como a cura de doenças mentais, epilepsia, sonambulismo e até reações encaradas como "possessão demoníaca". Por causa disso, ela se tornou a padroeira de pessoas com doenças mentais e neurológicas (como depressão), além de psicólogos, psiquiatras e profissionais da saúde mental.

Com esse background que mistura o sobrenatural com a religião, que é um traço bastante característico da população brasileira, Fobia tem um enredo com o nosso país sendo o pilar de toda a trama.

"Nós conversamos com a publisher e explicamos que queríamos manter toda essa identidade que nós construímos. Eles acharam interessante, e por isso todo o trabalho de localização será feito respeitando a originalidade que nós pensamos. A dublagem e até os textos que estão escritos na parede do hotel, por exemplo, continuarão em português e terão legendas para várias outras línguas, como espanhol, chinês e coreano, além do inglês", contou Martins.

Ele comentou que a popularização de produtos culturais como canções e filmes sul-coreanos têm contribuído para que mercados como o norte-americano aceitem como mais facilidade as obras que não se passam necessariamente no contexto dos Estados Unidos.

Quando Fobia será lançado e quanto custará?

O hype de Fobia — St. Dinfna Hotel é bastante grande. No Steam, mais de 10 mil pessoas já o colocaram na lista de desejos. Da indústria, o projeto recebeu lembranças no evento SBGames 2020, onde ganhou o prêmio de Melhor Visual de Jogos e foi finalista nas categorias Melhor Jogo, Melhor Storytelling e Melhor Áudio. No BIG Festival 2021, principal festival de jogos independentes da América Latina, o título foi finalista na categoria Melhor Jogo Brasileiro.

Os desenvolvedores da Pulsatrix não quiseram comentar quando os jogadores poderão explorar os mistérios do hotel Santa Dinfna. Apesar disso, contaram que o cronograma está caminhando bem e que há pouca possibilidade de atrasos (mesmo com a pandemia, pois todo mundo do estúdio já trabalhava em casa antes de 2020).

Martins revelou que o projeto está perto do fim, com cerca de 85% concluído. A essa altura, a Pulsatrix já definiu que o game terá entre 8 e 12 horas de gameplay em uma jogabilidade transcorrida em velocidade natural. O título não terá checkpoint, já que o progresso será salvo em locais específicos, em trechos que parecem homenagens às máquinas de escrever da franquia Resident Evil.

O Voxel também questionou a Pulsatrix sobre o possível preço de lançamento de Fobia. Matheus contou que os valores dos jogos lançados são definidos pela publisher e localizados de acordo com cada mercado. Há uma negociação com a desenvolvedora, mas a decisão é da publisher.

"Os jogos indies normalmente ficam em uma faixa de US$ 10 a US$ 30. Eles não custam o preço cheio de US$ 70 que tem sido cobrado atualmente lá fora. O valor leva em consideração fatores como a duração. Fobia não terá um preço de AAA, e a gente pode garantir que na conversão para o real ficará bem acessível para o brasileiro", garantiu Martins.

Até onde o mercado brasileiro de jogos pode chegar?

Assim como marcas como a Wildlife, desenvolvedora paulistana de games mobile que após um recente aporte financeiro foi avaliada em US$ 3 bilhões, tornando-se uma das maiores do mundo, a Pulsatrix mira alto. Os executivos no comando da desenvolvedora de Fobia dizem que o mercado brasileiro tem um enorme potencial e que está sendo reconhecido por companhias estrangeiras, como a própria Maximum, cuja subsidiária local desenvolveu o jogo Override Mech City Brawl.

"A gente tem percebido uma importante evolução do nosso cenário de desenvolvimento, e os players lá fora estão de olho. Hoje, não existe mais aquele olhar diferente para cá. O preconceito talvez parta mais dos consumidores do que das empresas estrangeiras, que estão respeitando e se interessando muito pelo nosso trabalho", disse Martins.

"Nós conversamos com pessoas de 505 Games [publisher de Control, Death Stranding, Ghostrunner e outros], Konami, Activision e outras. Todos foram muito receptivos, não somente os brasileiros que já estão trabalhando lá fora, mas todo mundo", detalhou Matheus.

Fobia - St. Dinfna Hotel

A dupla aposta que as barreiras para quem quer trabalhar com jogos eletrônicos por aqui estão sendo cada vez mais superadas, mas lembra que ainda há um caminho a percorrer. O CEO da Pulsatrix citou, por exemplo, que sente falta de mais investimentos privados no setor. O COO da companhia complementou que muitos dos projetos ainda dependem de iniciativas governamentais, como editais públicos.

Eles explicaram que produzir um jogo é um trabalho árduo, e que no caso de Fobia muitos conceitos acabaram sendo descartados. Os brasileiros disseram que tirar uma ideia do papel para transportar para a tela acaba sendo um grande processo de "tentativa e erro".

Fobia

Porém, a possibilidade de daqui a algum tempo entreter o público com uma história de terror completamente original e com várias referências a nosso país deixa animados não só os executivos da Pulsatrix, mas todos os colaboradores.

"Estamos começando agora e queremos que a Pulsatrix se torne um sinônimo de qualidade. Então pretendemos entregar o melhor produto possível custando o valor mais competitivo possível. E a gente entende que o nosso sucesso pode ser o sucesso de toda a indústria brasileira, por isso estamos abertos para compartilhar experiências com todo mundo. No fundo, queremos que o mercado nacional cresça e vá puxando para cima todos os profissionais excelentes que temos aqui", finalizou Matheus.

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