Em The Patient, Steve Carell brilha em papel dramático (crítica)

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Já tem bastante tempo que Stevel Carell provou que seu talento se estende para muito além da comédia. Ator consagrado por dar vida a Michael Scott - o mais carismático chefe incompetente da ficção - na versão americana de The Office, Carell tem transitado lindamente para os dramas mais densos. Em The Morning Show, por exemplo, ele encarou o papel multifacetado de um âncora de TV nacionalmente querido, mas que é acusado de abuso sexual pelas colegas de trabalho.

Mas talvez Steve Carell nunca tenha navegado em mares tão profundos até estrelar The Patient, thriller da Starplus que envolve o espectador do início ao fim com uma história tão tensa quanto perturbadora. A série se insere em outro subgênero interessante – o de narrativas sobre sessões de terapia – mas traz uma oportuna oxigenação para este formato.

Na história, Carell encarna um renomado terapeuta judeu chamado Alan Strauss. Autor conhecido com vários livros famosos, ele acaba atraindo para o seu consultório um novo paciente chamado Gene (vivido por Domhnall Gleeson, de Black Mirror), que parece um tanto estranho – ele se recusa a tirar os óculos escuros e o boné durante as sessões.

Mas, já no primeiro episódio, o doutor Strauss é capturado e acorda acorrentado dentro do porão de Gene, que na verdade se chama Sam e é um serial killer. Sam traz como bagagem emocional um passado terrível (foi continuamente violentado pelo pai na infância) e não consegue deixar de matar outras pessoas como uma forma de compensar a raiva que carrega dentro de si.

Ao encarcerar o terapeuta, ele espera obter alguma ajuda psicológica que o “cure” (problemática que é explorada de forma inspirada ao longo dos episódios) de seu distúrbio e o faça não mais desejar matar as pessoas que o ofenderam por motivos banais. Há aqui, portanto, o apelo já bem explorado nas séries true crime em tentar entender as pulsões dos serial killers, que são sujeitos que parecem capazes de fazer coisas que a maior parte de nós não consegue (e nem deseja) fazer.

Uma dupla terapia

Contudo, talvez o grande brilho de The Patient é nos levar para dentro não apenas da mente perturbada de Sam, mas nos fazer mergulhar nos próprios problemas do doutor Alan Strauss. Ele é um viúvo que recém perdeu a mulher (Laura Niemi) e está elaborando o luto não apenas pela morte dela, mas pelo afastamento do filho, Ezra (Andrew Leeds), que tomou a decisão de se tornar um judeu ortodoxo, o que não foi bem aceito pela família.

No contexto da prisão a que foi submetido, o terapeuta terá que inevitavelmente abrir os olhos e enxergar a verdade: a de que há muitas coisas que ele ainda não vê sobre si mesmo e que há relacionamentos com que ele precisa prestar contas.

Esta premissa é o mote para que os produtores de The Patient (Joe Weisberg e Joel Fields, que produziram juntos The Americans, entre várias outras séries) explore o recurso dos devaneios e dos sonhos de Strauss. A ideia de misturar realidade com dissociação mental já foi relativamente explorada (ocorria, por exemplo, na instigante Hannibal), e encontra aqui um caminho muito interessante.

Isto porque Alan Strauss escapa para dentro da sua própria terapia. Para poder investigar e entender o que está acontecendo ali (existe a possibilidade de trabalho terapêutico quando o analista está preso?), ele passa a manter sessões com Charlie (papel de David Alan Grier), seu antigo terapeuta, que já está falecido. São os diálogos entre Charlie e Alan – que operam como uma espécie de supervisão do acompanhamento que Alan faz com seu paciente - que farão com que este último tenha algum tipo de lucidez sobre quais caminhos deve tentar com Sam.

Apresentam-se, ao longo da série, várias questões éticas que podem contemplar não só a psicologia, mas a complexidade da vida social. Em uma relação entre analista/ analisando, baseada na confiança e na entrega, o quão honesto é possível ser? Os impulsos mais humanos que existem (como o desejo pela própria sobrevivência) devem ser revelados a um paciente assassino, sem que isso signifique romper o vínculo entre ambos?

Para completar, todos os conflitos de Alan Strauss aparecem emaranhados em seus sonhos (ou pesadelos) com o contexto mais amplo da história dos judeus. Ele constantemente se vê na mesma situação das vítimas dos campos de concentração nazistas que precisaram lidar com o que sobra de vida quando todas as esperanças morrem.

Um “duelo” de atores

(Fonte: Starplus)(Fonte: Starplus)Fonte:  Starplus 

É interessante notar que The Patient consegue elaborar um thriller absurdamente tenso sem que seja uma série com muitas cenas de ação - se é que tem alguma. Toda a inquietação que surge se desenrola basicamente entre um “duelo” de interpretações entre os dois atores, Steve Carell e Domhnall Gleeson.

Carell, como já disse, dá um show em sua interpretação contida, mas angustiada, de um psicólogo experiente que se vê confrontado com uma situação para a qual, obviamente, não tem nenhum preparo. A riqueza em vê-lo atuar nesse papel é a de observar a sua performance cheia de nuances, em que se observa um homem e um profissional que luta para continuar minimamente equilibrado em uma situação extrema.

Já o irlandês Domhnall Gleeson (que ganhou destaque ao estrelar um dos episódios mais perturbadores de Black Mirror) está muito próximo ao nível de entrega de seu parceiro em cena. Seu serial killer é mostrado como um homem comum e quase ordinário, com pequenas obsessões alegres (como a devoção por um artista country e o prazer pela gastronomia), mas que carrega uma névoa dentro de si que o incomoda mais do que a série consegue mostrar.

Sam, o serial killer, ainda nutre uma relação complexa com a mãe, que o protege ao não revelar seus crimes à polícia e acaba se tornando sua cúmplice. As tonalidades obscuras desse relacionamento, ainda que sejam apenas tangenciadas ao longo dos dez episódios, estão também entre os momentos em que o roteiro de The Patient se torna brilhante.

Há, por fim, um plot que sugere uma nova temporada, o que causa curiosidade sobre o que será desdobrado pelos produtores para uma possível continuação. Para quem gosta de uma série capaz de nos tirar da zona de conforto, The Patient é uma atração ideal.

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