As We See It: a comovente (e dura) realidade do autismo (Crítica)

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Imagem: Amazon Prime

Na primeira cena de As We See It, do Amazon Prime Video, um jovem um pouco acima do peso é encorajado a cumprir uma tarefa aparentemente simples: atravessar uma quadra que separa a casa dele de um café. Basicamente, precisa andar uns poucos metros para comprar um doce.

Mas é algo bastante complicado para Harrison (Albert Rutecki). Tudo é muito desafiador: passar por um cachorro, ouvir um barulho de um carro, ser encarado por uma mulher com um bebê no colo. Para fazer a travessia, o rapaz coloca um fone de ouvido e conta com o apoio de Mandy (Sosie Bacon, de Mare of Easttown), que fala ao telefone com ele e o encoraja rumo a uma vitória que, para a maior parte das pessoas do mundo, é apenas uma banalidade.

A abertura delicada de As We See It já deixa claro do que a série trata: da vida das pessoas que estão no espectro do autismo. Para elas, lidar com coisas vistas como cotidianas (como estímulos sensoriais, regras de sociabilidade, formas de lidar com frustrações) é extremamente difícil. E é isso que passamos a ver nessa comovente série que gira em torno de três amigos que buscam, dentro das possibilidades, obter autonomia.

Há uma espécie de onda de séries que falam sobre grupos minoritários que, em outros momentos históricos, ficavam restritos a personagens isolados (isto é, quando de fato existiam na ficção). Provavelmente a narrativa recente mais famosa sobre autismo é Atypical, da Netflix, que, durante quatro temporadas, exibiu a luta do jovem Sam Gardner para se tornar independente da família.

Entretanto, há uma diferença crucial entre As We See It e Atypical: na série do Amazon Prime, os atores estão, de fato, dentro do espectro autista. Não se trata apenas de representar essa condição, mas sim de vivenciá-la. Ou seja, As We See It vai além da representação e consegue ser representativa dessa camada da população.

A busca de um retrato realista do autismo

(Fonte: Amazon Prime)(Fonte: Amazon Prime)Fonte:  Amazon Prime 

Na série, Harrison, Violet (Sue Ann Pien) e Jack (Rick Glassman), de 25 anos, enfrentam o desafio de morar sozinhos em um apartamento bancado pelas famílias. Eles compartilham uma cuidadora, Mandy, que é responsável por interagir com o grupo e cuidar dele. Mandy os auxilia nas dificuldades e coloca metas para que, aos poucos, eles possam superar as limitações e, por fim, conquistar autonomia.

Cada um deles enfrenta problemas específicos. Harrison é doce, mas solitário, e não consegue enfrentar espaços públicos nem fazer amigos. Jack é um programador talentoso, mas não consegue entender que não pode ser absolutamente sincero no ambiente de trabalho e não deve, por exemplo, chamar o chefe de burro. Já Violet tem uma comovente obsessão em se encaixar e conseguir viver uma vida normal com um namorado a quem possa amar e com quem possa fazer sexo.

Criada por Jason Katims — que produziu e escreveu Friday Night Lights, e tem um filho autista — e baseada em uma série israelense, As We See It é tão tocante quanto triste. É possível se identificar com os sofrimentos tão diversos que acometem os personagens, embora isso não signifique estar na pele deles. Por exemplo, a busca de Violet pelo amor é desesperadora e nos faz desejar que ela consiga em breve encontrar um par. Por outro lado, As We See It não se furta de mostrá-la intempestiva e mesmo mesquinha com os outros autistas.

O foco nos cuidadores

(Fonte: Amazon Prime)(Fonte: Amazon Prime)Fonte:  Amazon Prime 

Penso que um dos grandes diferenciais de As We See It é a forma muito franca que ela tem de abordar quem está em torno dos três autistas. Ou seja, foca também os cuidadores – sejam os amigos, sejam familiares. Todos estão em visível sofrimento pela dureza que existe na convivência com pessoas neurodivergentes.

Claramente, o destaque é dado a Mandy: a "ajuda" (como é definida pelas três famílias). Ela é uma profissional contratada para dar apoio ao trio dentro do apartamento e na vida. Fica bastante nítido que Mandy ama os três e está profundamente envolvida com eles, mas que precisa lidar com a própria vida pessoal e as escolhas que faz — mais especificamente, se vai partir para um curso de Medicina, o que significará "abandonar" os protegidos.

Ainda assim, Mandy é uma personagem relativamente simples perto dos parentes de Violet, Harrison e Jack. A grande riqueza está no retrato um tanto agridoce projetado sobre essas pessoas, que amam profundamente os filhos e irmãos, mas precisam também ser um pouco egoístas para conseguirem preservar a própria vida.

A história mais marcante é a de Van (Chris Pang), o irmão de Violet, que é controlador e, de alguma forma, usa a irmã para negligenciar os próprios relacionamentos. Há uma dinâmica semelhante com o pai de Jack (Joe Mantegna, de O poderoso chefão III), que acaba de descobrir que tem um câncer, mas está mais preocupado em imaginar como será o futuro do filho sem ele do que efetivamente encarar o tratamento.

Ainda assim, penso que o tema mais tocante está nos pais de Harrison, que planejam se mudar sem o filho para dar uma chance para o próprio casamento. A mãe, em específico, sente-se "abandonando o bebê" depois de uma vida inteira dedicada a ele e aos programas dele. Criticá-la, como a série esclarece, só é possível para quem é completamente incapaz de se colocar no lugar do outro.

A série, que tem oito episódios curtos, pode soar como um respiro em meio a grandes dramas ou histórias épicas. Mesmo que tenha um tom de tristeza, é também leve e até bem-humorada, mostrando que falar de autismo não precisa focar sempre em representar o sofrimento. As We See It pode parecer uma obra menor em tempos de tantas séries grandiosas, mas não se engane: ela merece ser conferida por todo mundo, mesmo por quem se vê como "normal" — que, no fim das contas, talvez não seja um conceito tão simples assim.

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