Mare of Easttown: série da HBO destaca talento de Kate Winslet (crítica)

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Imagem: HBO Max

Poucos gêneros são tão deliciosos de se assistir quanto o policial. As histórias de investigação, baseadas na coleta de pistas e nas descobertas que se revelam aos poucos, costumam ser envolventes porque abrem espaço para que o leitor (ou espectador, no caso de filmes e séries) participe da trama. De alguma forma, ele é convidado a brincar de detetive e chegar até a resposta (o famoso whodunnit, ou “quem matou”?) antes que ela seja apresentada pela narrativa.

Ocorre também que o policial é um dos gêneros mais antigos que conhecemos – e, por consequência, um dos mais explorados. Autores clássicos como Agatha Christie, Arthur Conan Doyle, Raymond Chandler, dentre tantos outros, nos alimentaram com obras e histórias que nos acostumaram a jogar este tipo de jogo. Por isso, toda vez que alguém adentra nesse terreno, há um desafio: como fazer algo novo em cima de um gênero já explorado tantas e tantas vezes?

A aclamada minissérie Mare of Easttown, do HBO Max, encontra sua qualidade justamente nesse ponto: é uma série policial, mas o crime em si não é a coisa mais importante aqui. Ele talvez seja apenas o mote para traçar um estudo de personagem em torno da instigante Mare Sheehan, personagem vivida de forma magistral por Kate Winslet, vencedora do Emmy por esse papel.

A trama de Mare of Easttown tem algo de banal. Numa cidadezinha, dessas em que todo mundo se conhece, no estado da Pensilvania, nos Estados Unidos, uma policial precisa investigar a morte de uma jovem mãe solteira, que é encontrada numa floresta, seminua, aparentemente morta por estrangulamento. Erin (Cailee Spaney), a moça assassinada, que segue aparecendo em flashback, é mais uma moradora corriqueira de uma cidade de pessoas corriqueiras, e teve uma vida digna de pena. Sua morte parece nada importante para muita gente, mas Mare tem um senso de obrigação com todos na cidade. As pistas sobre seu assassinato são muitas: a moça tinha um pai violento, mantinha um namorado secreto na internet, e sofria bullying da atual namorada do pai do seu filho. Há suspeitos por toda parte, e ninguém parece disposto em revelar alguma coisa.

Como comentei no início do texto, o policial é um gênero constantemente revisitado – por isso mesmo, dá para notar várias “homenagens” na história contada em Mare of Easttown. O clima lúgubre da cidade, com um ar pesado pelos segredos escondidos dentro das casas, lembra um pouco Twin Peaks, minissérie icônica dirigida por David Lynch. O ar “caipiresco”, colocando o interior como um local perigoso e sempre tenso, remete um pouco à história contada em Ozark, da Netflix, em que uma família tem que lidar com as dívidas com um cartel de drogas.

Em Mare of Easttown, Kate Winslet contracena com Evan Peters, também indicado ao Emmy.Em Mare of Easttown, Kate Winslet contracena com Evan Peters, também indicado ao Emmy.Fonte:  HBO Max 

Ao longo dos sete episódios de Mare Of Easttown, a trama se desenrola para outros caminhos que vão tornando o suspense cada vez mais interessante. Há outro crime não resolvido na cidade, que é o desaparecimento de outra moça, sem que seu corpo nunca seja encontrado. A mãe desta moça é uma amiga da detetive Mare na juventude, e segue cobrando a polícia por respostas e a acusando de negligência no caso da filha. Ou seja, as complexas tramas parentais e de amizade entre os moradores desta minúscula cidade são, na verdade, a tônica da tensão que se desenrola a cada capítulo.

Mas como o título desta coluna explicita, Mare Sheehan é a alma dessa minissérie. É quase como se todos os mistérios operassem como uma “desculpa” para poder construir essa personagem fascinante, tão aborrecida quanto trágica. Mare parece carregar o mundo nas costas: é uma espécie de heroína na cidade, tanto por seu passado (quando foi uma estrela do time de basquete) quanto por sua atuação no presente, no papel de protetora geral, por meio de sua função na polícia. Todos parecem depender dela – que, por sua vez, não se mostra disposta a depender de ninguém.

Mare, de fato, é uma personagem endurecida, que aos poucos vai revelando o seu próprio inferno particular. Separada, mora no mesmo quintal que seu ex-marido, a quem vê todos os dias numa relação cada vez mais próxima com a namorada, prestes a se tornar esposa. Profundamente humana, a policial quase nunca consegue ser uma pessoa agradável – ao mesmo tempo em que está atrelada sem folga às suas obrigações com os outros, como um pilar (nesse sentido, há coincidência com outra personagem de minissérie recente: Mare lembra um tanto a protagonista de Olive Kitteridge, também da HBO, que amarga uma depressão enquanto sustenta as necessidades de sua família).

Aos poucos, descobrimos que parte da angústia pujante em Mare Sheehan se deve a uma tragédia: seu filho, com quem tinha uma péssima relação, se suicidou há pouco tempo. Há muito a ser resolvido (e há como?) nesta mãe tomada pela culpa e pela raiva, e cujos sentimentos enterrados acabam por impactar quase todos em sua volta.

O trabalho de Kate Winslet é primoroso, e a confirma como uma das grandes atrizes de sua geração. Kate, como já é costume, se desnuda de uma vaidade esperada a estrelas de cinema e constrói uma Mare humana e falha, com pouca maquiagem (eu não diria que ela foi “enfeiada”, como li em algumas críticas). Tem um belo trabalho corporal que lembra também Frances McDormand (de Olive Kitteridge e de Nomadland, vencedor de melhor filme e melhor atriz no Oscar 2020). Mare não é muito aprazível, mas é impossível não torcer por ela ao longo da minissérie.

Vale destacar também que a obra tem como trunfo a constituição de um elenco afinado, que chegou a ser reconhecido pelos principais prêmios da área. A mãe de Mare é vivida pela veterana Jean Smart (que foi indicada ao Emmy simultaneamente por Mare of Easttown e pela ótima Hacks). Além disso, a série abocanhou mais um prêmio de atuação, para Julianne Nicholson, que faz a melhor amiga da Mare, e uma indicação para Evan Peters (famoso por American Horror Story), que atua como um detetive chamado para ajudar na resolução dos casos.

Surpreendente mesmo para quem está habituado ao gênero policial, Mare of Easttown faz jus aos prêmios recebidos, e mostra que o formato minissérie (com histórias que se resolvem em apenas uma temporada) talvez pudesse ser mais explorada pelos gigantes do streaming.

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