Projeto quer regulamentar a profissão de influenciador digital no Brasil

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Imagem: Gettyimages

Todos sabem que o Brasil é um dos países mais burocráticos do mundo, que tenta regulamentar internet, criptomoedas, redes sociais, enfim, tudo o que possa de uma forma ou de outra gerar mais tributos para o governo.

São leis, decretos, portarias, normas técnicas, além de outros, ou seja, um grande número de legislações que fazem nós, advogados, ficarmos confusos. Imagine, então, quem não é advogado como fica.

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Agora, pelo Projeto de Lei (PL) nº 2347/2022, apresentado pelo deputado José Nelto (PP/GO), querem criar ou regulamentar uma suposta nova profissão chamada de “influenciador digital profissional”, isto é, pessoas que se tornam formadoras de opinião de uma sociedade hiperconectada, onde qualquer um tem direito de exercer uma profissão e ganhar dinheiro de forma honesta, já que informam e fomentam o acesso à informação e ao conhecimento — tal como são as regras estabelecidas nos incisos II, V e VI do artigo 2, bem como o inciso I do artigo 3 e o II do artigo 4, do chamado Marco Civil da Internet.

O que acontece se o projeto for aprovado?

Se esse PL for aprovado, a situação vai ficar bem complicada para quem quer se tornar um influenciador digital ou para quem já está nessa área, porque são diversas exigências para ocupar o cargo.

Pelo artigo 6 do PL, os influenciadores digitais profissionais deverão se cadastrar e ter autorização para o exercício da sua profissão. É isso mesmo meus queridos ou aspirantes a influencers! Vocês terão que se cadastrar e pedir a "benção" do Governo Federal para exercerem a sua atividade de forma livre e desimpedida. Quem sabe não é criado um sindicato, uma agência reguladora, e vocês passam a ter que recolher contribuições além daquelas referentes às notas fiscais emitidas, não é mesmo?

E tem mais! Se um influenciador quiser falar sobre um determinado assunto, tem que apresentar “conhecimento técnico” — que é representado por um título de graduação naquele assunto. Parece brincadeira, mas isso está previsto no artigo 7. Só com isso é que a pessoa poderá ser considerada um verdadeiro influenciador digital profissional; se não, a sua profissão será enquadrada sabe-se lá em qual das que já existem no mercado.

Eu sou amante da culinária (cozinho muito bem uma comida libanesa), mas nunca posso dizer que sou chef de cozinha ou formado em Gastronomia, mas posso falar que eu sou cozinheiro porque faço isso de forma amadora. Portanto, a falta de “diploma” não me impede de escrever e falar sobre o assunto, indicando restaurantes, pratos de que eu mais gosto e até mesmo postando algumas receitas executadas por mim de forma amadora, ou seja, isso não é empecilho para que eu seja identificado como um influenciador digital profissional ligado a assuntos da culinária e da gastronomia.

Uma coisa é a profissão em si, outra é influenciar pessoas pelas redes sociais. 

Inclusive, por exemplo, pessoas com muita experiência em Economia, mas que não são economistas, se derem dicas para o povão sobre como poupar ou ganhar dinheiro ou se forem jornalistas e tiverem um canal em que se discute o assunto, mesmo que tenham milhões de seguidores, não poderão ser chamados de “influenciadores digitais profissionais”. Será que serão chamados de “palpiteiros”?

Aqui fica uma pergunta: qual é o critério para que uma pessoa qualquer seja considerada influenciadora digital profissional? O que é preciso ter ou fazer? Quantos seguidores? É preciso ter “experiência”?

Criador de conteúdo digitalSe o projeto de lei for aprovado, os criadores de conteúdo digital terão que se cadastrar para exercerem a sua atividade de forma livre.Fonte: Gettyimages

O que diz a Constituição

Mas vamos ver por que esse PL pode ser considerado inconstitucional e não pode ser aprovado do ponto de vista jurídico.

A Constituição Federal, no inciso XIII do artigo 5, assegura que o exercício de qualquer profissão é livre, respeitada as qualificações que a lei exigir. Porém, essas qualificações não podem impedir que os cidadãos exerçam essas profissões se as exigências forem descabidas, como a de diploma de graduação e cadastro, porque o parágrafo único do artigo 170, também da Constituição Federal, diz que todos podem exercer qualquer atividade econômica independentemente de autorização, salvo em casos específicos como bancos e jornais.

Ainda, essa exigência é uma verdadeira discriminação entre quem teve a chance de fazer uma faculdade e aquele que não teve, afrontando a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, da igualdade, da liberdade de expressão, da livre concorrência, da busca pelo emprego e tantos outros. Dessa maneira, discrimina pessoas, pois só quem estudou é que pode ser chamado de influenciador digital profissional, e quem não estudou, sabe-se lá do que será chamado.

Essa discriminação pode ocasionar uma defasagem nos pagamentos pelos serviços dos influenciadores, já que sem o “título de influenciador digital profissional” pode ser que as agências queiram pagar valores diferenciados pelos posts ou pela publicidade que eles fizerem.

E o tal cadastro serve para qual finalidade? Em que momento a pessoa deve fazer? Quais são os critérios? É tudo extremamente vago!

Segundo a própria lei da liberdade econômica, a Lei nº 13.847/19, no artigo 2, um dos princípios é a garantia de liberdade no exercício das atividades econômicas e a excepcionalidade da intervenção do Estado nessas atividades. Porém, mais uma vez o governo quer regular uma atividade, colocando entraves e mais entraves no desenvolvimento e na livre iniciativa, o que se remete, ainda, ao inciso I do artigo 3 dessa mesma lei.

Nesse ramo de atuação, o que manda não é a lei, mas sim a quantidade de seguidores da pessoa, a qualidade do material criado, se ele é ou não coerente com o que se cria, se respeita o público e fala a linguagem dele. Em suma, se o mercado gosta ou não do seu conteúdo.

Torço para que esse PL não seja aprovado, pois, do contrário, certamente os influenciadores digitais atuais e futuros terão dificuldades para exercer a sua atividade e, provavelmente, teremos que ingressar com ações judiciais contra essa regulamentação.

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