Louco ou visionário? Redator do TecMundo implantou um chip no corpo [vídeo]

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Confesso que nem eu mesmo acreditava que teria coragem para fazê-lo. Lembro que ainda fiquei levemente aturdido depois do procedimento, demorando algumas horas até aceitar o que havia acabado de acontecer. Não era um sonho. Eu havia tomado meu primeiro passo em minha jornada para ser um ciborgue. Eu havia, de fato, implantado um componente eletrônico dentro do meu corpo.

Ser metade homem e metade máquina é um sonho que eu possuo desde criança – e que só cresceu conforme eu pesquisava sobre Neil Harbisson, Kevin Warwick, Steve Mann e outras figuras internacionais que possuem partes cibernéticas trabalhando em perfeita harmonia com suas partes biológicas. Eu sempre quis ser – como eu mesmo apelidei – um ser humano 2.0, uma criatura com capacidades aprimoradas através de métodos artificiais.

Pode parecer loucura, mas acredite: conforme já havia explicado em um artigo anterior, a prática de inserir implantes cibernéticos de forma praticamente caseira já é razoavelmente comum em muitos países ao redor do mundo. É chamado de biohacking: o ato de hackear o seu próprio corpo, de fazer um upgrade de si próprio como quem faz um upgrade de um computador. É brincar de Deus.

Não é difícil encontrar quem fique perturbado ao adentrar no universo do transumanismo e conhecer a fundo o grupo de cidadãos que planeja ser a nova raça humana; indivíduos dispostos a forçar a evolução de sua espécie usando as próprias mãos, passando por procedimentos cirúrgicos dolorosos e usando a si mesmos como cobaias. Eu não fiquei perturbado: muito pelo contrário. Eu decidi me tornar um deles.

De onde surgiu essa ideia maluca?

A filosofia do transumanismo (doutrina da qual se originou o biohacking) é muito simples: ela defende o uso da tecnologia para superar as nossas limitações naturais – sejam elas físicas ou psicológicas. Isso engloba um sistema imunológico aprimorado, sentidos mais aguçados, maior expectativa de vida e – por que não? – a eventual imortalidade.

O termo foi criado em 1957, pelo biólogo londrino Julian Huxley, que definiu o conceito como “homem continuando homem, mas transcendendo, ao perceber novas possibilidades de e para sua natureza humana”. Hoje, contudo, temos uma caracterização mais objetiva e universal da palavra: um conglomerado de práticas e filosofias que buscam nos guiar a uma condição pós-humana.

Por mais que o transumanismo seja uma doutrina bastante antiga, suas pesquisas relacionadas sempre caminharam a passos lentos. Burocracias e temores por parte de grandes institutos médicos e acadêmicos podem ser entendidos como as principais razões para o nascimento do biohacking, que adota algumas ideias do transumanismo sob a ótica hacker e DIY (do-it-yourself, ou faça você mesmo).

Steve Mann e seus óculos inteligentes permanentemente fixados em sua cabeça

Biohackers – também conhecidos como grinders – não são necessariamente especialistas em robótica, biologia, mecatrônica ou áreas afins, mas são movidos por uma grande ânsia pelo aprimoramento corporal através de recursos tecnológicos e sempre estão dispostos a aprender novos conceitos por si próprios. Com o tempo, esse “submundo” do transumanismo de garagem ganhou nomes notáveis – como a controversa Lepth Anonym, que virou notícia ao usar vodca para esterilizar seus bisturis – e foi ganhando força principalmente graças aos fóruns online.

Hoje em dia, não é difícil encontrar materiais detalhados sobre implantes cibernéticos caseiros na internet, tal como grupos de discussões recheados de membros dispostos a tirar dúvidas de grinders novatos. Apesar dos constantes conflitos éticos com a comunidade internacional de medicina, os biohackers se provam cada vez mais competentes em realizar modificações corporais tecnológicas de forma caseira, reduzindo riscos e diminuindo a complexidade dos procedimentos cirúrgicos.

Protótipo do Circadia, um chip implantável desenvolvido pela Grindhouse Wetware

O que é o chip e para que ele serve?

Incentivado por esses conceitos, decidi que começaria minha jornada para ser um ciborgue da forma mais simples possível: implantando um pequeno chip na minha mão esquerda. É um procedimento rápido, simples e com um nível diminuto de dor. O modelo escolhido foi o xNT, um chip fabricado pela empresa norte-americana Dangerous Things e projetado especialmente para ser implantado no corpo humano. Ele é revestido de vidro biocompatível e acompanha todos os acessórios necessários para a “instalação”: um campo estéril, gases, um band-aid, uma seringa e um pouco de antisséptico.

Ele funciona como uma tag NFC convencional: possui pouco mais de 800 bytes de memória que podem ser usados para armazenamento de dados diversos, tais como recados de texto e voz, URLs, cartões de visitas virtuais, formulários automáticos de email, mensagens SMS e assim por diante. Desprovido de bateria, o chip (que é do tamanho de um grão de arroz) fica desativado até entrar no campo eletromagnético de um dispositivo leitor – como um smartphone compatível.

Mais do que ser simplesmente um “pendrive wireless” dentro de seu corpo, o xNT pode ser usado como um item de segurança, servindo como chave para você desbloquear o seu telefone celular. Também é possível usá-lo para abrir fechaduras ou permitir a ignição de algum veículo qualquer, caso você tenha conhecimentos técnicos o suficientes para bolar um sistema desses usando microcontroladores (Arduino e Raspberry Pi) em conjunto com uma placa NFC.

xNT possui o tamanho de um grão de arroz

E como foi o procedimento?

O xNT pode ser implantado pelo próprio usuário, mas recomenda-se que um profissional capacitado na área de body modification seja consultado – dessa forma, evita-se problemas relacionados à infecção bacteriana. Obviamente, não é nada fácil encontrar profissionais dispostos a realizar tal cirurgia incomum.

Após muitas recusas, decidi que o procedimento seria feito por Rafael Leão, cujo estúdio de tatuagem e piercing (Dhar-Shan Body Art) localiza-se no município de Jundiaí (São Paulo). Visitei Rafael na manhã do dia 27 de agosto, me deslocando mais de 50 km apenas para realizar o implante. Tudo durou apenas alguns minutos e doeu menos do que eu esperava. Há certa ardência quando a agulha (de diâmetro razoável, tenho que observar) perfura a pele, mas é uma sensação longe de ser considerada insuportável.

Vale observar aqui – antes que conspiracionistas comecem a citar a Marca da Besta – que o xNT pode ser implantado em praticamente qualquer local do corpo, mas costuma ser inserido na mão justamente por ser o mais seguro, confortável e lógico (afinal, não faz sentido desbloquear seu celular esfregando-o em seu joelho, não é?). A área recomendada para o implante, região localizada entre os dedos indicador e polegar, é bastante maleável e consegue comportar o chip sem maiores problemas e protuberâncias.

Seringa utilizada durante o implante; repare no diâmetro respeitável da agulha

No fim do dia, eu já não sentia quase nenhuma dor e havia tirado o band-aid sem enfrentar sangramentos. Tive algumas pontadas ao escrever com agilidade durante o segundo dia após o implante, mas nada terrível. Esta matéria está sendo redigida uma semana depois do procedimento e estou completamente curado, ainda que a região do chip esteja com alguns hematomas (que são normais e devem desaparecer dentro de alguns dias).

Meu corpo, contudo, ainda está encapsulando o xNT em tecido fibroso; até que isso aconteça, devo evitar carregar peso e fazer demasiado esforço com a mão em questão. Já estou brincando bastante com o meu implante e devo dizer que valeu a pena. Sim, eu poderia muito bem usar um anel ou pulseira NFC, mas acessórios vestíveis não são tão confiáveis e íntimos como eu gostaria. Afinal, é impossível eu perder ou esquecer minha mão em casa, não é mesmo?

Além disso, para um apaixonado por tecnologia – como eu –, a sensação de ter dados armazenados dentro de seu próprio corpo é algo simplesmente sensacional. Com meu implante, eu finalmente entendi o que é ser um ciborgue: não consigo descrever em palavras o quão maravilhado eu fico ao lembrar, sempre que acordo, que possuo componentes internos capazes de se comunicar com os smartphones e computadores que tanto amo e utilizo ao longo de meu cotidiano.

Que outras loucuras você fará com o seu próprio corpo?

Em três ou quatro meses, eu colocarei um ímã de neodímio na ponta do meu dedo anelar da mão direita. Isso vai me permitir sentir as ondas eletromagnéticas emitidas por aparelhos eletroeletrônicos que usamos diariamente – fornos de micro-ondas, televisores, discos rígidos, celulares, geradores etc. E, se eu me cansar de tudo isso, eu posso simplesmente ficar brincando de levantar tampinhas de garrafa ou clipes com o meu dedo: tipo um Magneto, mas de proporções (bem) menores.

Esse procedimento será um pouco mais complicado e doloroso, visto que envolve abrir o dedo em questão com um bisturi, colocar o ímã lá dentro e fechar com uma sutura. Sem anestesia. Mas veja bem, vale a pena! É uma espécie de sexto sentido. Enquanto estamos acostumados a nos guiar por cheiros, tatos e paladares, eu passarei a me guiar também por uma sensação que pertence somente aos aparelhos eletrônicos e nada mais. É um novo mundo, uma nova forma de encarar esse cotidiano “informatizado” que já faz parte de nossas vidas. É ser um humano 2.0.

Um implante doloroso, mas bastante divertido...

E por fim... Um pequeno F.A.Q.

1) Você não tem medo de ser rastreado/vigiado/seguido pela CIA/FBI/NSA/Dilma?

Não. O xNT não possui um módulo de GPS e, como comentado anteriormente, sequer conta com uma bateria. Ele é completamente inútil até entrar no campo de um aparelho leitor, que “empresta” um pouco de energia para permitir a leitura dos dados armazenados. É difícil – senão impossível – pensar em um cenário de invasão de privacidade através do xNT. Se você pensou em um (que seja lógico e funcional), por favor, me avise.

2) Você consegue hackear tudo, tipo em Watch Dogs?

Não. Alguns pesquisadores e especialistas em segurança cibernética até conseguiram realizar alguns truques usando tags NFC, mas essa tecnologia dificilmente pode ser usada para fins maléficos. Afinal, meu chip possui apenas 800 bytes de memória – você conseguiria desenvolver um malware funcional com menos de 1 KB? No máximo você pode usá-lo para enviar uma URL de download que baixará um vírus no smartphone leitor, e este vírus fará o que você desejar dentro do telefone da vítima, mas... Venhamos e convenhamos, além de ser crime, há formas bem mais práticas de hackear um celular.

3) E se o chip fosse rejeitado pelo corpo? E se ele quebrar dentro da sua mão?

O xNT é revestido de Schott 8625, um vidro biocompatível próprio para implantes de qualquer espécie (e comumente utilizado no setor médico “profissional”). Sendo assim, é sumariamente impossível que seu corpo rejeite o chip. Quanto à possibilidade de ele se quebrar dentro do meu corpo, ela de fato existe, mas é bem pequena.

A Dangerous Things fez testes exaustivos com o chip e determinou que ele é bastante resistente quando implantado dentro do corpo humano. O próprio fundador da empresa, Amal Graafstra, possui um chip em cada mão e afirma que eles continuaram bem mesmo depois de alguns “acidentes graves”.

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