Ciência

Ignorados, astrócitos explicam como nosso cérebro armazena tanta informação

Novo modelo teórico desenvolvido por pesquisadores do MIT integra neurônios e astrócitos em rede de memória associativa que modula conexões sinápticas.

Avatar do(a) autor(a): Jorge Marin

03/06/2025, às 15:15

O artigo "Memória associativa neurônio-astrócito", publicado recentemente na revista Proceedings of the National Academy of Sciences, utiliza propositalmente um termo técnico da informática e da engenharia da computação para apresentar uma visão inovadora sobre o funcionamento da memória no cérebro humano.

Nesse modelo teórico, elaborado por pesquisadores do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), os astrócitos, células gliais vistas tradicionalmente como coadjuvantes, assumem um protagonismo inédito, passando a desempenhar um papel ativo e fundamental na formação e armazenamento da memória.

Além de cerca de 86 bilhões de neurônios, que transmitem sinais elétricos para armazenar memórias e coordenar informações e comandos pelo sistema nervoso, o cérebro humano contém bilhões de astrócitos, células com formato de estrela e prolongamentos longos e ramificados que permitem múltiplas conexões.

Revendo o papel dos astrócitos na memória humana

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Versão abstrata de um astrócito, mostrando seus processos, e a idealização matemática de minicircuito com um único astrócito. (Fonte: Leo Kozachkov, PNAS, 2025/Divulgação)

Coautor do estudo, o professor Jean-Jacques Slotine explica em um comunicado: “Originalmente, acreditava-se que os astrócitos apenas limpavam ao redor dos neurônios, mas não há nenhuma razão específica para que a evolução não tenha percebido que, como cada astrócito pode contatar centenas de milhares de sinapses, eles também poderiam ser usados para computação”.

Diferentemente dos neurônios, os astrócitos não geram impulsos elétricos, comunicando-se quimicamente via cálcio: eles enviam sinais por meio de prolongamentos que envolvem sinapses neuronais. Essa estrutura tripartida permite que liberem gliotransmissores, que modulam a função sináptica e criam um sistema de retroalimentação com a atividade neuronal.

Entretanto, mesmo sabendo que os astrócitos influenciam a comunicação neuronal, não sabemos exatamente quais cálculos ou processamentos eles realizam com as informações que recebem dos neurônios. Com o novo estudo, a perspectiva é que possamos compreender melhor essas funções computacionais, bem como o funcionamento da memória humana.

Modelando redes neurais

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Capacidades de correção de erros da rede neurônio-astrócitos. (Fonte: Leo Kozachkov, PNAS, 2025/Divulgação) 

Para modelar como os astrócitos contribuem para armazenamento de memória, os autores usaram redes de Hopfield, um tipo de rede neural artificial desenvolvida na década de 1980, que armazena e recupera padrões, mas se limita a conexões simples entre neurônios, sendo incapaz de abranger a vasta capacidade de memória do cérebro humano. 

Para superar essa limitação, a equipe usou uma versão modificada chamada "memória associativa densa", capaz de armazenar muito mais informações por meio de acoplamentos entre múltiplos neurônios simultaneamente. Porém, as sinapses convencionais conectam apenas dois neurônios, uma célula pré-sináptica e uma célula pós-sináptica

Tentando resolver esse enigma biológico, os astrócitos precisam entrar em ação. “Para construir memórias associativas densas, é necessário acoplar mais de dois neurônios”, diz o coautor Dmitry Krotov. Como um único astrócito se conecta a muitos neurônios e a muitas sinapses, os autores sugerem que há transferência de informação entre sinapses mediada pelos astrócitos. 

Aplicações do novo modelo de memória associativa neurônio-astrócito

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O modelo de memória associativa neurônio-astrócito pode orientar novas pesquisas em IA. (Fonte: Getty Images/Reprodução)

Ao tratar astrócitos como coleções de processos computacionais independentes, o modelo neurônio-astrócito do MIT supera as redes de Hopfield tradicionais. Sua arquitetura híbrida permite comunicação entre múltiplas sinapses ao mesmo tempo, criando memórias com alta capacidade de armazenamento e eficiência energética crescente conforme a rede expande.

Para validar o modelo, os pesquisadores precisam desenvolver métodos para manipular as conexões entre processos dos astrócitos e observar seus impactos na função mnêmica. "Esperamos que uma das consequências deste trabalho seja que os experimentalistas considerem esta ideia seriamente e realizem alguns experimentos testando esta hipótese", diz Krotov.

Além de oferecer insights sobre o armazenamento cerebral de memórias, o novo modelo pode orientar pesquisas em IA, afirma Krotov. Na verdade, o trabalho pode ser uma das primeiras contribuições da neurociência moderna com o desenvolvimento algorítmico, após as duas áreas de conhecimento terem ficado afastadas nos últimos 50 anos, conclui.

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Por Jorge Marin

Especialista em Redator

Redator do Mega Curioso e do TecMundo, Jorge Marin escreve sobre Ciências e Tecnologia desde 2019, conectando conhecimento acadêmico com experiências humanas do dia a dia. É psicólogo, cinéfilo e botafoguense inveterado.