O que é o calendário cósmico e como ele explica a história do universo?

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*Este texto foi escrito por um colunista do TecMundo; saiba mais no final.

Todo ano é único na história da humanidade. Não há uma sequência de 365 dias (ou 366 dias, ocasionalmente) em que não ocorram eventos de importância fundamental para o decurso dos tempos. Com o final de mais um ciclo de revolução terrestre, é natural que guiemos os nossos pensamentos para as lembranças de tais momentos, em escala individual e coletiva, e que também criemos boas expectativas pelo momento em que iremos virar uma nova página no calendário.

De fato, parece não haver uma maneira melhor de começar um novo ano do que olhar para trás e entender como chegamos aonde estamos e decidir para onde queremos ir a partir desse ponto. Curiosamente, embora não pensemos nisso, essa mesma relação é verdadeira para todo o Universo!

Em 1977, um dos maiores e mais exímios divulgadores científicos de todos, o astrônomo estadunidense Carl Sagan, popularizou uma nova forma de contar o tempo em seu livro Os Dragões do Éden: o calendário cósmico. Trata-se de uma maneira de traçar a história do Cosmos — a história comum de cada estrela, planeta e galáxia — desde o momento em que não havia literalmente nada até este exato instante.

Para entender esse conceito, a primeira coisa que temos que ter em mente é que o nosso Universo existe há 13,8 bilhões de anos desde o Big Bang. Esse intervalo de tempo é tão incrivelmente longo e tão distante de nossa experiência humana cotidiana que é comumente difícil imaginar uma escala dessa natureza. Entretanto, podemos nos valer deste curioso e divertido artefato teórico para nos ajudar a compreender a história cósmica. Pense da seguinte maneira: imagine que todo esse tempo, todos esses 13,8 bilhões de anos, foram comprimidos para caber em um único ano civil de 365 dias.

O Calendário Cósmico: 13,8 bilhões de anos comprimidos em um ano.O Calendário Cósmico: 13,8 bilhões de anos comprimidos em um ano.Fonte:  EFBrazil 

Nessa brincadeira, o primeiro instante do primeiro dia de janeiro marcaria o momento exato do Big Bang e, ao invés de 24 horas, cada “dia” desse calendário duraria cerca de 37,8 milhões de anos. Nessa relação, nós não temos acesso aos primeiros minutos do Universo a não ser utilizando ferramentas teóricas: o primeiro registro do Universo primordial que chega nos nossos instrumentos, a radiação cósmica de fundo, só seria emitida 14 minutos após o Big Bang.

Desde lá, seguiu-se um Cosmos que se expandiu, esfriou e formou estruturas desde então. As primeiras estrelas só se formaram no dia 3 de janeiro e as primeiras galáxias se formaram alguns dias cósmicos depois, surgindo nas primeiras horas do dia 26 de janeiro. Nos últimos dias deste mês, alguns proto-aglomerados de galáxias começariam a se formar.

Representação artística da Via Láctea.Representação artística da Via Láctea.Fonte:  NASA 

A nossa galáxia, a Via Láctea, só começaria a se formar no dia 16 de março, ficando completa, isto é, na sua forma atual, quase dois meses depois, ao meio-dia de 13 de maio. O nosso Sistema Solar, muito mais jovem na história cósmica, se formou nas primeiras horas do dia 2 de setembro e a Terra se formou nesse mesmo dia, apenas alguns minutos depois. Nossa Lua se formou um dia depois.

De forma impressionante, dessa perspectiva, a vida surgiu na Terra relativamente rápido. No dia 14 de setembro, seriam encontrados os primeiros remanescentes de vida biótica e no dia 21 desse mesmo mês, as primeiras formas de vida (células procariontes) se formaram. Contudo, o primeiro organismo capaz de se reproduzir sexualmente, um eucarioto unicelular, não evoluiu até o dia 2 de dezembro e os primeiros animais simples só surgiram no dia 7 de dezembro. Na manhã do dia 30 de dezembro, ocorre um evento celestial massivo: um enorme asteroide colide com a Terra extinguindo os dinossauros e uma parcela significativa de toda a vida na Terra.

Nós, os membros da espécie homo sapiens, só aparecemos no planeta às 23h53 do dia 31 de dezembro e só inventamos a agricultura nos últimos 28 segundos deste dia. As pirâmides de Gizé foram construídas nos últimos 10 segundos e, nos últimos 5 segundos, Jesus Cristo apareceu na Terra em um momento em que o Império Romano também vivia um período de auge. A história moderna da humanidade é tão recente que pode ser comprimida inteiramente no último segundo do dia cósmico de 31 de dezembro.

Nessa escala, um segundo equivale a aproximadamente 440 anos e apenas nos últimos 0,5 segundos já modificamos e danificamos mais a Terra do que qualquer momento em toda a sua história cósmica. É possível que, se não adotarmos uma postura mais consciente perante o nosso planeta, possamos deixar de existir como espécie em uma fração de segundo ainda menor.

Uma única vida humana dura apenas cerca de 0,2 segundos. O que você tem feito com esse tempo?

Nícolas Oliveira, colunista do TecMundo, é licenciado em Física e mestre em Astrofísica. É professor e atualmente faz doutorado no Observatório Nacional, trabalhando com aglomerados de galáxias. Tem experiência com Ensino de Física e Astronomia e com pesquisa em Astrofísica Extragaláctica e Cosmologia. Atua como divulgador e comunicador científico, buscando a popularização e a democratização da ciência. Nícolas está presente nas redes sociais como @nicooliveira_.

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