Quando acaba a pandemia?

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Essa é a pergunta que mais recebo ultimamente. Assim como Pedro Hallal em seu artigo na Folha de SP, topo o desafio de responder.

O contexto atual da pandemia no Brasil é favorável, tendo como referencial a série histórica local. Com a queda nas hospitalizações por COVID-19, não há colapso do sistema de saúde. Apesar de os óbitos estarem em patamares equivalentes ao pico de julho, a tendência é de queda. Mas porque o otimismo se estamos com o mesmo número de óbitos que o pico de 2020, que na época justificou medidas rigorosas de restrição de mobilidade?

As forças que movimentam a dinâmica epidemiológica são diferentes comparando os dois momentos (pico de 2020 x atual). Antes, dependíamos mais da redução das interações entre interpessoais. Hoje, temos muito mais pessoas imunes (seja por vacina ou pela própria infecção). Hoje testamos mais e temos melhor capacidade de detectar casos e isolar (apesar de ainda muito aquém da necessidade). Ou seja, os fatores que seguram a epidemia hoje são mais sustentáveis e menos dependentes de mudanças radicais no comportamento individual.

Mas não se enganem, ainda dependemos em alguma medida das máscaras e outros cuidados, como dar preferência a encontros em ambientes abertos ou muito bem ventilados. Isso porque a imunidade, por si só, provavelmente não é suficiente para permitir a liberação geral e completa de todos os cuidados. Ainda mais quando se fala na nova variante Delta.

A propósito, a variante Delta é a principal variável de incerteza para a resposta à pergunta do milhão. Tão transmissível quanto a varicela, tem o poder de mudar as regras desse complexo jogo de variáveis.

O nível de imunidade necessário para conter a circulação viral está ainda mais alto, acima de 80%. Mas atenção! Não confundir imunizados com vacinados. Ter 80% da população vacinada não significa que há 80% de imunizados, pois isso depende da eficácia vacinal em reduzir transmissões. Se a vacina confere redução de 80% das transmissões e se 80% da população é vacinada, significa que haverá 64% (0,8 x 0,8) de imunizados.

A gravidade da infecção pelo Delta é provavelmente maior. Segundo um estudo publicado no Lancet com dados do sistema de saúde da Escócia, a chance de hospitalização é 85% maior.

Em relação à eficácia, as vacinas ainda exercem definitivamente um papel altamente relevante contra o Delta. Porém, as duas doses necessárias para a imunização plena se fazem mais importantes, já que uma dose confere uma proteção inferior quando comparada às variantes anteriores. Ainda nesse tópico, não podemos simplificar a questão com um único número mágico da eficácia.

Primeiro, devemos estabelecer qual é o desfecho de interesse (infecção, infecção sintomática, hospitalização, óbito, transmissão) que se pretende avaliar. Segundo, qual é o efeito do tempo nessa eficácia? Terceiro, o quanto novas variantes alteram a eficácia para cada um dos desfechos e ao longo do tempo? Cada vacina possui efeitos diferentes a cada uma dessas questões. Dificilmente uma vacina será superior em todos esses aspectos quando comparado às demais. Provavelmente haverá pontos fortes e fracos de cada uma. Isso tudo deverá ser ponderado dentro de um plano de imunização de mais longo prazo, seja quanto à opção da vacina a ser utilizada, seja quanto à frequência de repetição. Essas reflexões já foram discutidas em um outro artigo que escrevi no TecMundo.

Agora o leitor deve estar furioso, achando que não irei responder à pergunta. Mas não vou me furtar de estimar o prognóstico. Venho com uma má e outra boa notícia. A má é que o vírus continuará entre nós, pois a tendência é que o vírus passe a circular de forma endêmica. A boa é que, ao se tornar endêmico, não será mais necessário mudar de forma significativa o comportamento humano contemporâneo para manter o controle do vírus.

De forma um pouco menos precisa que meu colega e, portanto, mais conservador, prospecto que essa transição ocorrerá no primeiro semestre de 2022, entre janeiro e julho. Mas o processo tende a ser menos traumático do que já foi, com redução progressiva da pressão do sistema de saúde por conta da redução da faixa etária das infecções, com consequente queda na proporção de internamentos e óbitos em decorrência da infecção.

Ainda que o Delta coloque uma considerável dose de imprecisão nessa estimativa, outras variantes ainda não detectadas podem ser ainda mais problemáticas e a possibilidade de seu surgimento não pode ser negligenciada. O momento atual é de reforçar a vigilância para cada vez mais entendermos a situação epidemiológica rapidamente, a tempo de detectar a influência de novas condições que embaralhem novamente as cartas do jogo.

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Bernardo Almeida é médico infectologista e chief medical officer da Hilab.

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