Imagem de Hellblade: Senua's Sacrifice
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Hellblade: Senua's Sacrifice

Nota do Voxel
95

Uma experiência avassaladora que aponta para a luz no fim do túnel

Ao mesmo tempo que há nobreza e ousadia ao abordar um tema como a psicose, existe um risco que dá margem a uma série de diferentes interpretações e prerrogativas. O tema é controverso e geralmente direcionado a um amplo debate, de escala mundial, sob a ciência de que deve ser apresentado com a devida delicadeza. Mas Hellblade: Senua's Sacrifice toma o cuidado correto com a decisão.

Dificilmente poderíamos imaginar que essa discussão seria retratada em um jogo com temática celta e nórdica, mas Hellblade se propôs, desde o início, a oferecer uma experiência no mínimo diferente de tudo que existe por aí – para bem ou para mal.

Criadora de Enslaved: Odyssey to the West, Heavenly Sword e DMC: Devil May Cry, entre outros sucessos, a Ninja Theory, responsável pelo título, enfrentou alguns contratempos no desenvolvimento de Hellblade, que passou por mudanças desde seu anúncio na Gamescom de 2014.

O estúdio respeitou os três pilares que sempre destacou em seus jogos: combate simples e “classudo”, personagens com forte apelo emocional e direção de arte única. Coloque na conta um devaneio pelos confins e abismos da mente humana e você tem, como resultado, uma experiência audiovisual rápida, intensa, inspirada e sensorial na mesma proporção. É uma porrada quádrupla, cuja digestão se faz da maneira mais capciosa possível.

Os confins do tormento mental

Entrar na mente de Senua, a protagonista, é o mesmo que se aventurar por uma caverna escura: a tensão é permanente, cada passo dado pode reservar uma surpresa e, eventualmente, vozes ecoam de algum lugar – e elas podem ser fruto de nossa imaginação ou de uma realidade distorcida.

O jogo apresenta notável dedicação em abordar a mente humana e consegue botar peso e leveza em uma gangorra: cada lado, em algum momento, está na parte de cima. Um minidocumentário de 25 minutos sobre psicose pode ser conferido a partir do menu principal.

A jornada por um mundo sombrio na busca pelo amado, Dillion, acaba, na verdade, se tornando uma aventura de autodescoberta, cheia de representações místicas que favorecem o clima tenebroso 

A atriz Melina Juergens, que empresta voz e aparência a Senua, deixa em evidência o drama da personagem de maneira legítima – e, sobretudo, com o visível toque cênico. A atmosfera solitária consegue transmitir a ilusão de que a guerreira está acompanhada o tempo todo por causa das vozes conflitantes que pipocam em sua mente. E segue aqui uma dica do próprio jogo: ele foi concebido para os headphones. As vozes rodopiam seus ouvidos em 360 graus.

Algumas delas apoiam a heroína e a incentivam a seguir adiante; são como os grilos falantes dos contos da Disney. Outras funcionam como “diabinhos” que negativam todas as ações da personagem. Nada mais são do que as próprias vozes interiores de Senua, que vê miragens e outras manifestações de sua mente – como os assustadores olhos que nascem nas paredes e somem quando você se aproxima, entre outras coisas.

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A exploração da psique humana não é como em Town of Light, que também se propõe a passear pelos cantos mais nefastos da mente, só que dentro do horror. Ou como um Life is Strange, que tem todo o drama adolescente emprestado a “13 Reasons Why” e também explora filosoficamente alguns transtornos da enigmática estrada que atravessa nossa mente.

Hellblade consegue dosar as oscilações de emoção para transmitir a mensagem planejada. O sacrifício de Senua não está estampado no título por mero capricho. A história da personagem é uma jornada por um mundo sombrio no qual a busca por seu amado, Dillion, acaba, na verdade, se tornando uma aventura de autodescoberta, cheia de representações místicas que favorecem um clima tenebroso.

Mordi a língua: o combate está à altura

A imersão não deixa a peteca cair nem mesmo nos momentos do medíocre combate. E não se assuste com a sonoridade dessa palavra: medíocre está distante de ruim. Eu mesmo dei com a língua nos dentes sobre o combate de Hellblade, pouquíssimo exibido nos vídeos de divulgação anteriores ao lançamento. Ele existia? Do que se alimenta? Onde vive? O que faz?

O jogo confia na boa e velha fórmula do hack and slash, só que de maneira mais intimista. A pancadaria tem peso, cadência e estratégia equilibrados na medida certa, sem queimar a largada ou botar o pé no freio. E jamais subestima as habilidades do jogador ou deixa tudo muito confortável.

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Como a câmera fica muito próxima de toda a ação, similar ao que vai acontecer no novo God of War, por exemplo, você não consegue ter uma visão panorâmica dos arredores e, portanto, deve ter inteligência para intercalar defesa e esquiva nos momentos certos. Quem não fez escola com Dark Souls hoje em dia que atire a primeira pedra.

Como manda a cartilha do gênero, você tem direito ao “parry" quando uma defesa for aplicada no exato momento do ataque inimigo. Ao chocar sua espada com a arma do oponente, Senua pode dar um contra-ataque em câmera lenta e descer o sarrafo.

Desacelerar a ação dá um lindo toque cinematográfico às batalhas sem deixar o ritmo esfriar

Outra forma de desacelerar o tempo é pressionar o botão de foco quando o amuleto da guerreira brilha. Isso dá um lindo toque cinematográfico às batalhas sem deixar o ritmo esfriar. A movimentação se resume a ataques fracos, fortes, chute, defesa e esquiva, sem muita variedade ou malabarismo. Simples, intenso e brutal, assim como os chefes do jogo.

E os puzzles?

Tão importantes quanto o combate são os puzzles. Hellblade confia em uma única mecânica para a resolução deles: a junção de símbolos ocultos e a remontagem de alguns cenários. Basicamente, você precisa encontrar silhuetas que sejam iguais aos formatos dos desenhos exigidos para abrir determinadas portas.

A sacada dessa fórmula está na criatividade do level design: alguns formatos estão muito bem escondidos nas paisagens a olho nu. É a clássica cena em que a resposta está bem diante do seu nariz e você não enxerga – e logo em seguida bate com a mão na testa quando descobre a solução. Também há um modo foto para quem gosta de brincar com as screenshots. A morte permanente? Aparentemente, caiu por terra.

Alguns cenários precisam ser reimaginados e remontados por Senua para que a heroína possa prosseguir. A repetição desses quebra-cabeças em padrão sequencial, no entanto, esfria um pouco o ritmo. Por mais que os combates sejam fantásticos e a exploração, embora linear, seja satisfatória, a Ninja Theory intercalou esses momentos em intervalos por vezes irregulares, criando um vácuo que depois é suprido por alguma reviravolta da mente de Senua. E o brilho da narrativa, temporariamente ameaçado por conta desse desritmo, volta a iluminar.

Colecionáveis com propósito

O enredo por trás de toda a mística celta e nórdica que carrega o drama pessoal de Senua é contado através de lápides espalhadas pelos cenários.

Esses monólitos são, basicamente, os colecionáveis do jogo, e alguns deles não podem ser encontrados durante o progresso natural, exigindo que você se desloque e observe os cantos com mais atenção. E isso, sem dúvidas, é o combustível na medida certa para incentivar a exploração.

Galeria 3

Resultado: uma experiência arrebatadora 

Hellblade: Senua’s Sacrifice ganhou notoriedade por ter sido considerado pela própria Ninja Theory como uma espécie de “AAA independente”, em que um produto de baixo orçamento, desenvolvido por um pequeno grupo de artistas (aproximadamente 20), consegue tirar leite de pedra. 

Esqueça todo o primor técnico do visual ou os 60 quadros por segundo. Hellblade encanta por ser simples, brilha por ser sombrio, conquista por ser diferente, se inspira, mas não imita.

É uma daquelas obras que classificamos como uma “experiência jogável”, que nos faz esquecer de que estamos consumindo um game. E, quando lembramos disso, toda a parte técnica está ali para responder à altura, mesmo que exista uma estrutura fraca para os puzzles, o que jamais ofusca a glória de todo o restante.

Presenciar a saga de Senua é um prazer que todo jogador merece sentir. Certamente haverá um ponto de identificação para cada um de nós nessa jornada psicótica em que a desconexão da realidade é, na verdade, algo familiar a muitas pessoas.

Quando estamos à beira do abismo, sempre há uma luz que ilumina a saída. E o caminho até lá fará muita gente marejar os olhos de lágrimas.

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Pontos Positivos
  • Por trás da narrativa minimalista há um lore riquíssimo que aborda as mitologias celta e nórdica
  • Atmosfera impecável
  • Há um esforço em traduzir e representar o significado de "psicose" melhor do que qualquer dicionário
  • Combate simples, brutal, com peso e cadência
  • Direção de arte com aquele toque da Ninja Theory
Pontos Negativos
  • Estrutura de puzzles repetitiva