Quanto tempo demora para produzir o seu jogo favorito?

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O primeiro Pac-Man teve seu desenvolvimento iniciado em 1979, e levou aproximadamente um ano para ser concluído. A tarefa foi delegada a um jovem empregado da NAMCO chamado Toru Iwatani, que por sua vez coordenou um grupo de nove empregados.

O resultado? Um colosso praticamente sem precedentes na indústria de games, considerado até hoje como um dos jogos mais influentes de todos os tempos — cujos méritos vão da criação da primeira mascote de um video game até o apelo inédito para audiências femininas. Posteriormente, o game ganhou ainda uma (controversa) versão para Atari 2600 nas mãos do seu designer original. Tod Frye concluiu a tarefa em seis semanas.

Diante de dados assim, é fácil perguntar: por que um blockbuster atual demora vários anos e consome milhões de dólares até finalmente ser lançado? Os dados não deixam margem a dúvidas.

No início dos anos 2000, as produções de poucas semanas e alguns milhares de dólares já abraçavam quantias que ultrapassavam facilmente os US$ 4 milhões. Atualmente, é bastante comum que um jogo ultrapasse os US$ 20 milhões e acumule vários anos de desenvolvimento — caminho que já era indicado por alguns pioneiros durante a década de 1990.

As razões para que aquele seu título favorito leve dois, três, quatro anos ou mais para alcançar as prateleiras estão ligadas ao desenvolvimento tecnológico exponencial que encontrou os relativamente singelos consoles da década de 80.

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Com um poder de processamento sempre crescente, uma enorme base instalada e o hype quase insano que é criado junto ao público — calcado em campanhas publicitárias milionárias —, se vê ao longe a época em que algumas linhas de código escritas durante poucos meses podiam dar conta do recado.

Senão, basta nomear o seu game favorito. God of War 3? Foram US$ 44 milhões em três anos de desenvolvimento. Metal Gear Solid 4: Guns of the Patriots? Quatro anos de desenvolvimento do título tomaram da Konami a vultosa soma de US$ 60 milhões. Mas o processo pode se tornar ainda mais épico: Gran Turismo 5, em seus mais de cinco anos de desenvolvimento (e hype), sugou dos cofres da Sony US$ 80 milhões.

Desenvolvimento de games no séc. XXIUm homem, uma ideia e um computador não são mais suficientes

Antes de tentar compreender o porquê de os jogos atuais passarem tanto tempo no forno, talvez seja interessante notar onde exatamente o padrão atual de desenvolvimento e produção de jogos passou a imperar. Certamente não foi durante os ciclos dos primeiros video games, já que na década de 1960 os computadores ainda necessitavam de um mainframe e ainda não haviam sido disponibilizados para o grande público.

Entretanto, pode-se dizer que o modelo atual de produção de jogos teve seu início aproximadamente dez anos depois. Durante a década de 1970 surgiam os primeiros consoles populares que, naturalmente, necessitavam de jogos e um mercado capaz de criá-los.

Só que a coisa toda ainda era bastante incipiente se comparada com os padrões atuais, já que a simplicidade dos títulos e os baixos custos atrelados ao desenvolvimento exigiam apenas um sujeito com uma plataforma de desenvolvimento e uma ideia razoavelmente original. Tratava-se essencialmente de uma proposta multitarefa, já que um único criador podia facilmente cuidar da programação, do design gráfico e dos efeitos de áudio com apenas algumas poucas semanas de comprometimento.

Desnecessário dizer que o mercado atual de games de grande porte não trabalha mais de acordo com essa lógica — que hoje é mais associada à rotina de produção de títulos independentes. De fato, a concorrência de fatores como os múltiplos interesses envolvidos, os prazos estritos para a entrega e a facilidade imensa de se falhar miseravelmente fez com que os profissionais da área adotassem uma saudável burocracia para a produção de jogos.

Na dúvida, basta seguir os passos

Embora certamente seja possível isolar uma rotina de produção para qualquer período do desenvolvimento de jogos, é impossível deixar de notar que a crescente popularização de títulos cada vez mais complexos tornou imprescindível a manutenção de certa burocracia produtiva. Os motivos para isso saltam facilmente à vista.

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Em primeiro lugar, nenhum jogo de grande porte poderia chegar ao mercado atual de jogos sem uma considerável injeção de dinheiro. Dessa forma, seguindo a ideia do refrão popular que afirma que “dinheiro não dá em árvore”, é natural que, assim como qualquer investimento de peso, também os games dependam do aval de um investidor para seguir em frente. Um investidor que vai querer alguma amostra de qualidade antes de abrir a carteira.

Em segundo lugar, as equipes de desenvolvimento cada vez maiores e mais especializadas tornaram impossível qualquer processo de criação menor organizado — algo que só era possível para o sujeito que sentava solitário em frente ao seu computador pessoal durante a década de 1980. Dessa forma, em linhas gerais, o atual processo de desenvolvimento de um game assume as seguinte etapas:

  • Pré-produção

A pré-produção, ou fase de design, é o pontapé inicial para a criação de qualquer título. É nesse estágio que o conceito geral do jogo deve ser documentado de uma maneira clara e fácil de entender, descrevendo ainda as tarefas, cronogramas e estimativas da equipe de desenvolvimento.

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Trata-se de um período de risco considerável para uma desenvolvedora independente, já que, na maioria das vezes, ainda não há o financiamento de uma produtora. A bem da verdade, o conjunto de documentos resultante do processo, chamado de “plano de produção”, terá um papel central na hora de convencer alguém a injetar dinheiro em um projeto.

  • Produção

Trata-se do estágio principal de desenvolvimento de um jogo, momento em que a propriedade intelectual realmente começa a ganhar forma. A produção também serve para designar o ponto em que o quadro de profissionais empenhados em determinado projeto encontra-se devidamente preenchido.

Dessa forma, é nesse estágio que os programadores passam a trabalhar no código fonte, os artistas criam os recursos gráficos mais básicos (sprites e modelos 3D), os engenheiros de som desenvolvem os efeitos de áudio e compõe a música para o jogo, os roteiristas forjam os diálogos para cenas de corte e para NPCs (personagens não controlados pelo jogador, na sigla em inglês) e os designers de fase... Bem, desenham as fases.

Subsequentemente, no momento em que algo “jogável” for reunido, os testadores são acionados para ver como a coisa toda funciona em conjunto.

  • Metas (milestones)

Jogos comerciais são usualmente desenvolvidos de acordo com metas estipuladas pela produtora, que seleciona alguns estágios-chave do desenvolvimento que devem ser alcançados dentro de um cronograma razoavelmente rígido (a menos que você trabalhe na Polyphony Digital). A ideia é manter o controle sobre o desenvolvimento.

Embora não exista um padrão quanto à definição de metas de desenvolvimento, alguns estágios são consideravelmente recorrentes para ciclos de desenvolvimento de aproximadamente dois anos. O chamado first playable (algo como “primeira versão jogável”), por exemplo. Trata-se de uma versão que, embora seja um tanto primitiva, traz consigo todos os elementos principais do jogo no que diz respeito à jogabilidade e às estruturas gráficas mais básicas.

Já no chamado estágio Alpha todas as funcionalidades principais do título devem estar implementadas, enquanto que os arquétipos gráficos encontram-se parcialmente finalizados. Há também aquele velho e conhecido estágio pelo qual a maioria dos fãs de uma franquia aguarda ansiosamente. Trata-se da versão Beta, que traz o jogo praticamente completo, e que tem por finalidade a caçada aos famigerados bugs — normalmente dois ou três meses antes do lançamento do título.

Por fim, as metas normalmente encerram com a chamada versão Gold. Trata-se, basicamente, da versão final do jogo que será utilizada como matriz para a sua produção em larga escala.

  • Pós-produção

A pós-produção aborda o período em que o jogo já se encontra nas prateleiras, possivelmente também em diversos lares mundo afora — caso a empreitada tenha sido bem sucedida. É nessa fase que são lançados os DLCs (conteúdos para download, na sigla em inglês), as expansões e, meio a contragosto das desenvolvedoras, os patches para corrigir eventuais bugs que não foram detectados durante a fase beta. Em suma: é o suporte pós-lançamento que o um game recebe.

 “In hype we trust!”A cultura do superestímulo

Img_normalOk, então o aumento gradual daquele penoso período que separa o conceito original de um jogo do seu lançamento vem aumento a cada nova geração graças à complexidade cada vez maior dos títulos. Dessa forma, é bastante natural que se crie em meio ao público uma excitação em torno de cada nova promessa de uma grande produtora. Mas sim, há um nome para isso: hype.

Para quem ainda não foi apresentado ao termo, trata-se de um conceito que reflete o aumento da expectativa do público em torno de um produto, cujo carro chefe quase sempre são as campanhas publicitárias de grande porte. Uma conclusão óbvia? Todo esse superestímulo só faz crescer o valor em torno de uma marca, o que deixa a seguinte dúvida: será que o tempo requerido para o desenvolvimento e lançamento de um título é sempre devido a questões técnicas imprescindíveis?

Bem, há quem diga que não. Segundo colocou em sua coluna pessoal o editor do site Dualshockers.com, Chad Awkerman, há atualmente uma cultura do hype instalada. “Minha teoria sustenta que a máquina de hype atua em uma via de mão dupla. Certas companhias obtém sucesso através de todo esse hype que é criado em torno dos seus títulos”, afirmou Awkerman.

Senão, basta prestar atenção em dois dos argumentos mais recorrentes para os momentos em que um lançamento é adiado. “Para começar, os desenvolvedores afirmam inicialmente que será necessário um período qualquer para o desenvolvimento do título. Quando há adiamentos, eles dizem então que estão ‘polindo’ o jogo, e que portanto precisam de mais tempo de desenvolvimento. Eu não acredito que esse seja o caso na maioria das vezes”.

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E há também o clássico “quando estiver pronto”, utilizado constantemente pela Remedy para o seu Alan Wake — título que chegou bem perto de se tornar um vaporware. Difícil acreditar que qualquer produtora de sucesso perderia a chance de criar uma expectativa cada vez maior em torno de uma marca prontamente reconhecível? Certamente.

Só mais algumas linhas de código...

De qualquer forma, com ou sem políticas de produção complexas e controversas, fato é que desenvolver um jogo hoje não se parece em nada com a tarefa quase leviana que embalava alguns dos primeiros desenvolvedores de games.

Afinal, entre interesses comerciais conflitantes, tecnologias emergentes e uma concorrência que beira a insanidade... Deve surgir um produto que ainda seja capaz de fornecer entretenimento e diversão sem compromisso. Mesmo que esse entretenimento demore mais de meia década para alcançar as prateleiras.

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