Coluna: cadê o medo nos jogos de terror?

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Lembro quando, nos idos de 1997, tive minha primeira experiência com Resident Evil, no finado PlayStation One. Apesar dos gráficos quadrados, o jogo passava um clima assustador, capaz de causar pesadelos em qualquer pessoa que se aventurasse a jogar o game com as luzes desligadas.

Fonte da imagem: Reprodução/GameSpotQuinze anos depois (como o tempo passa rápido!), ao ver o lançamento do sexto capítulo da história principal da franquia, tenho dificuldades em relacioná-lo com aquele game com personagens quadriculados. Não pela evolução gráfica ou mudança nos controles, mas sim pelo abandono de qualquer elemento capaz de inspirar o terror que um dia a série da Capcom evocou.

Testemunhei o mesmo processo acontecendo com Silent Hill: após três games capazes de deixar qualquer um perturbado, a Konami parece ter perdido a mão na hora de criar experiências assustadoras. Apesar de ambas as séries continuarem afirmando que sua intenção é aterrorizar os jogadores, o único meio pelas quais elas conseguem fazer isso atualmente é através de tramas pouco inspiradas ou sistemas de jogo desengonçados.

Um gênero em declínio

Seria um exagero de minha parte afirmar que atualmente não há nenhum game capaz de provocar pesadelos em quem os joga. O sucesso da série Dead Space mostra que ainda há quem aprecie um bom jogo de terror, e títulos como Amnesia: The Dark Descent são prova de que é possível encontrar aventuras aterrorizantes no cenário independente.

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Porém, não é preciso analisar muito para ver que, ao menos quando se trata de grandes lançamentos, é cada vez mais raro encontrar experiências dedicadas a provocar sustos nos jogadores. O que se vê é uma transformação geral de títulos consagrados, que passaram a incorporar elementos que acabam contribuindo para acabar com qualquer sensação de medo.

O exemplo mais claro dessa tendência é a já citada série Resident Evil: desde a reformulação promovida por Shinji Mikami no quarto capítulo da história principal, a Capcom tem adicionado cada vez mais ação à jogabilidade de cada novo título, chegando ao ponto de armar zumbis com armas de fogo em seu lançamento mais recente.

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De um game em que era preciso poupar munição e se desviar da maioria dos inimigos para sobreviver, Resident Evil virou uma espécie de mistura entre Gears of War e Dead Rising. Enquanto do primeiro foi retirado um sistema de jogo baseado em atirar sem parar, do segundo foram transportadas as hordas de zumbis que mais parecem pinhatas recheadas com munição e itens de cura.

O que aconteceu?

Entender os motivos que levaram ao declínio do elemento terror no mundo dos jogos eletrônicos é uma tarefa que envolve analisar os hábitos dos jogadores, o mercado como um todo e as características próprias ao gênero. Ao contrário do que acontece com games de ação ou RPG, por exemplo, jogos que usam sustos como arma principal tendem a ficar desgastados de maneira extremamente rápida, especialmente quando decidem repetir uma única fórmula.

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Games de terror têm nas surpresas que são capazes de provocar sua principal qualidade e defeito: algo que pode ser confirmado facilmente pelo fato de que, ao jogar pela segunda vez seguida o mesmo título, dificilmente você vai se assustar com a mesma frequência. O mesmo efeito se repete quando uma franquia decide reaproveitar os mesmos truques em cada uma de suas sequências, algo que tem como consequência o afastamento do público, sempre em busca de experiências novas.

A falta de novidades, combinada à mudança de foco da mídia especializada para outros gêneros, fez com que os games de terror (especialmente aqueles pertencentes à linha dos survival horrors) se tornassem algo capaz de atrair um nicho cada vez mais específico de jogadores.

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Como não interessa às produtoras (especialmente às grandes) depender de um público reduzido para sobreviver, mudanças tiveram que ser feitas na tentativa de atrair a atenção de uma quantidade maior de pessoas. Assim, se games de tiro é que estão vendendo bem, nada mais racional do ponto de vista mercadológico do que incorporar elementos típicos desse estilo em novos jogos — mesmo ao custo da integridade de certas propriedades intelectuais.

A próxima vítima dessa tendência parece ser a série Dead Space, que, em seu terceiro capítulo, vai incorporar elementos multiplayer à sua aventura principal. Durante a história, um jogador auxiliar poderá entrar ou sair da ação a qualquer momento, algo que não colabora muito para manter um clima de terror — especialmente se você der o azar de pegar como parceiro alguém que prefere correr em direção às paredes em vez de enfrentar monstros.

Escassez que deve continuar

Com a proximidade da próxima geração de consoles e a promessa de que os custos de produção vão aumentar ainda mais, deverá ser cada vez mais difícil surgir games realmente assustadores, ao menos no mercado mainstream. Algo bastante triste, especialmente quando se levam em conta as possibilidades oferecidas por gráficos de alta definição na hora de recriar criaturas grotescas ou formar ambientes sinistros repletos de sombras convincentes.

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Infelizmente para os fãs de um bom susto, um mercado competitivo como o dos jogos eletrônicos não é capaz de se sustentar somente de boas intenções. Dessa forma, séries como Resident Evil e Silent Hill dificilmente vão retornar às suas origens, especialmente quando seus capítulos mais atuais continuam vendendo quantidades consideradas suficientes pelas suas produtoras.

Assim como acontece em Hollywood, o cenário de jogos de terror deve continuar vivo, ficando restrito a produções com recursos e orçamento mais limitado. Amnesia: The Dark Descent é a prova de que essas condições não são sinônimos de resultados ruins, já que, mesmo com suas limitações técnicas, o game conquistou uma grande quantidade de fãs por apresentar uma experiência extremamente tensa.

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Tal qual aconteceu com os RPGs japoneses, que tiveram seu ápice na era 32-bits e hoje são relegados a um espaço secundário da indústria, os games assustadores continuarão a existir durante um longo tempo. Porém, verdadeiros fenômenos de crítica e público deverão ser uma raridade, a não ser que a indústria passe por um novo ciclo no qual esse tipo de conteúdo volte a ser o foco.

Equipe BJOs games que tiraram o sono de nossa redação

Você se sente oprimido, em risco constante. A agonia é perpétua e o trabalho sonoro coloca você dentro do game.

Embora seja algo bem imbecil, devo admitir que tenho medo de dinossauros — e boa parte da culpa disso é de Dino Crisis. Diferente de Resident Evil, o jogo realmente trazia inimigos perigosos. Ao contrário dos zumbis lentos e pouco ameaçadores, derrotar um velociraptor com aquela jogabilidade truncada do PlayStation One era  uma tarefa para poucos. Quando um lagarto enorme aparecia em uma sala pequena, você não tinha muito que fazer além de entrar em desespero e torcer para que o tiro acertasse.

Fonte da imagem: Reprodução/GameSpotO pior não é nem apenas encontrar os malditos, mas a tensão de que, atrás daquela porta, há um infeliz pronto para matar uma desengonçada Regina com apenas duas mordidas. É me lembrando de Dino Crisis que eu penso que as tentativas de criar um Jurassic Park de verdade não são uma boa ideia

Na tentativa de inovar, a Konami acabou desagradando alguns fãs de Silent Hill. No entanto, como um grande fã, posso dizer que minha experiência com Downpour foi proveitosa. A empresa conseguiu dar uma repaginada positiva em diversos sentidos. O visual ficou caprichado, as possibilidades de exploração são numerosas e a história ficou de altíssima qualidade.

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O melhor de tudo é ver que Downpour traz diversos novos inimigos e consegue ampliar a sensação de medo. Para mim, o último episódio é muito assustador e acrescenta mais uma história bem elaborada ao catálogo de terríveis contos da cidade maldita.

Jogos de terror geralmente caem na mesma armadilha de sustos fáceis e carnificina sem sentido. Amnesia: The Dark Descent coloca o jogador dentro do jogo, seja pelos seus gráficos ou seus ótimos efeitos sonoros, aumentando a tensão gradativamente até ela explodir. É impossível não ficar uma pilha de nervos quando você tenta se esconder de um monstro que você sabe que não tem a menor chance de derrotar e que ele vai te matar quando te alcançar.

Joguei muitos games que me deixaram com medo. Não somente medo, mas também um mal-estar, devido a sentir quase que literalmente que algo estava errado. Os títulos que mais me marcaram nesse sentido foram, sem dúvida os três primeiros capítulos da série Silent Hill.

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O primeiro jogo me impressionou muito devido à maturidade e à forma como o tema era tratado. Não eram apenas sustos programados, mas a constante sensação de desconforto ao entrar naquele mundo sombrio e cheio de eventos perturbadores. O jogo não deixa de evidenciar a violência extrema em seu repertório, mas o que mais assusta é a falta de capacidade que temos de distinguir a realidade da imaginação e o quanto a insanidade pode ser tanto quanto ou mais assustadora que a violência física.

Esse foi o último jogo que realmente mexeu comigo na cadeira. A atmosfera macabra e a respiração oscilante (e angustiante) do personagem já são o suficiente para deixar qualquer gamer no mínimo incomodado. É um jogão, por mais que não possua nenhum aspecto técnico que surpreenda.

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Não é um exagero dizer que, atualmente, a indústria do entretenimento eletrônico está com pouco fôlego para sustos e um bom clima de terror. Uma tendência de mercado? Talvez, mas parece até contraditório dizer isso, já que praticamente todos os jogadores clamam por um bom game de terror (o que NÃO é o caso de jogos como Resident Evil 6 e até Silent Hill: Downpour). Para se ter ideia, a última vez que fiquei realmente tenso em um game foi na fase do pântano de Demon's Souls, um título que nem se encaixa como terror. É a vida.

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