Quando a Konami cancelou Silent Hills, em 2014, a comunidade de fãs temeu pelo fim da franquia. Parte disso porque a empresa japonesa, na época, já não publicava um título realmente bom na marca há bastante tempo, e suas prioridades estavam voltadas para os jogos como serviço. Levou cerca de oito anos, e alguns fracassos comerciais, para as coisas começarem a mudar — e rapidamente!
Em 2022, logo após o lançamento de algumas coletâneas de Castlevania e Metal Gear Solid, chegou a vez da franquia Silent Hill ganhar algum carinho. De cara, a Konami anunciou seis projetos em simultâneo para a marca, incluindo o remake do clássico Silent Hill 2 e uma respectiva adaptação para as telonas. Até então, a comunidade de fãs estava contente, mas preocupada.
Após tantos anos de espera, o primeiro grande projeto da “nova Konami” seria nada mais, nada menos, que o remake de um dos jogos mais amados de todos os tempos. Para tornar o caso ainda mais complexo, a equipe liderando o desafio era a Bloober Team, que ainda não havia publicado nenhum título de peso, com exceção do controverso The Medium.
Neste ano, Silent Hill 2 Remake finalmente chega às prateleiras. Será que o lançamento consegue honrar todo o mérito da obra original? Eu sou Adriano Camacho, Assistente de Edição aqui no Voxel, e te conto todos os detalhes na nossa análise completa!
Antes de mais nada, fique tranquilo, não daremos spoiler — as curiosidades e surpresas ficam para outro texto!
Silent Hill nunca esteve mais bonita…
Ao longo dos anos, a cidade de Silent Hill foi representada inúmeras vezes. Por vezes coberta de neve, e até mesmo de cinzas, exclusivamente no caso dos filmes, a região fictícia fica em algum lugar do Maine — um frio estado norte-americano muito querido por Stephen King. Entretanto, sua marca registrada é a densa neblina, que a princípio foi apresentada apenas como uma solução para que o PlayStation 1 sustentasse os gráficos 3D do primeiro jogo.
No PlayStation 5, há capacidade gráfica de sobra, e a Bloober Team não desperdiçou a oportunidade de dar seu melhor. Em Silent Hill 2, a nebulosa cidade nunca esteve mais bonita e rica em detalhes. Logo a partir da introdução, já é possível observar o capricho nas vegetações, nas placas e pequenos comércios no centro. Nesta versão, as ruas possuem mais “vida”, ou ao menos pequenas histórias do que elas foram, contadas por lojas, cafés, bares e restaurantes.
Graças à nova perspectiva adotada, o jogador fica muito mais imerso nesses detalhes, algo que favorece a ideia de que, em outros tempos, Silent Hill realmente parecia uma cidade-resort muito agradável. Durante a campanha, porém, conhecemos uma região que parece ter sido deixada às pressas, com carros abandonados, prédios decrépitos e lixo pelas ruas. Ao que parece, as poucas pessoas que ficaram selaram suas casas com barricadas de madeira e concreto.
Silent Hill 2 Remake.Fonte: Adriano Camacho
Justamente, essa narrativa contada pela ambiência é um dos grandes pontos fortes na franquia Silent Hill, e neste remake não é diferente. A sensação de ver algo tão belo, mas abandonado, gera uma nostalgia muito forte, ainda que os jogadores não tenham vivido lá. Tematicamente, esse sentimento é um ótimo elogio para Silent Hill 2 Remake.
Visualmente, outro destaque fica para os efeitos climáticos assustadores. No remake de Silent Hill 2, há tempestades de vento impressionantes, com direito a objetos voando e um baita clima de desespero. Junto da chuva e dos raros momentos ensolarados, essa composição climática favorece muito a atmosfera da cidade e aumenta ainda mais a tensão nos trechos de exploração.
…e nem mais assustadora
Se Silent Hill em seu estado normal já é assustadora, sua versão do “Outro Mundo” é surpreendentemente pior. Mais uma vez, nessa realidade, o tema muda de “cidade abandonada” para “pesadelo de ferrugem, correntes e pele humana”. Entretanto, senti que há um amadurecimento no design dos ambientes afetados, já que eles não mais são “mergulhados” em uma tinta laranja.
Em qualquer um dos jogos anteriores da franquia, o Outro Mundo/Realidade Infernal desanimava muitos dos jogadores. Não pelo súbito aumento na dificuldade ou pela atmosfera mais aterrorizante, mas pelo cansaço visual dos ambientes monocromáticos. De maneira geral, essa característica melhorou bastante em Silent Hill 2 Remake, graças ao sistema mais robusto de iluminação.
Silent Hill 2 Remake.Fonte: Adriano Camacho
Claro, a decoração horripilante e enferrujada está de volta, mas muito melhor contextualizada. Agora, o incômodo provocado é mais intencional, pelo nojo, pavor ou repulsa pelos ambientes explorados. E por falar em exploração, uma novidade muito bem-vinda, embora esperada, são as novas áreas em cada mapa. Pontualmente, todas as principais localizações do jogo ganharam novos prédios, comércios, salas e ambientes — todos com itens, colecionáveis e peças da história.
A propósito, durante a exploração, também é possível encontrar “memórias” do jogo original. Nesses locais, é possível interagir e se “lembrar” de um antigo quebra-cabeça que mudou ou item importante. Esse detalhe mostra que a Bloober Team não apenas cumpriu a promessa de entregar um remake fiel, mas também a fez com carinho.
Um remake fiel, mas original à sua maneira
Bom, chegou a hora de falar do elefante branco na sala: o remake de Silent Hill 2 está fiel ao original? Sim, está — mas com suas próprias ressalvas. Conforme comentei, o novo jogo toma algumas liberdades para expandir certas partes do jogo, além de melhorar outras. Naturalmente, algumas dessas expansões exigem mudanças na arquitetura, bem como na distribuição de itens importantes para o desenrolar da história.
Ciente disso, a Bloober Team implementou o tal sistema de “memórias”, que funciona justamente como um grande aviso de: “nós sabemos que você notou a diferença”. Em particular, achei essa solução bastante criativa, e até humilde, já que os desenvolvedores reconhecem a importância desses lugares e itens emblemáticos, e recompensam os jogadores mais atentos com um momento especial. É um pequeno gesto, mas que facilmente confirma o carinho pela obra original.
Maria com sua roupa clássica em Silent Hill 2 Remake.Fonte: Adriano Camacho
E se você acha que isso não importa, só lembrar do que acontece quando os desenvolvedores resolvem desprezar a obra original na hora de fazer um remake! Embora o caso mais recente seja de Saints Row, o mais famoso com certeza é o reboot de Devil May Cry — e olha que a Team Ninja era bastante prestigiada!
De todo modo, essas adições são apenas uma pequena parte no remake. Em sua maioria e essência, ele é muito fiel ao material original e sua proposta. A atmosfera da cidade, as localizações, inimigos, tramas e conflitos: tudo segue o roteiro clássico, com leves adições de diálogo ou contextualização.
O sonho e o pesadelo
Nesse sentido, algo que muito me chamou atenção foi como o remake parece aparar algumas arestas soltas de Silent Hill 2. Anteriormente, alguns detalhes do jogo não faziam tanto sentido, embora alguns fãs defendam que essas características eram propositais — as relacionando com a estranheza da cidade. De certo modo, o argumento é válido, já que o time de desenvolvimento original utilizou temas complexos da psicologia e psicanálise para elaborar muitos elementos da trama e da jogabilidade.
Porém, isso não significa que essa característica não possa ser melhorada. No jogo original, por exemplo, as transições entre mundos nem sempre são tão claras, e apesar de ter quem goste, muito disso se dá pelas limitações gráficas da época. Essas mudanças de fase também afetam as criaturas, ambientes e arquitetura da localização.
Outro Mundo em SIlent Hill 2.Fonte: Adriano Camacho
Com isso em mente, partindo para a especulação, uma das teorias mais populares entre os fãs tem relação com essas mudanças de realidade em Silent Hill e as próprias fases do sono. Para simplificar, a ideia é que a Silent Hill “abandonada” trata das primeiras fases do sono, quando estamos mais conscientes e até acordados. Já as realidades do Outro Mundo seriam relacionadas ao estágio mais profundo, conhecido como Fase de Movimento Rápido dos Olhos (REM) — quando mais sonhamos e abstraímos.
Bom, você pode estar se perguntando "mas o que isso tem a ver com a jogabilidade"? Assim como as fases do sono, as fases em Silent Hill 2 Remake também vão progressivamente ficando mais abstratas. Durante as primeiras etapas, por exemplo, os quebra-cabeças são cofres comuns e rotineiros; eventualmente, eles se tornam mais simbólicos e estranhamente complexos.
Essa transição é muito bem representada pela direção de arte, que complementa as mudanças com efeitos climáticos, como a chuva pesada ou uma ventania repentina. Similarmente, essas ideias também são associadas ao processo de evolução de James Sunderland, o protagonista, durante a trama.
Hospital de Silent Hill 2 Remake.Fonte: Adriano Camacho
No original, a maioria das transições ocorre através de uma tela preta, ou desmaio do protagonista. Alguns dos quebra-cabeças e itens encontrados no começo da trama também parecem “complicados demais” para estarem, por exemplo, em um ambiente na realidade comum — por que um hospital teria uma porta com tema místico? Toda essa estranheza complementa o charme do jogo clássico, é claro, mas não significa que tenha sido proposital.
Realismo vívido
Além do design de fases, o remake de Silent Hill 2 também explora o realismo em outros aspectos. Os personagens, agora, se vestem conforme o clima frio. Embora eles ainda sejam vagos,há mais diálogos sobre as ações e estranhezas da cidade — é possível sentir o cansaço, o medo e a frustração nas várias interações da trama. É um grande salto na expressividade — mas ressalto que o tom propositalmente misterioso das conversas ainda está lá.
Angela Orosco em Silent Hill 2.Fonte: Adriano Camacho
Somado a isso, os espaços também foram readequados para serem mais fiéis aos do mundo real, como o hospital citado — que passou a incluir cozinhas, depósitos, salas de descanso e mais. Todas essas adições funcionam muito bem para vender a ideia de que Silent Hill, como cidade, é um local plausível. Isso não apenas melhora a imersão, mas aproxima o jogador dos personagens e de suas narrativas.
Combate amador, mas visceral ao extremo
Por falar em realismo, um dos pontos mais controversos de Silent Hill 2 é sobre seu sistema de combate, indiscutivelmente truncado. Enquanto alguns fãs apontam que as limitações nos movimentos são intencionais, já que James é apenas um civil, outros afirmam que se trata de uma limitação de programação. Bom, independente da resposta oficial, o remake consegue entregar algo que agradará os dois públicos.
Sim, Silent Hill 2 Remake está mais parecido com Resident Evil 2 Remake, adotando o estilo de câmera no ombro que se tornou tradicional na indústria. No entanto, seria um tremendo equívoco comparar o estilo “lutando para tentar sobreviver e encontrar minha esposa” de James, com a desenvoltura ímpar de Leon.
Falando mais sério, agora, James ainda luta como um civil em Silent Hill 2 Remake. Mais especificamente, um civil aterrorizado por criaturas infernais e, portanto, reage com a devida violência proporcional. Durante a trama, temos acesso a um pequeno arsenal, pouco variado, mas suficiente para a jornada. O protagonista irá pisotear, socar e usar tudo a seu favor para sobreviver — enquanto, aos grunhidos, expressa seu ódio e desgosto pelos atos.
Combate em Silent Hill 2 Remake.Fonte: Adriano Camacho
Como resultado, o combate de Silent Hill 2 Remake é muito visceral — é desesperado. Em toda a duração da jornada, o jogador vai se questionar quando vale a pena fugir, e quando vale a pena lutar. Em nenhum momento senti a segurança para dizer que estava “seguro” ou “poderoso” demais, já que bastava ser encurralado por dois inimigos que a maré virava completamente.
Nesse ponto, sinto que o remake supera o jogo original. Veja bem, também sou apaixonado pelo Silent Hill 2 clássico, mas quando vou recomendá-lo, nunca o faço pela jogabilidade. Por vezes, na verdade, sentia que os combates “ficavam no caminho” da história, além de afastar possíveis fãs por sua disposição “rústica”. Se você está chateado com minha fala, devo lembrá-lo das lutas contra personagens humanos — agora, tenho certeza que você concorda comigo.
Silent Hill 2 Remake é a versão definitiva de um clássico
Caprichoso nos detalhes, Silent Hill 2 Remake é uma carta de amor aos fãs de longa data, e a versão definitiva para os recém-chegados. O título cumpre a promessa de modernizar um clássico para novos públicos com muita fidelidade, mas ainda oferece surpresas o suficiente para justificar sua existência.
Ainda que você esteja inseguro pelo desenvolvimento da Bloober Team, asseguro que vale a pena dar uma chance. Segundo o próprio produtor, Motoi Okamoto, foi pelos esforços da equipe polonesa que Silent Hill 2 Remake se manteve fiel ao clássico — já que os desenvolvedores originais estavam mais inclinados a ousar nas mudanças.
Maria em Silent Hill 2 Remake.Fonte: Adriano Camacho
Contando com apoio da Konami, a Bloober Team provou seu mérito e entregou um jogo exemplar. Com isso, Silent Hill 2 Remake estreia com a esperança de uma nova era para a franquia, que há muito tempo espera por esse esmero.
Nota do Voxel: 100
Silent Hill 2 Remake foi analisado em sua versão para PlayStation 5, utilizando uma cópia gentilmente cedida pela Konami.
Compre o Jogo Silent Hill 2 Remake
- Jogo Silent Hill 2 em midia fisica
- Jogo Silent Hill 2 na Nuuvem
- Jogo Silent Hill 2 na Green Man Gaming
- Gift Cards PlayStation
Categorias