Xbox LIVE: um marco no desenvolvimento da Microsoft

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“Quando você pensa no que era a Xbox LIVE quando o [Xbox] 360 foi lançado, aquilo era apenas uma dashboard”, disse, não sem algum saudosismo, o vice-presidente de produção de Call of Duty, Daniel Suarez, em um trecho de uma longa entrevista concedida ao site Polygon. E discordar seria difícil.

Afinal, além da inclusão de avatares e de recursos de conectividade relativamente limitados, o que havia na LIVE à época não ia muito além de uma plataforma social em estado germinal — mesmo que com um enorme potencial. Não obstante, entre o final de 2005 e o início de 2015, a ideia pioneira da Microsoft passou a oferecer um centro de entretenimento que não apenas agregou novos serviços, mas que também se estendeu por outras plataformas além do próprio Xbox.

“Repare em onde está a coisa hoje e onde ela começou”, continua Suarez. “Tudo se desenvolveu de uma rede social para algo além, incluindo os componentes competitivos que tornam isso possível.” Em outras palavras, se hoje você pode ligar o seu Xbox 360 ou o seu Xbox One para encontrar alguns amigos online, é certo que a simples escolha provavelmente também se deve ao fato de haver “filmes, TV, música, cultura pop etc.” dividindo o mesmo ecossistema.

“[A Xbox LIVE] se tornou o destino de qualquer um que queira consumir conteúdos de mídia”, continua o desenvolvedor, lembrando que, no início, a coisa não era enxergada como nada além de uma “máquina de jogos”. Conforme a própria Microsoft fazer questão de reforçar esse novo mantra em vídeos de marketing, a integração de um sistema de jogos “azarão” a um dispositivo de rede acabou por redefinir a forma como se joga video games hoje.

Mas isso não se deu da noite para o dia, é claro. Na verdade, é provável que parte dos genes que justificam a forma como a plataforma online da Microsoft se desenvolveu e se tornou o que é hoje remontem a uma época muito mais distante do que acreditaria um fã incauto do Xbox. Afinal, trata-se de uma história que tem seus primeiros movimentos nos anos 1990, com uma trama posta para funcionar por um misto de genialidade e senso de oportunidade.

Uma leitura inspiradora

No início de 2000, quando foi lançada, a Xbox LIVE contava com 300 servidores, por meio dos quais eram geradas as primeiras funcionalidades online do serviço — que, á época, ainda ensaiava seus primeiros passos no primeiro Xbox. Parece bastante coisa? Talvez. Entretanto, basta lembrar que a versão atual da rede conta com 300 mil servidores. Entretanto, esse crescimento remonta a um período anterior à aposta da Microsoft no nicho dos consoles dedicados a jogos.

Dizem que a coisa toda começou quando James Allard encontrou o romance “Snow Crash”, de Neal Stephenson. Escrito em 1992, o livro tratava de uma espécie de ninja amalucado entregador de pizza que, de noite, se tornava um combatente no terreno ainda germinal da internet.

Entretanto, o background parece ter sido o que mais impressionou Allard: havia um universo todo focado na interação virtual/imediata entre os seres humanos. No mundo pintado por Stephenson, as pessoas podiam transpor oceanos por meio de cabos de fibra ótica, a fim de fazer uma rápida visita a um amigo distante. Naturalmente, para um jovem gênio da computação, a visão desse “mundo unificado” fez as ideias fervilharem.

Para: Bill Gates (De: James Allard)

Quando a Microsoft começava a planejar o seu Windows 95, a internet ainda era algo relativamente restrito. Pode parecer cômico hoje, mas é de se imaginar que grande parte das pessoas ainda não tivesse ideia do colosso que a grande rede haveria de se transformar em um futuro não muito distante.

Não obstante, havia um pioneiro cujo gênio havia sido recentemente bombardeado pelas ideias da ficção de Neal Stephenson (acima). Conta-se que James Allard enviou um email para Bill Gates, no qual, por meio de um texto igualmente didático e extasiado, reforçava as virtudes da internet — particularmente, reforçando como a rede deveria se tornar algo determinando em poucos anos.

E o Windows deveria se tornar o “aplicativo matador” da nova era compartilhada. Tudo o que a Microsoft precisava fazer, segundo Allard, era incluir um software para conexão com a internet no Windows 95, a fim de deixar a nova geração do sistema operacional pronta para navegar assim que fosse instalada. Bem, Gates ouviu o apelo... E o resultado disso não poderia ser mais óbvio hoje, embora houvesse ainda mais uma variável.

DirectX: uma prática caixa de ferramentas

O verdadeiro “boom” de jogos para PC que se viu em meados dos anos 90 se deve, em grande parte, a uma das melhores sacadas da Microsoft até hoje. Ao lançar o DirectX, a companhia de Bill Gates permitia que os desenvolvedores criassem apenas para a API, sem a necessidade de reelaborar seus softwares para cada uma das peças de hardware disponíveis à época; bastava ter o DirectX como foco, e a comunicação estava garantida.

Juntamente com o pacote para conexão com a internet de Allard, a nova ferramenta da Microsoft foi capaz de transformar o novo Windows 95 em um produto perfeito para jogos e para a utilização da internet. Naturalmente, disso já era possível perceber de forma clara a aposta: o mercado do entretenimento deveria se focar na indústria de software direcionada para o ambiente virtual da internet.

O azarão que redefiniu a indústria

A bem da verdade, a Microsoft ensaiava vários passos em direção ao entretenimento eletrônico já no início dos anos 90 — conforme fazia os usuários do seu Windows matarem dezenas de horas de trabalho com Solitaire e Minesweeper. Entretanto, foi apenas em meados dos anos 90 que a companhia passou a considerar seriamente uma aposta mais parruda nos video games.

É verdade que, com a chegada dos anos 2000, o panorama competitivo do entretenimento eletrônico não era dos mais convidativos. Afinal, SEGA e Nintendo ainda eram nomes consagrados, e o mercado havia assistido de queixo caído à porrada do primeiro PlayStation. Não obstante, nenhuma das companhias possuía o know-how particular da Microsoft; basicamente, onde faltava conhecimento específico sobre jogos, sobrava experiência com prestação de serviços e conectividade online.

E foi justamente esse conhecimento que pavimentou o caminho para a chegada do altamente improvável primeiro Xbox. Com um nome escolhido para fazer menção ao DirectX, o console representou um trabalho de engenharia igualmente monumental e acelerado; menos de dois anos separaram o conceito inicial da entrega do aparelho rematado. E isso com um diferencial bastante questionável para a época: o suporte para conexão de banda larga.

“A banda larga é o futuro”

Em 1999, a internet de banda larga ainda era uma tecnologia que precisava se provar. À época, a coisa não ia muito além deu ma curiosidade cara para internautas mais abastados — de forma que qualquer um que pretendesse lançar um dispositivo com suporte para a internet devia considerar, por default, o bom e velho e velho modem dialup (aquele mesmo, cujos ruídos de conexão acabaram virando toques de celular pouco tempo depois).

Foi nesse ponto que o CTO do departamento de entretenimento eletrônico da Microsoft resolveu fazer mais uma aposta arriscada. “Nós queríamos criar uma experiência de jogo que fosse grandiosa para o usuários, e não podia haver restrições”, disse James Allard, justificando a escolha controversa à época de incluir um conector de banda larga no primeiro Xbox.

Ele continua: “Com uma estratégia online tão ambiciosa quanto a que nós tínhamos — com gráficos, áudio, controles e conteúdos —, [a conexão] dialup simplesmente não dava conta do nosso comprometimento com os jogadores e com a indústria”. De fato, foi essa escolha que permitiu à Microsoft ensaiar os primeiros passos para a venda de conteúdos em formato estritamente digital, empreitada que, à época, levou o nome de “Project Orange”. Mas isso seria apenas o início.

O nascimento da Xbox LIVE

Os primeiros movimentos para produzir uma rede online para o Xbox surgiram em agosto de 2000, quando Boyd Multerer foi chamado para lançar as bases do que posteriormente se tornaria a Xbox LIVE — à época, o nome utilizado era simplesmente “Xbox Online”. Em entrevista ao site Polygon, Multerer lembra de ter sido procurado por James Allard, que lhe passou uma missão bastante pedregosa.

“Allard me disse: ‘Tudo bem, nós colocamos uma porta de ethernet na caixa. Vá descobrir com o que ela pode se comunicar’”, disse o executivo ao referido site, soltando uma gargalhada ao se lembrar do ocorrido. “Essa foi basicamente a missão”, ele se lembra. “Eu posso dizer que fui a primeira pessoa na LIVE. Eu contratei todo mundo, toda a equipe de desenvolvimento.”

Atualmente, o que se vê ao entrar no Xbox Operations Center é, como colocou a Polygon, um enorme teatro que se parece muito com o Controle de Missões da NASA, a agência espacial estadunidense. Há dezenas de pessoas, todas com três monitores disponíveis — um para a rede da Microsoft, outro para a rede do Xbox e o terceiro com funções variadas. Algo bem distante do início em 2000, portanto.

O desafio da Segunda Geração

Se o lançamento do primeiro Xbox e das bases da Xbox LIVE foram patrocinados pelo conhecimento e também por certo senso de oportunidade da Microsoft, com a chegada do Xbox 360 o sistema realmente chegou a outro patamar — cujo desafio se estende, chegando até o novíssimo espaço social multimídia disponível no Xbox One.

Mas isso certamente não foi fácil. Afinal, uma geração já havia sido suficiente para que a Sony, por exemplo, acertasse certo descompasso em relação às suas infraestruturas online — já que, convenhamos, o acesso à grande rede jamais chegou a vingar com o PlayStation 2. É claro que havia a vantagem de que os novos consoles já trariam a Xbox LIVE devidamente integrada — formando um único produto com o Xbox.

“A fim de fazer com que o Xbox 360 mostrasse a que veio, você precisava estar conectado; era ali que os seus amigos estavam”, lembrou o icônico Larry “Major Nelson” Hryb à Polygon, delineando o que seria a aposta da Microsoft para o futuro. “Eu me lembro de todos esses momentos, quando nós atualizávamos o sistema e novos jogos podiam ser lançados e nós nos esforçávamos para manter tudo funcionando.”

“A Xbox LIVE foi um dos primeiros sistemas em que as pessoas nos pagavam por serviços prestados pela Microsoft”, diz Hryb. “Eu acredito que nós demos o tom para os serviços pagos para toda a companhia”, ele acrescenta, aludindo a uma prática que se tornou cada vez mais comum na empresa.

De fato, longe do seu início modesto, a Xbox LIVE hoje não apenas agrega diversas funcionalidades e serviços como nem mesmo se mantém restrita ao Xbox. É de se imaginar quais serão os próximos passos do “azarão”.

Fontes

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