Como as emissoras de TV podem se reinventar em tempos de internet?

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Todo ano é a mesma novela: diante dos péssimos índices de audiência, a emissora norte-americana NBC cogita cancelar a série “Community”. No entanto, basta surgirem os primeiros rumores sobre o encerramento do programa para que uma onda de comoção se espalhe pela internet. No final, o seriado sempre ganha uma nova temporada e o ciclo recomeça.

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No entanto, por que o canal continua investindo em algo que não faz sucesso? Porque faz, mesmo com todos os números dizendo o exato oposto. A série da NBC que retrata o cotidiano em uma faculdade comunitária é um dos principais exemplos de uma nova realidade que muitas emissoras já estão encarando há algum tempo.

Ampliar (Fonte da imagem: Divulgação/NBC)

Os canais estão, aos poucos, percebendo que a forma como o público consome seu conteúdo vem mudando e, com isso, índices de audiência e popularidade já não são mais sinônimos. É claro que casos como a NBC ainda são uma minoria, mas cada vez mais frequentes.

E assim como aconteceu com a indústria fonográfica, as emissoras estão lutando para entender seu público e conseguir fazer com que a publicidade realmente chegue até ele. Afinal, como sobreviver em um mundo em que nem mesmo os números são confiáveis?

O golpe da pirataria

Por mais nociva que a pirataria seja em qualquer setor, não podemos negar que ela é uma das grandes responsáveis pelas evoluções dentro da indústria do entretenimento. No caso das TVs, foi o compartilhamento ilegal de conteúdo que deu início a uma revolução comportamental do público, que deixou de consumir seus programas preferidos de maneira passiva. São raras as pessoas que ainda sentam em frente à televisão à espera do horário em que a atração tem início.

Ampliar (Fonte da imagem: Reprodução/The Pirate Bay)


A facilidade de baixar um arquivo “acostumou” o indivíduo a assistir àquilo que ele gosta e na hora que ele quer. Somos espectadores muito mais ativos do que éramos há uma década. Queremos montar nossa agenda de acordo com aquilo que achamos melhor — e não do modo que a emissora julga ser.

E mais do que ver um programa quando e onde você quiser, a pirataria também fez o público perceber que ele não queria ser incomodado com propagandas que interrompiam a história que ele acompanhava. Quem nunca xingou a entrada de um comercial quando todos os mistérios de “Lost” estavam prestes a ser revelados ou sofreu durante longos 60 segundos para saber se está tudo bem com os sobreviventes em “The Walking Dead”?

Longe de mim querer defender a prática, mas é impossível negar sua importância dentro desse contexto. Toda a praticidade oferecida — mesmo que de maneira ilegal — criou novos hábitos e necessidades, ou seja, coisas que o formato tradicional de TV não estava mais conseguindo oferecer.

Esse número não nos representa

É claro que não demorou para que algumas empresas percebessem essa mudança de preferência e de comportamento e procurassem entender as causas que as motivaram. Foi quando se deram conta de que as pessoas queriam controlar suas próprias agendas e acompanhar seus programas sem qualquer tipo de interrupção indesejada.

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Isso se transformou em terreno fértil para a popularização de serviços de transmissão sob demanda, que se tornaram cada vez mais populares ao oferecer exatamente aquilo que o espectador queria e sem o peso da ilegalidade. Serviços como Netflix, Hulu, Amazon Instant Video e iTunes acompanharam uma tendência e passaram a ser as queridinhas do público, que tinha o conteúdo desejado a um clique de distância. Totalmente dentro da lei e ainda mais prático, já que nem era preciso fazer o download do material.

E é aqui que entramos no caso Community — e em tantos outros que passam ou já passaram pelo mesmo drama. A grande maioria das emissoras ainda pensa dentro do modelo tradicional de negócios, ou seja, a audiência ainda é mensurada somente a partir do número de televisores ligados dentro de um determinado período. É esse número que será apresentado pelo setor comercial a uma empresa na hora de vender um espaço publicitário.

Ampliar (Fonte da imagem: Reprodução/YJ Cave)


O problema é que isso é apenas uma fração do todo que acompanha a série, já que muita gente opta por assisti-la via streaming, seja por questão de tempo ou pela simples comodidade. Porém, isso faz com que o indivíduo — ou a grande parcela que faz isso — fique fora dos índices e seja, portanto, ignorado. As emissoras não somam os usuários do Netflix ou do iTunes às suas contas, criando uma discrepância absurda entre a audiência oficial e a real.

E isso afeta também o fator popularidade. Um canal pode considerar algo um fracasso, quando, na verdade, a atração é querida e amada por muitos. É o que acontece todos os anos com Community e tantos outros shows que estão sempre em vias de serem cancelados. Por mais que milhões de pessoas acompanhem cada episódio, nenhuma delas entra nas estatísticas apresentadas pelo setor comercial. Afinal, que empresa quer anunciar em algo que ninguém vê?

Sinais dos tempos

O episódio de estreia da terceira temporada de Game of Thrones foi um tremendo sucesso, como os índices de audiência obtidos pela HBO revelaram. Contudo, paralelamente a isso, o capítulo também quebrou recordes em sites de compartilhamento, tendo sido baixado mais de 1 milhão de vezes em apenas dois dias. Além disso, o seriado também levou o título de programa mais pirateado de 2012.

Ampliar (Fonte da imagem: Divulgação/HBO)


E se você acha que isso está tirando o sono de produtores e demais executivos da emissora, saiba que você está muito enganado. Em entrevista recente, o diretor da adaptação, David Petrarca, afirmou que a pirataria não afeta o sucesso da série e chega até a ajudá-la. Segundo ele, os downloads ilegais ajudaram a torná-la muito mais popular, sendo quase como um painel de divulgação e gerando um “buzz cultural” que a exibição exclusiva na TV não conseguiria alcançar.

Mais do que isso, essa popularização representou um aumento nas vendas de DVDs, Blu-rays e demais produtos licenciados. Como mais gente conhecia a série, melhores foram os resultados em outros setores.

Pode ser estranho imaginar que a pirataria trouxe aspectos positivos para um de seus alvos, mas isso só foi possível porque a HBO foi capaz de perceber essa tendência entre seu público e de desenvolver um novo modelo de negócio que pudesse aproveitar uma situação desfavorável e invertê-la a seu favor.

Ampliar (Fonte da imagem: Divulgação/HBO)

É claro que se trata de um caso bem específico e que dificilmente pode ser aplicado a todas as emissoras. No entanto, ele exemplifica bem essa nova realidade que as empresas de TV precisam encarar e, principalmente, entender para sobreviver.

Como mencionado anteriormente, os canais ainda se baseiam muito no modelo tradicional de negócios, ou seja, vendendo espaços em sua programação para que o público veja o anúncio de determinada companhia nos intervalos comerciais. E o que acontece quando as pessoas estão aderindo cada vez mais à facilidade do conteúdo sob demanda?

Como Netflix, Hulu e iTunes não entram nos índices de audiência, restam duas possíveis saídas às emissoras. A primeira é a mais cômoda, ou seja, continuar com as coisas do jeito que elas estão, cancelando aquilo que não dá retorno e investindo em novos projetos. Neste caso, há um enorme risco a médio e longo prazo, já que a indústria fonográfica seguiu uma estratégia semelhante em sua luta contra a pirataria e o surgimento do ambiente digital e quase entrou em colapso.

Ampliar (Fonte da imagem: Divulgação/AMC)

Por outro lado, há sempre a possibilidade de procurar novas maneiras de vender publicidade às empresas, mas sem ignorar as tendências de mercado. É perceber que o espectador não é mais passivo a ponto de ter sua programação interrompida e a propaganda arremessada em seu colo sem protesto. Para sobreviver “aos novos tempos”, as companhias precisam pensar em maneiras de unir essas duas ideias.

A própria venda de produtos licenciados é uma alternativa para isso. Se popularidade e audiência não são mais sinônimos, comercializar itens relacionados às atrações é uma ótima maneira de driblar qualquer eventualidade com a possível perda de anunciantes. E não apenas no caso de DVDs, já que a gama de utensílios é bem variada. A NBC, por exemplo, tem uma área em seu site que vende desde moletons a bonecos, chaveiros e outras quinquilharias inspiradas em suas séries.

O merchandising é outra solução que funciona muito bem, pois consegue trazer a publicidade para dentro do conteúdo e é levada para serviços sob demanda e até mesmo para a pirataria. Se bem utilizada, a ideia de colocar uma marca dentro do contexto da série pode também gerar ótimas situações.

A rede Subway foi uma das gigantes que compreendeu essa mudança de perfil no consumidor. Acompanhando o apelo dos fãs na internet para salvar séries como “Chuck” e “Community”, ela introduziu seu nome dentro daqueles pequenos universos. Assim, em vez de interromper os episódios para apresentar um sanduíche, o lanche se tornava parte do cotidiano dos personagens, que comentavam sobre ele ou simplesmente apareciam com um em mãos. No caso da comédia universitária, a marca chegou a se transformar em um personagem, provando que o bom uso da prática pode render boas situações.

Uma solução?

É claro que nada disso é definitivo. As ideias aqui propostas são apenas algumas alternativas para uma questão cada vez mais recorrente enfrentada pelas grandes emissoras internacionais.

A única certeza é a de que realmente estamos passando por um momento de transição e de que a forma como audiência e popularidade estão relacionadas não funciona mais da mesma maneira que há uma década. Por conta disso, bons programas acabam sendo cancelados por encontrarem o sucesso em outro meio que não a TV propriamente dita. Assim como aconteceu com a música, os tempos são outros e é preciso se adaptar para sobreviver a eles.

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