O que o urso polar tem a ver com inteligência artificial?

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A natureza é uma rica fonte de aprendizado. Observá-la rende frutos e lições que vão desde o aprimoramento de nossa filosofia de vida até o desenvolvimento de tecnologia. Pouca gente sabe, por exemplo, que cupinzeiros já serviram de inspiração para o ar-condicionado ou que o nariz do trem-bala empresta o design do bico do martim-pescador para reduzir o atrito e, assim, ganhar velocidade.

Mas o que isso tem a ver com inteligência artificial (IA)? Já chegamos lá.

Um fenômeno interessante que se observa na natureza é o da hibernação. Durante o inverno, animais que habitam locais inóspitos mergulham em um estado de sonolência e inatividade, mantendo suas funções vitais no nível mínimo necessário para continuarem vivos. Antes disso, no entanto, tais criaturas passam meses consumindo e/ou estocando grande quantidade de alimentos para poderem utilizá-las nos tempos difíceis. Antecipam, assim, a inevitável mudança climática, a fim de suportar os seus desafios quando estes fatalmente se apresentarem.

E, agora sim, chegamos ao nosso tema principal

Há algum tempo se fala da importância de se estabelecer regras e orientações para o tema inteligência artificial. É possível citar relevantes esforços de instituições, de caráter nacional e transnacional, que se ocupam de pensar o desenvolvimento e aplicação ética dessa tecnologia. Na Europa, recentemente surgiu o Artificial Intelligence Act, proposta regulatória que materializa o interesse europeu de liderar movimento em prol do desenvolvimento de IA de maneira centrada no ser humano, sustentável, segura e ética.

No Brasil, já há um projeto de lei sobre o tema que avançou significativos passos no processo legislativo e pode a qualquer momento se tornar lei.

Inteligência Artificial Fonte: Shutterstock

Para todos os efeitos, há uma nítida tendência de que, cedo ou tarde, tenhamos obrigações relacionadas ao desenvolvimento e aplicação dessa tecnologia. Como o inverno, essas regras vão chegar e pegar muita gente desprevenida, esgotando reservas de energia e provocando bater de dentes. Não seria, portanto, o momento de nos adiantarmos a essas implacáveis mudanças? Se sim, como?

A boa notícia é que podemos pegar carona em uma mudança relativamente recente e maximizar nossos esforços para "matar dois coelhos com uma cajadada só". É que há pouco mais de um ano vige a Lei Geral de Proteção de Dados (Lei nº 13.709/2018 ou LGPD), que impõe regras para o tratamento de dados pessoais e que gerou gigantesca onda de complexos projetos de adequação em organizações, públicas e privadas, dos mais variados setores. Um dos mecanismos que a LGPD prevê é a necessidade de elaboração de relatórios de impacto à proteção de dados em situações em que o tratamento representa alto risco aos titulares (pessoas donas dos dados). Espera-se que o referido instrumento seja regulamentado pela autoridade nacional de proteção de dados, o mais breve possível, neste ano. Ao que tudo indica, haverá, portanto, uma janela de elaboração massiva de relatórios dessa natureza assim que a regulamentação vier.

Sabendo disso, por que não incluir, já nesse momento, alguma espécie de avaliação de inteligência artificial, na tentativa de antecipar a tendência regulatória, iniciar o trabalho de engajamento dos times envolvidos e, desse modo, tornar a organização mais apta a recepcionar os impactos da norma futura?

A proposta de regulação europeia cria requisitos que devem ser alvo de análise, que podem ser emprestados e embutidos nos relatórios de impacto exigidos pela lei de proteção de dados que serão realizados ao longo deste ano. Vale dizer que o projeto de lei nº. 21/2020, que trata de inteligência artificial, em seu artigo 5º, elenca como princípios, entre outros, o da inovação responsável, segurança e prevenção, o que requer o emprego de melhores práticas para o gerenciamento e mitigação de riscos relacionados à inteligência artificial. Assim, há elementos para forjarem, desde já, protótipos de análises de impacto de inteligência artificial a serem injetadas nos relatórios de impacto à proteção de dados e começar a gerar evidências positivas de nosso compromisso e responsabilidade com o tema.

Como é possível concluir, trata-se de um caminho sem volta e o inverno não tarda a chegar. A pergunta que fica é: estamos colhendo alimentos suficientes para o amanhã ou estamos somente matando a fome do hoje? A resposta é com vocês!

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Paulo Vidigal, colunista do TecMundo, é sócio do escritório Prado Vidigal, especializado em Direito Digital, Privacidade e Proteção de Dados, certificado pela International Association of Privacy Professionals (CIPP/E), pós-graduado em MBA em Direito Eletrônico pela Escola Paulista de Direito, com extensão em Privacidade e Proteção de Dados pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e em Privacy by Design pela Ryerson University.

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