Polícia no Brasil não pode mexer no seu celular — se estiver bloqueado

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A polícia pode mexer no meu celular? Essa é uma pergunta que fica cada vez mais frequente. Seja andando na rua ou exercendo seus direitos ao participar de uma manifestação, as autoridades policiais podem pegar o seu celular, pedir para você desbloquear e ficar revirando conversas, olhando fotos e vídeos e acessando aplicativos?

Vamos olhar para fora de maneira rápida antes de voltar ao Brasil: nos Estados Unidos, especificamente em Nova York, um juiz estadual decidiu neste mês (novembro) que a polícia só poderia fuçar smartphones de suspeitos com autorização judicial.

A resposta mais simples e direta para essa questão é: não, um policial não pode obrigar você a desbloquear o smartphone

Normalmente, os casos de invasão de smartphones após a prisão de um criminoso são mais noticiados. Isso porque sempre é notada a dificuldade que as autoridades têm de invadir aparelhos bloqueados — vide o caso San Bernardino, nos EUA, no qual o FBI travou uma batalha contra a Apple para desbloquear um iPhone 5c.

  • O TecMundo conversou na última sexta-feira (17) com o advogado Renato Opice Blum, professor coordenador de Direito Digital do Insper, para entender como a questão "Polícia x Celular" funciona no Brasil.

A resposta mais simples e direta para essa questão é: não, um policial não pode obrigar você a desbloquear o smartphone em uma revista pessoal. Contudo, existem muitas variáveis nesta história.

"Quando o policial faz uma revista pessoal, vulgo abordagem, ele tem uma prerrogativa chamada de 'fundada suspeita', que é algo muito subjetivo. Os tribunais entendem isso e aceitam que o policial pode olhar o celular de uma pessoa — basta ele achar que essa pessoa abordada é suspeita", comenta Renato Opice.

Art. 244. A busca pessoal independerá de mandado, no caso de prisão ou quando houver fundada suspeita de que a pessoa esteja na posse de arma proibida ou de objetos ou papéis que constituam corpo de delito, ou quando a medida for determinada no curso de busca domiciliar

"Se você estiver dentro de um carro, por exemplo, ele poderá checar o que existe dentro do veículo também. Se ele encontrar um celular, eventualmente, ele poderá apreender o celular. Contudo, ele não poderá te obrigar a fornecer a senha do celular. Você não é obrigado, de acordo com a Constituição Brasileira, a criar provas contra si mesmo. Você não cometerá qualquer crime ao não revelar a senha do celular", adiciona o advogado.

Agora, quando pensamos em situações diferentes: por exemplo, o seu smartphone está desbloqueado durante uma abordagem. Neste caso, mesmo sem um consenso definido, tudo que indica que sim.

"Não temos uma jurisprudência pacífica, mas temos decisões que vão para os dois lados", nota o advogado, adicionando que "uma decisão daqui de São Paulo já julgou e decidiu que um policial não pode mexer no conteúdo mesmo com o celular desbloqueado em mãos — visto que é algo muito pessoal. Por outro lado, outras decisões pelo Brasil, se o celular estiver desbloqueado e existir a prática do crime, há uma relação do crime com o telefone, o policial poderia fazer isso [mexer no celular] sem uma ordem judicial".

Para encontrar um meio-termo, Renato Opice comenta que o ideal seria realizar uma correlação do telefone com um envelope papel fechado.

"Se você tem um envelope no bolso, fechado, durante uma revista pessoal, com remetente e destinatário, o policial não pode abrir o envelope sem ordem judicial. O celular é, mais ou menos, a mesma coisa. Se ele estiver aberto, o policial poderia fazer isso se encontrar relação com um crime", explica.

policiaAbordagem

TecMundo: Ok, e se o celular que estava desbloqueado no momento da abordagem for bloqueado por acesso remoto (ou tempo) posteriormente?

Renato Opice Blum: "O cenário ideal seria que nós tivéssemos um juiz à disposição em tempo real para receber uma ordem — algo que não existe hoje, mas mais cedo ou mais tarde teremos que ter. Se houver efetiva relação do crime com algum conteúdo no aparelho, o policial poderia então manter aquele aparelho funcionando e também pedir ao suspeito que esperasse a ordem judicial. Esse seria um dos caminhos, mais arrojado."

TecMundo: E o que acontece no 'caminho atual'?

Renato Opice Blum: "O que deve acontecer: a sociedade também não pode ser prejudicada como um todo por causa de uma falta de atualização do judiciário — algo que é global, o mundo inteiro está assim. Essa falta de atualização pode acabar causando uma impunidade. Então, o meio-termo seria: você não é obrigado a dar a sua senha. Agora, se você não tem senha no seu celular, é porque de alguma forma você entendeu que aquele aparelho não precisaria de tanta proteção assim. Então, nesse contexto, o policial poderia mexer no aparelho."

TecMundo: E durante manifestações e protestos? Principalmente quando acontecem gravações do trabalho policial?

Renato Opice Blum: "A gravação de um ato em local público é legal, um direito de qualquer pessoa. Agora, se a gravação ocorre em um momento que a segurança da pessoa que grava está em risco, o policial pode impedir a continuidade da gravação — mas com o intuito de proteção daquela pessoa ou mesmo da própria operação policial. O apagar [apagar um vídeo ou foto do celular] não seria possível."

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