Os Fabelmans encanta ao contar a vida de Steven Spielberg (crítica)

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Em suas cinco décadas de carreira, o diretor Steven Spielberg consolidou para si um lugar especial na memória cinematográfica dos espectadores. Seus filmes costumam ser acessíveis a uma audiência ampla, mesmo quando ele trata de temas difíceis (como em A Lista de Schindler, de 1993).

Em parte, isso se dá por conta do tom acolhedor e mesmo otimista que permeia suas obras, que tendem a atravessar gerações. É difícil imaginar uma pessoa que tenha assistido a ET – O Extraterrestre (1982) e que não tenha simultaneamente ficado tensa e se comovido com a história familiar contada ali por Spielberg, ou mesmo que consumiu a série Indiana Jones e não segurou a respiração em várias cenas e torcido pelo arqueólogo aventureiro.

Mas de onde vem esta visão “bonita” da vida, ainda que a realidade seja tantas vezes tão cheia de tragédia? A mais nova obra de Steven Spielberg, Os Fabelmans, que está indicada ao Oscar de Melhor Filme, parece trazer algumas respostas a essa questão. O longa pode ser decodificado como uma autobiografia livre do célebre diretor que explica como a sua trajetória foi sempre atravessada pelo cinema, e que esta foi a maneira que ele encontrou para “sobreviver” às dores inerentes ao crescimento.

Adorável, Os Fabelmans é uma oportunidade e tanto para conhecermos um pouco mais da história e da alma de um dos grandes gênios do cinema, além de trazer o tempo todo uma pertinente homenagem à importância da arte como uma forma de estar no mundo – que, em tantas vezes, é tão duro que a única maneira de suportar é escapando.

Uma família como qualquer outra?

Em Os Fabelmans, acompanhamos a história de uma família judia em Nova Jersey. Um dia, eles vão ao cinema assistir a O Maior Espetáculo da Terra (vencedor do Oscar de melhor filme em 1952), dirigido de Cecil B. de Mille. O filho Sammy (vivido por Mateo Zoryon Francis-DeFord na infância e por Gabriel LaBelle na adolescência) fica apavorado quando um trem colide na tela, causando uma tragédia.

Mas uma centelha se acende no menino. Quando ele retorna para casa, tenta reproduzir a cena com o seu ferrorama. Ele é estimulado pela mãe, Mitzi (vivida magistralmente por Michelle Williams, que está indicada ao Oscar de Melhor Atriz), que coloca uma câmera em sua mão e estimula-o a fazer seu primeiro filme.

Logo sabemos que os Fabelmans são uma família bem normal e aparentemente feliz. O pai, Burt (Paul Dano), é um engenheiro brilhante e muito lógico, focado no crescimento de sua carreira. A mãe, por outro lado, é uma pianista de mão cheia que desistiu de sua carreira para criar os filhos e cuidar da casa. Além de Sammy, eles têm mais três filhas, e todos parecem se dar bem, sem grandes conflitos.

A beleza de Os Fabelmans está na sutileza com que essa história familiar é construída. As estruturas que sustentam essa família feliz logo exibem algumas rachaduras. Mitzi (sem dúvida, a estrela do filme) é uma mulher encantadora, que dança livre e solta na frente de todos e está sempre aérea, como se estivesse em outro mundo. Mas aos poucos, entendemos que isso também é o sintoma da depressão de uma mulher que se sente presa dentro de uma vida suburbana como mãe e dona de casa.

Enquanto isso, Sammy parece encontrar sua vocação como um jovem cineasta que reproduz cenas de faroeste com seus colegas escoteiros, evidenciando sua genialidade precoce. Ele vai aprendendo a fazer truques de filmagem e a editar suas películas de maneira autodidata.

Em algum momento, um fato banal também será transformador. Um tio distante de sua mãe aparece na casa da família, como se fosse uma espécie de aparição. O tio Boris (vivido por Judd Hirsch, indicado ao Oscar de Melhor Ator Coadjuvante) é um ex-artista de circo que entra na história como um mentor que explicará as concessões necessárias para se viver de arte.

Fica evidente aqui que Spielberg parece nos dizer que o jeito que encontrou de estar no mundo é por meio da mediação das lentes. Por elas, o jovem diretor observa, seleciona, filtra aquilo que quer ver e mostrar ao mundo. O sobrenome Fabelmans, aliás, pode sugerir um trocadilho com fable, de fábula, narrativa – ou seja: o ato de montar uma história que faça sentido.

Mas nem sempre a realidade do filme é a realidade de fato. Em certo momento da adolescência, a câmera de Sammy Fabelman capta uma cena que irá mudar a vida não apenas dele, mas de toda a sua família.

Uma ode ao cinema

(Fonte: NZN)(Fonte: NZN)Fonte: NZN

Uma chave para entender Os Fabelmans é por meio da sua história: a de um menino gênio de uma família judia, que se envolve com o cinema desde pequenininho e que o utiliza mesmo como uma ferramenta de defesa (é por meio de seus filmes que ele lida, por exemplo, com o antissemitismo explícito na Califórnia, para onde a família se muda por conta da carreira do pai).

Mas há outra maneira de “ler” o filme, e ela consiste em observar a forma, as escolhas estéticas e narrativas feitas por Spielberg. Nesta autobiografia inspirada, o famoso diretor faz também uma homenagem aos tantos filmes e diretores que fizeram a sua formação. As tomadas, os enquadramentos e a montagem de todo o filme vai nos levando a um passeio pelas obras que mais influenciaram o diretor – e, é claro, à própria obra dele.

Toda esta metanarrativa que atravessa o filme nos faz desfrutar Os Fabelmans por múltiplas camadas, que se enriquecem à medida que vão sendo decodificadas. Se o escritor Gabriel García Márquez deu à sua autobiografia o nome Viver para Contar, talvez um outro título justo para a obra de Spielberg talvez pudesse ser Viver para Filmar.

Preste atenção, por fim, no final do filme, que é genial e engraçado na mesma medida, além de prestar uma homenagem a mais dois gênios do cinema. Os Fabelmans pode não ser a obra mais original entre os indicados ao Oscar em 2023. Mas, sem dúvida, é a mais encantadora.

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