That ‘90s Show oscila entre a nostalgia adorável e a pouca graça (crítica)

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Imagem: Netflix

O spin-off That ‘90s Show tem um público certo: ele parece querer atingir aqueles que curtiram a série That ‘70s Show, que foi produzida pela Fox em oito temporadas entre 1998 e 2006. Mas falo isso não apenas pela temática relacionada à original – That ’90s Show acompanha a filha de Eric (Topher Grace) e Donna (Laura Prepon) vinte anos depois – mas por um fator a mais: o tipo de humor que a nova série carrega.

Ou seja, That ‘90s Show, que foi produzida pela Netflix, é, em quase todos os aspectos, igualzinha à sua série-mãe. Isso se vê, por exemplo, na própria dinâmica dos personagens. A narrativa se inicia quando Eric e Donna visitam os pais dele, Red (Kurtwood Smith) e Kitty (Debra Jo Rupp) durante o feriado de 4 de Julho, um dos mais tradicionais na cultura americana. No fim da viagem, a adolescente Leia (Callie Haverda) deverá partir com o pai, Eric, para uma convenção de Star Wars.

Mas Leia se rebela: não quer fazer esse passeio. Ao invés disso, ela pede para passar as férias com os avós. Assim, tem a oportunidade de conhecer e desenvolver uma convivência com seus vizinhos: a esperta e descolada Gwen (a atriz afrodescendente Ashley Aufderheide), que é meia-irmã de Nate (Maxwell Acee Donovan), que, por sua vez, namora a asiática Nikki (Sam Morelos). Compõem ainda o grupo Jay (Mace Coronel), que é o melhor amigo de Nate, e um adolescente gay chamado Ozzie (Reyn Doi, que tem ascendência japonesa e havaiana). Fica bastante claro: as "funções" dos personagens na trama são praticamente as mesmas da série de origem.

Destaco as origens étnicas dos atores para ressaltar que estamos assistindo a uma atualização contemporânea de uma série muito querida, mas que, em vários aspectos, foi considerada problemática. That ‘70s Show, em certo momento, foi acusada de estigmatizar a população latina com o personagem Fez (Wilmer Valderrama, que volta a That ‘90s Show como ator convidado), que era apresentado como alguém burro e com trejeitos afetados que eram usados para desmerecê-lo.

Ainda assim, o spin-off retorna claramente para buscar o público saudoso pelas confusões e as rodas de maconha que ocorriam no porão de Red e Kitty (sem que eles se dessem conta, é claro). A ideia é continuar trazendo uma série light, mas ajustada ao seu tempo.

Série nova, humor velho

Você provavelmente já cruzou com algumas discussões que sugerem que certos discursos circulados em séries e filmes ficaram datados depois de um tempo. São personagens que desrespeitam minorias, piadas que ofendem todo tipo de pessoa ou outro tipo de prática que, com o passar dos anos, começou a ser visto como nociva.

Mas pouco se fala que esse cansaço também se dá nos formatos. A comédia, por exemplo, se modificou muito nas últimas décadas. Nos anos 1990 e até uma boa parte dos anos 2000, o formato sitcom com claque (as risadas de auditório, visto que estes programas são gravados em teatros com plateia) era praticamente a regra. É só lembrar de Friends, Seinfeld, How I met your mother e tantos shows que os sucederam ou antecederam.

Ocorre que a claque – também chamada pejorativamente de “risada enlatada” – caiu quase em desuso nos últimos anos. Uma das razões pode ser a sofisticação do tipo de humor em séries. The Office, por exemplo, catapultou o formato mockumentary (uma brincadeira com o formato de documentário), e muitas séries surgiram que mesclam na mesma medida o drama e o humor – como, por exemplo, The White Lotus ou até mesmo Succession.

Por isso, assistir em pleno 2023 a uma série baseada no formato de piadas cronometradas por minuto e pontuadas por risadas de fundo parece um pouco como voltar ao passado, sem ter muita vontade de fazer isso. Mas o mais grave é: as piadas de That '90s Show nem são muito engraçadas.

Vale a pena ver?

(Fonte: Netflix)(Fonte: Netflix)Fonte:  Netflix 

Diria, portanto, que That ‘90s Show soa um pouco como comer comida requentada. Na maioria das vezes, a gente faz isso por pura preguiça. Mas tem momentos em que aquela pizza de ontem parece melhor do que no dia em que ela foi encomendada.

Com isto, quero dizer que este spin-off, por vezes, tem aquele gostinho de comédia adorável que a gente quer ver sem ter que pensar muito. A atração traz um tanto de ingenuidade adolescente, numa visão não cínica da vida, que é um pouco diferente da série original – dando a sensação que, ao mesmo tempo que That ‘90s Show evoca ao saudosismo, também está buscando apelar a pré-adolescentes.

Só para se ter uma ideia, boa parte da primeira temporada se centraliza nas descobertas de Leia (que foi assim batizada, claro, por conta da nerdice do pai e sua devoção a Star Wars), como a angústia de não ter dado ainda o primeiro beijo. Ela está às voltas de um possível romance com Jay Kelso, um jovem mulherengo que, não por acaso, é filho de Michael Kelso (Ashton Kutscher) e Jackie (Mila Kunis). Ambos fazem também participações especiais, para alegria dos fãs.

Em certos momentos da história, o excesso de “bobice” soa cansativo. O personagem Nate, que é manipulado pela irmã e pela namorada, chega a irritar por sua incapacidade de mostrar facetas que vão além disso. O mesmo serve para Ozzie, que parece ter sido formatado para gerar buzz nas redes sociais – como alguém que ecoa frases ou cenas que podem virar a se tornar memes.

Em meio aos sentimentos mistos que este spin-off é capaz de causar, vale destacar aquele que mais me agradou: a leitura meio debochada sobre os elementos da cultura jovem nos anos 1990-2000. Preste atenção, por exemplo, na tiração de sarro com as raves de música eletrônica (que, olhadas à distância, agora parecem ter sido um grande delírio coletivo), ou com a centralidade dos shopping centers na vida dos adolescentes (os jovens da série vão até lá para achar seus “peguetes”, numa simplicidade que chega a dar inveja aos mais velhos).

Entre a falta de graça e o apelo nostálgico, That ‘90s Show parece ficar no meio do caminho. Parodiando aquela música do Lulu Santos que era abertura de Malhação: não é ruim, mas também não é tão bom assim.

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