Bem produzido, Depois do Universo derrapa nos muitos clichês (crítica)
Romances que envolvem barreiras da saúde são uma espécie de gênero bastante explorado pelo menos desde A Culpa é das Estrelas, o famosíssimo livro de John Green publicado em 2012. Tem até quem já esboçou o nome para o estilo: seriam os terminal romances, os livros de amor em que algum dos envolvidos tem uma doença terminal.
O Brasil ganhou a sua mais nova versão deste tipo de história com Depois do Universo, o filme dirigido por Diego Freitas que tem obtido resultados incríveis: ele está dentro do top 10 da Netflix em 43 países, tornando-se um sucesso instantâneo da plataforma de streaming.
A história do longa pode ser facilmente resumida: uma jovem moça, chamada Nina (vivida pela cantora Giulia Be), tem lúpus, uma doença autoimune que afeta o sistema imunológico, fazendo com que as células ataquem o próprio organismo da pessoa. Com o passar do tempo, a doença vai se complicando e tornando o seu sonho de se tornar uma pianista famosa cada vez mais distante.
Quando a doença ataca os rins, ela entra na fila do transplante e começa a fazer hemodiálise. O destino faz com que ela trombe, por acaso (na estação Luz do metrô de São Paulo!) com Gabriel (o ator Henrique Zaga) – que, logo mais, ela descobre se tratar do médico que cuidaria do seu tratamento. Com o perdão do trocadilho, fica óbvio que a “culpa é das estrelas”: obviamente, eles vão se apaixonar.
E o principal empecilho do relacionamento, claro, será a saúde frágil dela. Mas há outras barreiras: o sério doutor Alberto (papel do veterano João Miguel), chefe do hospital e pai de Gabriel, e o conselho de ética da instituição, que achará bem pouco recomendável (com razão) que um médico se envolva com uma paciente.
Poucas surpresas em uma grande produção
(Fonte: Netflix)Fonte: Netflix
Avaliar a qualidade do filme talvez envolva ter em mente qual é a faixa etária de quem está assistindo. Claramente, Depois do Universo é um filme todo pensado para atingir um filão: o público teen ainda pouco cínico às histórias de amor deste estilo. Quem tem um pouco mais da idade, provavelmente sentirá que há muitos clichês espalhados na história – inclusive alguns aspectos que fazem com que a suspensão da descrença (a premissa básica do entretenimento: para aproveitar uma ficção, é preciso estar disposto a mergulhar nela e acreditar no que está sendo mostrado) se rompa.
Inicialmente, é bem complicado acreditar naquele encontro na Estação da Luz. Não porque seja impossível que duas pessoas se cruzem no metrô de São Paulo (é raro, mas pode acontecer), e sim porque o jovem médico está andando de bicicleta dentro da estação e "atropela" a bela moça que está tocando piano no mesmo lugar. Tudo isto aproxima a história do sonho romântico que, como já mencionei, tende a se mostrar pouco crível à medida que o público cresce.
Mas talvez o que mais pegue na chamada suspensão da descrença é o fato de que paciente e médico têm, aparentemente, idades muito próximas. Parece bem difícil acreditar que aquele jovem seja um médico em residência e que ele seja, conforme sugerem as cenas, uma espécie de Dr. House versão teen, capaz de acertar os diagnósticos com mais precisão e rapidez do que todos os seus outros colegas.
Por isso, quem for assistir a Depois do Universo precisa estar bem disposto a relevar todas estas questões. A parte boa é que o filme claramente tem uma produção cara, de alto nível, e por isso nos entrega cenas esteticamente bonitas e oníricas – explorando, em vários momentos, o ambiente do espaço sideral sugerido pelo título.
A história também apresenta um plot twist interessante para um filme deste gênero, seguindo caminhos um pouco inusitados ao que se espera de um terminal romance.
Problemas mais sutis na trama
(Fonte: Netflix)Fonte: Netflix
Penso que as fragilidades de Depois do Universo estão nas sutilezas, e remetem a questões que, em outros anos ou em outras décadas, não seriam notados. Contudo, vale lembrar que estamos em 2022, em que certas discussões já foram suficientemente amadurecidas – sobretudo entre os mais jovens.
O primeiro ponto diz respeito ao casal de protagonistas. Obviamente, escalou-se ao papel duas estrelas que já trazem consigo sua legião de fãs. Giula Be é famosa por ser uma cantora (Depois do Universo é sua estreia como atriz, desafio que ela enfrenta com competência), e Henrique Zaga tem uma carreira internacional, com papeis nas séries Teen Wolf e 13 Reasons Why, e em Os Novos Mutantes, filme spin-off de X-Men.
Ou seja, são dois atores lindos e bastante adequados no que chama hoje de “padrão”: trazem belezas hegemônicas, invejáveis e, por isso mesmo, opressoras à maior parte de pessoas. Isto talvez seja motivo suficiente para que os personagens Nina e Gabriel sejam vistos sob alguma suspeita.
Mas soma-se a isso outras características: eles não têm qualquer característica negativa em suas personalidades. Nina é bondosa, amorosa com o avô (Otton Bastos), paciente na maior parte das vezes com sua própria condição de saúde. Já Gabriel é uma estrela no hospital: ele é tão carismático que leva comida escondido para os pacientes. Além disso, o doutor é a própria descrição do “copo meio cheio”, sempre a postos para dizer uma palavra positiva para os doentes (pouco importa que ele mesmo tenha um grande sofrimento na bagagem por causa da morte da mãe).
E há um detalhe da trama que me incomodou muito: o fato de que ele tem um melhor amigo, o médico Yuri (Leo Bahia) que esbarra na construção bem inadequada do “gay acessório”. Trata-se de um personagem homossexual, cuja construção é excessivamente estereotipada (como no recurso de citar RuPaul pelo menos duas vezes) e que está presente na história mais para mostrar o quanto o protagonista é legal e tolerante e menos para ter um desenvolvimento suficiente e respeitoso.
E, por fim, o questionamento que deixo em aberto (e que só entenderá quem assistiu ao filme): afinal, para que servem os conselhos de ética presentes nos hospitais?
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