Para muita gente, a chegada dos veículos autônomos indica que as ruas estão prestes a ficar mais seguras, já que uma série de acidentes podem ser evitados com base em sensores, câmeras e análises feitas em tempo real graças a uma infinidade de tecnologias integradas a esses sistemas. No entanto, no caso de uma tragédia iminente no trânsito, quem o carro inteligente escolheria salvar: a pessoa atrás do volante ou um cidadão na pista? Se depender da Mercedes-Benz, o inevitável banho de sangue vai ocorrer do lado dos pedestres.
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Assim como ocorre com outros tipos de dilemas morais que ainda são tabus na sociedade atual, as empresas de tecnologia e fabricantes envolvidas no desenvolvimento de automóveis autônomos evitam desesperadamente qualquer comentário mais profundo a respeito do tema. Esse tipo de comportamento já é esperado, afinal ninguém quer anunciar publicamente que seus futuros produtos podem vir a brincar de boliche nas estradas – usando humanos no lugar dos pinos tradicionais – ou se transformar em caixas de metal letais para seus passageiros.
A realidade pode ser um pouco menos singela do que isso
A Mercedes-Benz vai proteger seus condutores sempre que possível
A montadora alemã, no entanto, foi corajosa como o garotinho que “resolveu” a polêmica do atropelamento no trilho do trem e deixou bem claro quais vidas serão prioridade em suas máquinas. Em uma entrevista para o site Car and Driver durante o Paris Motor Show, Christoph von Hugo, o figurão por trás do sistema de direção assistida e de segurança ativa da companhia, abordou o problema com a mais profunda e brutal sinceridade, declarando que a Mercedes-Benz vai proteger seus condutores sempre que possível.
Antes ele do que eu? Não é bem assim...
Ok, a resposta do executivo pode parecer absurda, chocante ou mesmo revoltante em um primeiro momento, mas, acredite, ele tem algumas explicações a respeito da escolha feita pela empresa. O “Dilema do Bonde” (ou “Trolley Problem”, originalmente) é um experimento mental e moral que vem sendo discutido pelo menos desde a década de 1960. Porém, quando ele é adaptado diretamente à nossa realidade e a nosso futuro próximo, fica ainda mais difícil decidir qual opção é a “menos pior” entre as apresentadas. Entenda:
“Um carro autônomo identifica um grupo de crianças correndo na estrada. Não há tempo de frear. Desviar delas significa jogar o veículo contra um caminhão acelerando na direção contrária ou jogar o carro de um penhasco – com ambas opções significando a morte certa para qualquer pessoa dentro do automóvel”.
Em um cenário como esse, como justificar o ato de passar por cima da criançada para garantir a segurança do motorista e de quem mais estiver no Mercedão? Para Christoph, se você tem certeza absoluta que pode salvar ao menos uma vida, é imprescindível essa vida seja salva e que essa seja “sua principal prioridade”. Na entrevista, ele comenta que, infelizmente, descartar o carro e seus habitantes não garante que os pedestres fiquem em segurança ou que a decisão não acabe levando a um acidente ainda maior e mais trágico.
Acredite, "crianças acidente estrada" não é a busca que você quer fazer no Google...
“Você nunca sabe o que pode acontecer com eles posteriormente em situações tão complexas com essas, então você salva quem você sabe que pode salvar”, afirma. Não é impossível imaginar cenários em que desviar do grupo no meio da pista leve a outros dilemas morais. E se jogar o carro contra o caminhão acabar matando seu condutor, pai de oito filho? E se outro motorista atrás de você atropelar as crianças de qualquer maneira depois do seu sacrifício? E se a queda do penhasco significar cair em cima de uma casa e matar toda uma família?
Tudo bem, essa não é exatamente uma conversa para o churrascão de domingo, mas é um questionamento que mostra toda a complexidade da construção e validação de sistemas autônomos. Se isso é argumento suficiente para que a Mercedes passe em cima dos outros – literalmente – para garantir a segurança de seus consumidores? Claro que não, mas também não é como se a indústria automobilística não tivesse um longo histórico de tecnologias feitas exclusivamente para salvar a pele dos condutores e poucas para poupar pedestres, não é?
Geralmente o pedestre tem que se preocupar sozinho com sua segurança
Tira bom, tira ruim
O executivo, no entanto, fez algumas ressalvas a respeito da decisão polêmica tomada pela montadora alemã para seus carrões autônomos. Primeiramente, esse tipo de programação só será incluído nos veículos mais avançados do segmento, que dispensem completamente a intervenção humana em seus trajetos – modelos de nível 4 ou 5 de autonomia. Isso significa que, em versões mais simples, o condutor pode tomar a direção e tomar a sua própria decisão no momento polêmico – dispensando a assistência do Drive Pilot.
Além disso, Cristoph acredita que o Dilema do Bonde, muito em breve, não será tão relevante como hoje, já que 99% do trabalho de engenharia empregado pela companhia está focado em prevenir que isso aconteça. “Estamos trabalhando em carros que não serão conduzidos para cenários como esse e que devem se afastar de situações que gerem esse tipo de decisão”, analisa o diretor. A ideia aqui, é que o automóvel inteligente talvez não precise ser perfeito, ele só precisa ser melhor que o humano médio – o que, convenhamos, não é difícil.
Tudo muito bonito e voltado para a segurança de todos, certo? Bem, não. Ainda que em um futuro em que todos possam ter carros autônomos de última geração que conversem entre si, articulem ultrapassagens, gerenciem o trânsito e trabalhem em conjunto para garantir que nunca mais ninguém morra ao atravessar a rua – ou esperando o ônibus calmamente no ponto –, pode haver um período bem tenebroso pela frente. Afinal, a tendência é que, momentaneamente, discrepâncias econômicas e sociais fiquem ainda mais substanciais.
Do lado de dentro, a segurança está garantida!
Basta imaginar que, por um tempo, o pessoal com – muito – mais grana vai poder sentar confortavelmente no banco de couro de seu Mercedes-Benz autônomo e ler seu site de negócios favorito no celular sabendo que vai chegar são e salvo em seu destino. Enquanto isso outros motoristas e grupos de crianças cruzando a estrada vão viver como vítimas em potencial de um carro que toma decisões letais sem nem pestanejar apenas para proteger seu passageiro. Não é um pensamento muito bonito.
Engenheiros, advogados e agentes funerários: preparem-se para muito, muito trabalho nos próximos anos
Com esse cenário teórico pela frente, só resta esperar que toda essa transição ocorra da forma mais pacata, rápida e efetiva possível. Se não for assim, uma dica para engenheiros, advogados e agentes funerários: preparem-se para muito, muito trabalho nos próximos anos.
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