O perigoso caminho do vínculo trabalhista entre plataforma e usuários

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Imagem: Shutterstock

Tornou-se lugar comum a ideia de que somos, o tempo todo, controlados por algoritmos. Nessa narrativa, que, de certa forma, subestima nossa capacidade de discernir e nosso poder de escolha, aplicativos condicionariam nossos comportamentos e moldariam nossas opiniões, nos inserindo em recortes de realidade que nos convêm a partir de nossos cliques e interações.

No âmbito profissional, essa discussão ganha contornos importantes ao analisarmos a situação dos gig workers, profissionais independentes que ofertam seus serviços a consumidores por intermédio de plataformas tecnológicas. Acontece que tais profissionais, como quaisquer outros usuários, aderem aos termos de funcionamento das plataformas, cada qual com suas funcionalidades e particularidades tecnológicas.

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Assim, há quem alegue que esta adesão às condições de uso, somada à utilização de algoritmos que podem estimular (ou desestimular) determinados comportamentos, configura certo tipo de “controle” que caracterizaria subordinação do profissional em relação à plataforma e consequente reconhecimento de vínculo empregatício entre as partes.

Do ponto de vista econômico, esse entendimento, ao alargar exageradamente o conceito de “vínculo empregatício”, ameaça a continuidade do modelo de negócio que é um dos grandes motores da nova economia.

Vale destacar a importância do modelo de plataforma, em especial em momentos econômicos delicados, como o da recente pandemia, que causou uma onda massiva de desempregos. No Brasil, pesquisas recentes apontam que mais de 30 milhões de adultos (aproximadamente 20% da força de trabalho do país) ofertam seus serviços via plataformas e que muitos desses iniciaram durante a pandemia.

Do ponto de vista jurídico, a tese não se sustenta. O alegado “controle” não se verifica. Não se confunde subordinação com a mera existência de critérios de ordem na plataforma. Pesquisas com profissionais independentes dão conta de que os maiores motivadores para ingresso em plataforma são: flexibilidade, liberdade e autonomia.

gig workesFonte: Shutterstock

Sem tais elementos, a plataforma se torna incapaz de atrair profissionais. Na prática, tais profissionais são, de fato, livres para determinar exatamente quando e como realizar seus serviços, sendo comum a utilização simultânea de várias plataformas concorrentes, de modo que, na maioria dos casos, não há exclusividade.

A existência de mecanismos de incentivos, prêmios e ranqueamento dos profissionais na plataforma tampouco desvirtua a relação de independência. Pelo contrário, é justamente pela ausência de subordinação entre plataforma e usuários que tais mecanismos se fazem importantes para garantir um funcionamento adequado e seguro a todos. São essas funcionalidades que geram a indispensável confiança entre os usuários, ampliam possibilidades de retorno financeiro e fornecem feedback aos profissionais, permitindo que aprimorem o atendimento aos usuários finais, potencializando, assim, os seus ganhos.

Diante disso, não custa perceber que esses elementos adotados pelas plataformas, são, na verdade, resultado da ausência de subordinação entre ela e seus usuários. Chega a ser, portanto, questão de sobrevivência (e não de controle) para a plataforma o desenvolvimento de funcionalidades que entreguem valor para os usuários, sejam eles profissionais exercendo suas atividades ou destinatários das atividades exercidas. Estamos diante de caso em que a é a tecnologia que trabalha para os profissionais e não o contrário.

Ainda assim, há juristas e legisladores mundo afora que perigosamente flertam com a ideia de reconhecimento de vínculo empregatício entre profissionais e plataformas, apoiando-se, para tanto, em ideias próprias de filmes de ficção científica.

Por isso, por mais fracos que sejam os argumentos jurídicos que tentam forçar vínculo onde não há, é nosso dever matá-los na raiz, com a lembrança de que as plataformas em questão desempenham papel-chave em nossa economia, pois agem de ponte temporária a muitos profissionais que ensaiam mudanças de carreira e possibilitam renda adicional àqueles que sofrem pela carência de oportunidades no contexto de suas ocupações principais. Assim, embora não criem relações de emprego, preservá-las torna-se questão de sobrevivência, principalmente em estados democráticos de direito pautados na livre iniciativa.

O algoritmo é, portanto, parceiro, e não chefe.

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Paulo Vidigal, colunista do?TecMundo, é sócio do escritório Prado Vidigal, especializado em Direito Digital, Privacidade e Proteção de Dados, certificado pela International Association of Privacy Professionals (CIPP/E), pós-graduado em MBA em Direito Eletrônico pela Escola Paulista de Direito, com extensão em Privacidade e Proteção de Dados pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e em Privacy by Design pela Ryerson University.

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