Piadas de mau gosto na internet: por que elas são tão perigosas?

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Janeiro de 2010. O estagiário de contabilidade Paul Chambers, de 27 anos, esperava um voo no aeroporto Robin Hood, na Inglaterra, mas a neve adiou seus planos. Em uma brincadeira, Chambers postou no seu Twitter que explodiria o aeroporto.

Uma semana depois, ele foi preso acusado de terrorismo — após os ataques ao metrô londrino, em 2006, a Inglaterra passou a punir com severidade a “disseminação de publicações terroristas”, dando maiores poderes à polícia. Chambers foi preso, pagou fiança, perdeu o emprego, foi banido do aeroporto por toda a sua vida e condenado a pagar uma multa pelo tweet. Além, claro, de todos os prejuízos financeiros com advogados.

“A carreira dele terminou antes de começar. Seu bom caráter foi corrompido. Por um tweet”, afirmou a namorada de Chambers ao “Daily Mail”, periódico britânico.

Março de 2010. Alex Glikas, diretor comercial de uma empresa de serviço de hospedagem, publicou em seu Twitter mensagens contra o São Paulo Futebol Clube após uma derrota para o rival Corinthians. A empresa era patrocinadora do São Paulo naquela partida e, três dias depois do jogo, anunciou a demissão de Glikas.

Outubro de 2010. Após a eleição de Dilma Rousseff, o Twitter no Brasil foi abastecido com preconceito e estupidez. Diversas manifestações atribuíam a vitória da candidata do PT aos eleitores nordestinos. Em uma dessas manifestações, a paulista estudante de direito Mayara Petruso publicou: “Nordestisto (sic) não é gente, faça um favor a Sp, mate um nordestino afogado”.

O tweet polêmico.Fonte da Imagem: blog Diga não à xenofobia!

Mayara apagou suas contas no Twitter, Facebook e Orkut, mas não adiantou. Perdeu o emprego como estagiária em um escritório de São Paulo e agora deve responder por crime de racismo e incitação pública de prática de crime. As penas previstas podem chegar a cinco anos de reclusão.

Humor e estupidez na internet são separados por uma linha tênue, como esses poucos exemplos citados mostram. Os três casos têm essências diferentes, mas levantam o mesmo assunto: o nosso comportamento na internet. E, principalmente, as consequências às quais nos sujeitamos.

Qual o ponto em que uma piada passa de engraçada a inadequada? E qual é o papel da internet quando se encontra opiniões expressadas com ódio e ignorância, muitas vezes camufladas em piadas?

O alcance

A primeira consideração que se deve fazer é o alcance da internet. Redes sociais são poderosas. Elas se aprimoram cada vez mais para conectar pessoas, consequentemente aprimorando ferramentas de exposição.

Uma piada, opinião, enfim, qualquer expressão contada em um círculo de 5, 10, 20 pessoas tem um alcance que pode ser facilmente delimitado. Na internet, a multiplicação é enorme. O limite praticamente não existe. Uma pessoa basta para repassar o que for para 1, 5, 10, 1000, milhões de outras.

A propagação pela internet é muito grande.

E o público na internet não somente observa, mas forma opinião. Pessoalmente, é mais fácil evidenciar o tom do seu discurso. Na internet, isso exige habilidade, o que dá margem para diferentes interpretações.

Em um grupo, se sussurra; na internet, um megafone é empunhado. E ele é gigantesco.

A eternidade da internet

A internet proporciona o mundo a um clique. Uma fonte imensurável de pesquisa, contatos, comunicação, oportunidades e desenvolvimento. Isso funciona, na prática, como uma faca de dois gumes, dependendo do contexto.

O registro, por um lado, cria uma fonte infindável de recursos para pesquisa. Mas por outro, pode marcar qualquer pessoa para a vida, como ficou claro nos exemplos descritos. Postagens no Twitter foram apagadas, perfis no Orkut e Facebook foram deletados, mas isso não impediu o registro. Sabe-se quem escreveu, quando escreveu e o que escreveu.

O contexto pesa bastante. A política “linha dura” britânica está estabelecida há alguns anos, logo, ele tocou em um assunto delicado, mesmo que através da ironia. Será que em outro país, livre de ameaças terroristas, a repercussão seria a mesma?

Chambers recebeu apoio de muitas pessoas, inclusive uma manifestação para que milhares de pessoas “retwittassem” seu polêmico post. A pena foi de uma multa, mesmo assim, durante meses a sua vida se resumiu a resolver o problema.

RT do tweet de Chambers em sinal de apoio.RT do tweet de Chambers em apoio ao britânico. Fonte da Imagem: TheJournal.ie

E os outros dois casos, no Brasil? Ambos os protagonistas perderam o emprego e um deles deve encarar processo legal. O apoio à estudante paulista é praticamente inexistente. As dificuldades para ela encontrar um novo emprego, por exemplo, serão muito maiores porque, aos olhos do público, ela se expôs excessivamente, porém por motivos errados.

Piadas e opiniões, boas e ruins, são eternizadas na internet e, em casos negativos, tornam-se fantasmas prontos para perseguir alguém.

Consciência

Internet e mundo real não devem ser considerados antagonistas, diferentes em essência. A internet é uma ferramenta para que o mundo real seja melhor compreendido e aproveitado. Conectado ou não, suas ações despertam reações em qualquer ambiente. Em alguns casos mais, em outros menos.

Você deve se calar para não arriscar? De maneira alguma. A liberdade de expressão é um direito, uma conquista. Mas, junto a ela, vem também a consequência. Assim como no mundo real, você deve saber o que pode e o que não pode fazer, e quais as consequências de suas escolhas.

O “Guia de Uso Responsável da Internet” aponta uma ótima maneira para que os usuários meçam o seu padrão de comportamento na internet: “Trate o outro como você gostaria de ser tratado”. Sem dúvida, é uma maneira eficiente de evitar constrangimentos, mal entendidos e até mesmo problemas maiores.

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