Erro 404: Mãe, essa é a minha namorada virtual

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Minha mãe tem se mostrado estranha comigo. Não estou reclamando dela, pelo contrário. Mas há dias que tenho notado uma certa rotina em conversar comigo e isso tem me deixado intrigado. Temos trocado algumas palavras apenas e nossos diálogos não duram mais do que 15 minutos.

Além disso, ela parece estar com mais dificuldades em se expressar. A maneira como fala, lenta e pausada e com alguns deslizes no português, me faz pensar que ela possa estar passando por um momento difícil. Contudo, ela não se abre comigo, de forma que não sei de que maneira eu posso ajudar.

Nem sempre foi assim

Ainda me lembro de como era a nossa relação há uns cinco anos. Tenho vivo em minha mente o dia da chegada do primeiro computador em nossa casa. A configuração dele, comparada ao modelo que tenho hoje, era muito inferior. Mas a internet parecia mais simples e mais leve e ele se mostrava mais do que suficiente.

Minha mãe trabalhava em um escritório de contabilidade e lá já mexia com computadores. À noite, quando voltava do serviço, sentávamos juntos diante do monitor CRT de 14 polegadas e nele descobríamos uma porção de coisas novas. Notícias, programas, dicas de viagem, fotos curiosas e até mesmo vídeos inusitados.

Não sei como minha mãe não se empolgava, mas aquilo para mim parecia coisa de outro mundo. Eu ficava encantado com a possibilidade de saber que eu poderia conversar com alguém em qualquer parte do mundo sem precisar sair da minha casa. Dois serviços em especial me conquistaram de imediato: MSN e Orkut.

Mais perto o tempo todo

(Fonte da imagem: Orkut / Reprodução)

No Orkut fiz novos amigos. Acho que justamente pelo meu interesse em descobrir cada vez mais coisas na internet, me dei bem na rede social. Já minha mãe não teve a mesma sorte. Ou melhor, ela até tentou ser bem-sucedida, mas eu acho que os amigos da idade dela não ajudaram muito.

Ela vivia reclamando que, desde que tinha entrado lá, parentes que ela não queria ver pareciam saber tudo aquilo que ela fazia. Além disso, ficava irritada a cada vez que abria a caixa de email dela e via dezenas de mensagens convidando-a gentilmente para baixar arquivos em Power Point.

Para conversar com meus novos amigos, descobri o MSN. Esse mensageiro mágico, que me permite estar disponível para quem quer que seja durante 24 horas, sem sombra de dúvidas, me conquistou de uma vez por todas. Tentei de todas as formas convencer minha mãe de que essa era a ferramenta que nos manteria conectados o tempo todo. Mas, novamente, acho que ela não se deu muito bem com o serviço.

Indo além de qualquer limite

Se ter tudo isso disponível em minha casa já era muito bom, vocês não têm ideia do quanto eu fiquei feliz quando ganhei o meu primeiro smartphone com um plano de dados. Fiquei abismado, pois agora eu podia fazer as mesmas coisas, mas em qualquer lugar em que eu estivesse.

Na escola, no shopping, no beco ou no carro, poder conversar com meus amigos e saber tudo o que está acontecendo é algo que parece um sonho. É como se o mundo não tivesse mais barreiras e todos andassem juntos comigo, dentro do meu bolso.

Tenho muitos amigos, tanto é que precisei criar até dois perfis no Orkut porque o primeiro já ficou lotado. Enquanto isso, minha mãe ainda não aprendeu direito nem mesmo a colocar música ou editar a foto do perfil. Claro que tentei ensinar, passando links de tutoriais, mas acho que ela não deu muita atenção. O perfil dela está sem foto, coitada.

Mãe, essa é a minha nova namorada virtual

Na última vez em que vi minha mãe ela estava muito estranha comigo. Não lembro exatamente quando foi isso, mas ela começou a me falar que havia descoberto “o tal do Facebook”. Fiquei horrorizado ouvindo-a falar o quanto aquele novo site era melhor do que o Orkut.

Obviamente, discordei com veemência e tentei mostrar que ela estava sendo influenciada pela mídia e que essa era só mais uma modinha passageira. Eu estava todo feliz porque naquele dia tinha prometido que ia apresenta-la à minha namorada.

Sentei na sala de jantar, coloquei meu notebook diante do prato e abri uma conferência por webcam no Skype. A minha namorada estava radiante, mas a minha mãe não quis saber de conversa e achou um absurdo tudo aquilo. E olha que eu tinha plugado uma webcam só para ela, mas ainda assim ela brigou comigo.

Nem mesmo quando insisti que poderíamos ver novela juntos depois ele concordou comigo. Ela queria que a menina estivesse ali presente. Como se o meu notebook que tem câmera com resolução Full HD não fosse o suficiente para vê-la em todos os seus detalhes.

Onde foi que a minha mãe se perdeu

Estou com saudade de conversar com minha mãe. Tanto que há dias venho pensando nisso e decidi comprar um presente para ela. Como ela não tem acompanhado a minha vida, resolvi também apresentar a ela a minha namorada virtual. Até baixei as fotos disponíveis no perfil para que nenhum imprevisto a impeça de conhecer a minha menina.

Queria muito que minha mãe estivesse online agora para conversarmos, mas já faz pelo menos uma semana que a janelinha do MSN com o nome dela não sobe por aqui. Tenho medo de que possa ter acontecido alguma coisa. Talvez ela possa estar com algum problema, senão não teria se afastado do Orkut e migrado de vez para aquele Facebook.

Já passa das 20h e nada de ela ficar online. Nesse horário ela já costumava estar em casa e, assim que chegava, entrava no MSN para conversar comigo. Se eu fechar os olhos, ainda a vejo digitando lentamente, com algumas letras trocadas nas palavras e os mais diversos tipos de emoticons em suas mensagens.

Não sei por que ela deu adeus a esse mundo online, mas hoje eu estou disposto a descobrir. Tenho muitas novidades para contar e ainda tenho o presente dela. Comprei um iPhone 4S, com uma porção de recursos e oportunidades para ela se manter online onde quer que esteja. Quero ver minha mãe ter alguma desculpa para não conversar mais comigo.

Vou esperar mais uns 30 minutos, para ver se ela não fica mesmo online. Caso isso não aconteça, vou adotar uma solução drástica: vou levantar daqui, sair do meu quarto e ir até o quarto dela perguntar o que está acontecendo. Eu sei que ela está em casa, ouvi o barulho da porta quando ela chegou. Talvez ela esteja vendo novela outra vez. Eu sabia que esse vício dela em assistir a televisão ainda ia acabar nos afastando.

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