AMD: como a gigante atravessa um dos seus piores momentos

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A AMD ainda é uma das maiores fabricantes de processadores do mundo, mas certamente a empresa já viu tempos melhores — ela vem enfrentando quedas há quase uma década. Somente para ter um exemplo, 2012 foi um ano muito difícil para a companhia, que perdeu cerca de US$ 1 bilhão. Esse prejuízo foi suficiente para acabar com o lucro de US$ 471 milhões de 2010 e o de US$ 491 milhões de 2011, dois dos anos mais lucrativos da década.

No decorrer dos últimos 15 anos, a AMD sofreu uma perda líquida de US$ 7 bilhões, e a empresa foi rebaixada pelas agências de classificação, fazendo com que os analistas deixassem de recomendar os seus papéis como um investimento interessante. A queda na venda de computadores pessoais também contribuiu para a diminuição da procura pelos equipamentos da AMD, o que não ajudou muito a situação a se reverter.

Para tentar escapar disso, a companhia iniciou um processo de reestruturação que envolve a venda de sua sede em Austin, no Texas, por cerca de US$ 164 milhões. Além de isso tudo, a companhia também anunciou a demissão de um grande número de funcionários, tudo para tentar enxugar as despesas e parar com o “sangramento”.

Para entender o motivo de a empresa estar enfrentando esses problemas, é preciso voltar um pouco no tempo e conhecer as raízes da AMD.

O nascimento de um gigante

Jerry Sanders tinha 18 anos quando foi espancado e deixado à beira da morte dentro de uma lata de lixo depois de uma briga de rua. Os ferimentos deixaram o jovem com lesões gravíssimas e o colocaram em coma por três dias, até que ele acordou e se recuperou quase milagrosamente.

A resistência do jovem Sanders tem uma explicação. Como ele mesmo disse, “Falhar não é uma opção. Eu posso morrer, mas não vou falhar. Eu posso sempre dar o meu melhor, mas eu nunca posso falhar, porque falhar não é uma opção.”

Jerry Sanders começou trabalhando para a Motorola e para a Fairchild Semicondutor, mas ele não passou muito tempo trabalhando para os outros. No dia 1º de maio de 1969, junto com alguns ex-executivos da Farchild, Sanders, com apenas 33 anos na época, fundou a Advanced Micro Devices.

No início de sua vida, a AMD trabalhava como um fornecedor de segunda categoria para companhias que lidavam com máquinas baseadas em processadores Intel. A IBM era uma delas e acreditava que depender de um único fornecedor não seria muito saudável. Dessa forma, a AMD passou a produzir versões dos processadores 8088 e 80286. Apesar de os modelos serem fabricados pela AMD, o design e a arquitetura dos modelos eram de propriedade da Intel.

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Porém, a partir de 1985, com o 80386, a Intel deixou de fornecer os detalhes técnicos para a AMD. Com isso, a empresa precisou ir para a prancheta e desenvolver os seus próprios processadores 386 e, mais tarde, 486, que eram basicamente cópias dos processadores Intel construídos com engenharia reversa.

É claro que esse processo mostrou-se ineficiente depois de um tempo. A Intel lançou o 386 em 1985, e a versão da AMD chegou apenas em 1991. Enquanto isso, o 486 da Intel surgiu em 1989, enquanto o da AMD chegou apenas em 1993. A situação piorava a cada nova versão de processadores, já que a complexidade dos modelos aumentava exponencialmente e cada vez mais rápido, fazendo com que o processo de engenharia reversa se tornasse praticamente inviável.

Para conseguir sobreviver, a AMD deixou de clonar os processadores da Intel e tratou de desenvolver os seus próprios modelos. Isso resultou no lançamento do K5 em 1996. O modelo apresentava um desempenho equivalente ao do Pentium, mas foi lançado um ano depois do Pentium Pro.

Em busca de uma nova tecnologia

Enquanto isso, uma pequena companhia chamada NexGen, com apenas 60 engenheiros e um bom patrocínio da IBM, conseguia apresentar processadores com capacidade similar à dos modelos da Intel. O líder da companhia era Atiq Raza, um engenheiro paquistanês muito talentoso que também queria bater de frente com a Intel, mas sabia que não poderia fazer isso de onde estava.

Quem se interessou pela NexGen foi Bill Gates, então CEO da Microsoft. Gates chamou Raza para uma conversa e sugeriu que ele procurasse Jerry Sanders na AMD. Raza contou que já havia tentado fazer isso, mas não conseguiu ter a atenção do CEO da empresa.

Para a sorte do engenheiro, Bill Gates pegou o telefone e marcou um encontro entre Sanders e Raza, o que resultou na compra da NexGen pela AMD por US$ 615 milhões em 1995. Raza tornou-se o chefe de operações da AMD e logo foi considerado um possível sucessor de Sanders na liderança da companhia.

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Com a aquisição da NexGen, veio o projeto do Nx686. A AMD adaptou o design e lançou o K6, compatível com as placas-mãe Socket 7 (as mesmas utilizadas pelo Pentium, na época), facilitando a disseminação do produto. Como a capacidade do processador era equivalente à do Pentium II, a AMD poderia, pela primeira vez na história, competir em termos de preço e desempenho com a rival.

O sucesso do K6 rendeu o K6-2, um ano depois, e o K6-3, que pavimentou o caminho para aquele que seria um dos maiores sucessos da AMD.

Dificuldades financeiras

O estilo de gestão de Jerry Sanders nunca foi muito tradicional, e isso acabou dividindo a empresa. Enquanto alguns funcionários eram leais ao executivo, outros não concordavam muito com a sua política. Patrick Moorhead — vice-presidente de marketing no período de 2000 a 2010 — disse que adorava o entusiasmo de Sanders quando ele dizia que iria “fazer a diferença e sacudir a indústria”.

Entretanto, teve uma pessoa que não se adaptou muito ao modo de Sanders: Atiq Raza. O engenheiro dizia que seu chefe não gostava de ser incomodado nos finais de semana, nem muito cedo ou muito tarde. “Eu sou um cara 24/7”, dizia Raza. Segundo ele, a falta de engajamento de Sanders foi um dos problemas que afetaram a AMD desde o início.

Sanders era um homem que gostava de ostentar, e essa política rapidamente contaminou toda a AMD. A cultura corporativa exigia que vendedores visitassem os clientes de Rolex, entre outros luxos. Tudo para manter uma “imagem” dentro da empresa. Isso acabou incentivando gastos altos e desnecessários que, com o tempo, foram se acumulando.

Raza conta que um dia visitou Sanders em sua mansão em Los Angeles e, é claro, ficou espantado com o tamanho da propriedade. Sanders, ao ver a reação do engenheiro, disparou: “Eu sei o que você está pensando. Eu gasto mais do que ganho. Eu sempre gastei mais do que eu ganhei”. Raza respondeu: “Eu espero que você não faça isso com a AMD”. Mas ele fez.

Mesmo com o sucesso da linha K6, os problemas financeiros começaram a atingir a empresa. A extensão da vida do modelo também ajudou a AMD a passar por apuros. Fran Barton, ex-executivo da AMD, lembra-se do seguinte:

“Teríamos reuniões operacionais na segunda de manhã e alguém dizia: ‘Temos uma falha na produção. Os rendimentos caíram vertiginosamente e não temos nada para vender na próxima semana.’”

“As ramificações financeiras disso são terríveis, não temos nada para vender! Estamos condenados! Então, todos iam cuidar de suas tarefas até que um email ou telefonema chegava dizendo: ‘Nós consertamos. E está ainda melhor. As vendas serão ainda maiores’”.

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Cada vez que isso acontecia, Sanders delegava tarefas para cada departamento. Em inúmeras ocasiões, Raza era obrigado a ter poucas horas de sono durante a noite para poder isolar os problemas e encontrar rapidamente uma solução para que a produção pudesse continuar. Além disso, o setor financeiro era obrigado a explicar a situação para os investidores.

“Nós estávamos correndo no limite trimestre após trimestre e foi assim por décadas. Foi uma verdadeira cultura de altos e baixos. Nada me incomodou mais em minha carreira”.

Um sucesso chamado Athlon

A chegada da arquitetura K7, ou Athlon, como ficou conhecida, trouxe uma nova era para a AMD. Os processadores eram no mínimo tão poderosos quanto os concorrentes da Intel. A guerra dos MHz colocou os engenheiros das duas empresas para suar, mas quem chegou na frente e lançou a primeira CPU com 1 GHz foi a AMD; uma disputa simbólica que representou muito para uma empresa que menos de uma década antes vivia de fabricar clones da Intel.

O sucesso do processador aumentou o lucro líquido da AMD de US$ 2,5 bilhões em 1998 para US$ 4,6 bilhões em 2000.

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Apesar disso, Raza deixou a AMD poucas semanas após o lançamento do Athlon. O motivo teria sido um desentendimento com Sanders: Raza conta que a gota-d’água teria sido a construção de uma fábrica em Dresden, na Alemanha. De acordo com ele, o modelo econômico da AMD estava completamente equivocado, e a empresa não podia arcar com o custo da obra. A construção da fábrica começou com dinheiro emprestado, que deixou a companhia com dívidas muito grandes.

Segundo Raza, a decisão da construção da fábrica de Dresden foi um dos maiores atos de irresponsabilidade de Sanders.

O novo herdeiro de Jerry Sanders

A saída de Raza da AMD fez com que Sanders precisasse buscar um novo herdeiro, já que o antigo engenheiro estava cotado para assumir a posição de CEO da companhia. Sorte de Hector Ruiz, que foi convidado a largar o seu emprego como chefe da divisão de produtos de semicondutores da Motorola para assumir um posto na AMD.

Hector entrou na empresa em janeiro de 2000 e, menos de dois anos depois, já estava na posição de CEO. Um fato curioso: em sua análise, Ruiz percebeu que a maior parte dos lucros da AMD em 2000 foi graças à capacidade da empresa em vender memória para os fabricantes de gadgets, e assim o executivo começou a redirecionar a AMD.

Essa nova postura organizacional mostrou-se um pouco mais difícil do que o esperado. Isso porque, apesar do estilo “aventureiro” de Sanders, o executivo havia, inconscientemente, embutido na empresa a mentalidade de “segundo melhor”. Se por um lado Sanders tinha a energia para nunca aceitar o fracasso, por outro ele nunca pareceu disposto a colocar em prática um plano de desenvolvimento estratégico de longo prazo.

De acordo com Ruiz: “O resultado disso é que a companhia tem um plano de clientes terrível, uma reputação de acerto ou falha e nenhuma estratégia global. Simplesmente ninguém dentro da AMD acreditava que a empresa poderia bater a Intel no mercado ou até mesmo oferecer uma ameaça séria, nem mesmo o chefe da companhia.”

Hector Ruiz (Fonte da imagem: Reprodução/Wikimedia)

Hector Ruiz queria transformar a AMD em uma companhia premium, que pudesse fornecer componentes para empresas como IBM e Dell, e não ficar somente relegada ao mercado de “baixo custo” como antes. Para fazer isso, a companhia precisava atacar também o setor de servidores, e isso começou a ser feito quando a arquitetura K8 finalmente chegou trazendo o Opteron para o mercado.

Athlon 64 e a entrada no mundo dos 64-bits

A arquitetura K8 era similar ao projeto de sucesso do K7, porém com alguns elementos-chave. O principal deles foi o controlador de memória que deixou de ser no chipset da placa-mãe e passou a ser incorporado no processador.

O sucesso desse novo recurso mostrou para a AMD como a incorporação de novos recursos nos processadores poderia ser um elemento importante para ganhar competitividade no futuro.

(Fonte da imagem: Reprodução/Wikimedia)

A maior vantagem no mundo dos servidores, contudo, veio por meio das instruções 64-bits incorporadas nos novos processadores K8. O sucesso da arquitetura AMD64 foi tão grande que nem mesmo a gigante Intel teve competência para desenvolver um sistema melhor, e sua arquitetura — Itanium 64-bits — ficou para trás. Mais tarde, a Intel licenciou a arquitetura AMD64 para desenvolver o sistema X86-64.

O Opteron garantiu à AMD uma boa margem de lucro, chegando a deixar a empresa com 25% de participação no mercado de servidores. Nos desktops, os processadores Athlon 64 também fizeram muito sucesso, o que levou a AMD, com o tempo, a implementar diversas melhorias na arquitetura, resultando no desenvolvimento do Athlon 64 X2, o primeiro dual-core da companhia.

Mesmo com bons produtos, os problemas financeiros continuavam

Mesmo com o sucesso e o desenvolvimento de produtos realmente poderosos, a situação econômica da empresa ainda não era ideal. Uma das causas disso foi a diminuição nas vendas de computadores após o ano 2000. Em 2002, a empresa enfrentou problemas com estoques cheios, e precisou diminuir a produção porque os itens estavam demorando muito para serem vendidos. Isso levou a AMD a ter perdas de US$ 61 milhões em 2001, US$ 1,3 bilhão em 2002 e US$ 274 milhões em 2003.

No final das contas, parece que Raza tinha mesmo razão. A irresponsabilidade de Sanders em insistir na construção da fábrica de Dresden (fab 30) estava custando muito aos cofres da companhia. Em 2001, um relatório divulgado pela AMD afirmou que o custo da fábrica, quando estivesse pronta e completamente funcional em 2003, seria de US$ 2,3 bilhões. Essa estimativa subiu no relatório — divulgado no final do mesmo ano — para US$ 2,5 bilhões, sendo que, até o momento, a companhia já havia gasto US$ 1,8 bilhão com o projeto.

A fábrica de Dresden, na Alemanha. (Fonte da imagem: Reprodução/ HotHardware)

O impressionante é que esse valor não parava de aumentar. Em 2003, a AMD divulgou que o custo final da fábrica seria de US$ 2,6 bilhões quando estivesse pronta e funcional em 2005, sem contar os investimentos paralelos na obra, que até o final de 2002 já somavam US$ 2,1 bilhões. Para complicar ainda mais, a empresa gastou cerca de US$ 440 milhões em uma nova fábrica em Dresden (fab 36).

Para arcar com essas despesas astronômicas, a empresa precisava vender processadores. Por um tempo, a AMD conseguiu superar a Intel no mercado, apresentando mais inovação e liderando o mercado. Porém, a Intel não ficaria quieta por muito tempo e logo apresentaria uma resposta à altura.

A resposta da Intel

O sucesso da AMD fez a Intel perceber que a arquitetura NetBurst (presente no Pentium 4) não conseguiria vencer a concorrente. A intenção da Intel com ela era desenvolver processadores com 10 GHz, porém isso não seria possível, já que o consumo energético e a dissipação de calor dos processadores eram muito altos. Isso fez com que a arquitetura não fosse ideal para notebooks.

Sabendo disso, a companhia desistiu do NetBurst e incumbiu uma equipe de engenheiros em Israel a criar um novo processador, o que resultou no Pentium M, a base da plataforma Centrino que fez sucesso nos notebooks.

Com o sucesso dos modelos, a Intel retrabalhou a arquitetura para desktops e servidores, o que resultou nos processadores da linha Core, que conseguiu superar a AMD nos desktops e notebooks, pois os novos modelos era mais econômicos em consumo de energia.

Intel Core 2 Duo (Fonte da imagem: Reprodução/Wikimedia)

Para complicar ainda mais a situação da AMD, a Intel também mudou a sua estratégia de mercado, apresentando o modelo de desenvolvimento “tick-tock”.

O ciclo funciona assim: todos os anos a Intel apresenta uma nova linha de processadores. Nos anos “tick”, existe uma melhoria significativamente na arquitetura anterior, levando a um processo de fabricação menor e com menos consumo. Nos anos “tock”, a Intel mantém o mesmo processo de fabricação, mas introduz mudanças mais radicais na arquitetura.

Esse sistema limita o risco de que um novo processo ou arquitetura apresente problemas no processo de fabricação, e novos processadores e tecnologias são introduzidos no mercado tão rápido que é improvável que um concorrente se mantenha no topo por tanto tempo, como a AMD fez com a arquitetura K8.

Quando a AMD perdeu o posto de fabricante de processadores mais poderosos, ela também perdeu parte de sua competitividade frente à Intel e precisou, novamente, cortar o preço dos seus produtos para continuar na briga.

Menos produtos, mais foco

Quando Hector Ruiz assumiu a cadeira de CEO em 2002, ele logo percebeu que a empresa estava com uma gama de produtos grande demais. Logo ele concluiu que a equipe estava muito dividida e decidiu direcionar melhor a força de trabalho.

A escolha da AMD em incluir o controlador de memória nos processadores mostrou-se um sucesso, tanto que a ideia seguinte, para tentar superar a Intel mais uma vez, foi incluir controladores gráficos nas CPUs. Como a empresa não possuía expertise na área, ela tratou de ir atrás de alguém que tivesse.

O primeiro tiro disparado foi na NVIDIA, mas o negócio não se concretizou porque o então CEO (e cofundador) da empresa, Jen-Hsun Huang, queria assumir o controle da companhia resultante entre a fusão das duas.

(Fonte da imagem: Reprodução/Ars Technica)

Dessa forma, a AMD buscou uma alternativa, e acabou comprando a ATI por US$ 5,4 bilhões em outubro de 2006. Desse montante, US$ 2,5 bilhões foram adquiridos através de um financiamento. O mercado se assustou com a situação, tanto que as ações da AMD despencaram na época. Segundo Ruiz, isso já era esperado; por outro lado, ter os produtos da ATI no portfólio colocaria a empresa muito à frente da Intel em termos de aceleração gráfica.

Uma empresa, duas equipes

A ideia de realizar a união das duas empresas pode até ter sido interessante, mas no meio do processo surgiu um problema: AMD e ATI não conseguiram se integrar direito. Disse o ex-gerente de marketing da AMD, Ian McNaughton:

“Essa foi uma aquisição tratada como uma fusão. As pessoas das empresas ficaram dividas. AMD era só AMD, e ATI era só ATI. Eles continuaram a viver em edifícios separados, eles continuaram a se apresentar em estruturas separadas, eles continuaram a utilizar seus logotipos. Levou muito tempo para mudar a mentalidade, e eu acho que isso nunca realmente fez muita diferença”.

Essa diferença de cultura também se refletiu no desenvolvimento dos produtos. Mesmo quando as duas equipes trabalhavam em projetos comuns, existia a divisão entre a AMD “verde” e AMD “vermelha”. Cada um priorizava o seu lado, como se fosse uma eterna disputa interna. Com isso, houve muitos atrasos, e o principal produto resultante dessa união, o processador Fusion, teve três protótipos diferentes criados antes que uma versão definitiva pudesse entrar em produção.

(Fonte da imagem: Reprodução/Wikimedia)

Esses problemas complicaram ainda mais a situação da AMD, tanto que quando os processadores “Barcelona” chegaram ao mercado em 2007, eles vieram com um bug de fábrica que resultou em um desempenho 10% abaixo do esperado. Algo que veio a se repetir em 2011 com o “Bulldozer”, que não conseguiu superar as expectativas, mesmo quando a empresa não poderia falhar perante a concorrência da Intel.

Segundo McNaughton, “o resultado de quatro anos de falta de inovação [após a compra da ATI] foi decorrente daquela aquisição problemática, porque eles não conseguiam sentar e dizer ‘esse é o nosso roteiro e a nossa visão, então vamos fazer isso’, que é o que você deve fazer quando tem 6 mil engenheiros na equipe”.

Disputa nos tribunais

Intel e AMD também nunca deixaram de se enfrentar nos tribunais. Em meados dos anos 80, as duas empresas forneciam chips para a IBM. A Intel desenvolvia os seus próprios modelos, mas a AMD apenas pegava os projetos e produzia clones. Quando a Intel deixou de fornecer os projetos para a AMD, esta entrou na justiça.

Em meados da década de 2000, a AMD já estava em uma posição melhor e possuía produtos superiores aos da Intel. Porém, a empresa alegou que a concorrente estava “pagando” as montadoras de computadores para que não utilizassem produtos AMD.

Segundo Hector Ruiz, a Toshiba aceitou um volumoso “incentivo” financeiro da Intel em 2001 para que não utilizasse processadores AMD. Esse montante foi estimado entre US$ 25 e US$ 30 milhões por trimestre.

Outra empresa acusada de entrar no esquema teria sido a Hitachi. Nos primeiros dois trimestres de 2002, a AMD forneceu 50 mil chips Athlon para a companhia, porém essa quantidade caiu repentinamente para zero no terceiro e quarto trimestres.

(Fonte da imagem: iStock)

A AMD estava em 84% dos produtos da NEC até o terceiro trimestre de 2002. A partir daí, a empresa mudou repentinamente de fornecedor, pois em 2003 quase a totalidade dos produtos da companhia utilizava chips Intel.

Segundo Fran Barton, ex-CFO da AMD, a Intel se aproveitou do seu tamanho para utilizar de políticas de monopólio, uma vez que isso é difícil de provar. Além disso, a Intel pode ter muito mais vantagem em escala que a AMD e, por isso, a companhia nunca conseguirá derrotar a Intel competindo de frente.

De acordo com Craig Stice, um analista da IHS Global Insight, a AMD sabe disso e se coloca em um “canto” do mercado, não dando passos para tentar reverter essa situação. Stice diz que a AMD parece não querer ser maior que a Intel, pois parecem estar felizes em seu “cantinho”.

Mudando o estilo de produção

A AMD fechou o ano de 2007 com uma dívida de mais de US$ 5 bilhões e teve um prejuízo de US$ 3,3 bilhões naquele ano. Para piorar, a companhia estava tendo dificuldades em manter a produção de seus produtos, pois o custo de atualização das fábricas era cada vez maior.

Para tentar resolver o problema, a companhia buscou um fundo de investimentos e acabou dividindo a empresa, vendendo suas fábricas para a Global Foundries em 2009. A nova empresa ficaria responsável pela fabricação dos chips, enquanto a AMD cuidaria da engenharia. Essa manobra ajudou a AMD a se recuperar de alguns problemas financeiros, mas, por outro lado, diminuiu ainda mais a competitividade frente à Intel.

Quando a AMD passou a terceirizar a produção de chips, a Intel aproveitou para fortalecer a sua defesa no tribunal, alegando que havia licenciado as instruções x86 apenas para que a AMD fabricasse os processadores. Como quem faria isso a partir de agora seria a Global Foundries, a Intel alegou que havia quebra de contrato.

A disputa nos tribunais chegou ao fim em 2009 quando as empresas entraram em acordo, e a Intel pagou US$ 1,25 bilhão para a AMD com a promessa de nunca mais utilizar políticas anticompetitivas (que ela continuou alegando nunca ter utilizado).

E agora, AMD?

Parece que os problemas da AMD vão além de políticas desonestas de competição por parte da Intel. Os deslizes na organização da empresa desde o início e a aparente falta de capacidade de planejamento culminaram em uma companhia que não conseguiu superar a concorrência nem mesmo quando teve produtos superiores.

Para piorar a situação, as vendas no mercado de servidores e, principalmente, de computadores pessoais só têm diminuído (e cerca de 85% do mercado da AMD ainda é voltada para esses segmentos). A demora da AMD em apresentar soluções adequadas para notebooks e tablets também não ajudou muito na situação da empresa.

Os atrasos no lançamento do Fusion prejudicaram muito a companhia, que precisava de um produto grande para continuar no mercado. Segundo Stacy Rasgon, um especialista de mercado, “a AMD depende de um mercado que não está morto, mas não está mais em expansão”.

A companhia também não conseguiu embarcar na onda dos tablets e smartphones a tempo, deixando que concorrentes menores — como a Qualcomm — dominassem grande parte dele. A AMD também não conseguiu despertar interesse das montadoras OEM para introduzir suas CPUs nos tablets com Windows 8.

(Fonte da imagem: Divulgação/Microsoft)

Apesar disso, a empresa diz que a reestruturação já está surtindo efeito, ou, pelo menos, o “sangramento” já parou. A AMD busca, agora, apresentar bons resultados financeiros e diversificar a linha de produtos. Até o final de 2013, o CEO da companhia, Rory Read, espera que 20% dos lucros sejam decorrentes de outros produtos que não os processadores x86.

A empresa tem conseguido bons resultados com as suas novas arquiteturas, como Trinity e Steamroller. Além disso, a divisão de gráficos ainda consegue competir de igual para igual com a NVIDIA e tem apresentado bons resultados.

Para completar, a AMD deve fornecer chips para o PlayStation 4 e talvez para o próximo Xbox, se os rumores se confirmarem. O Wii U, da Nintendo, já utiliza uma GPU da empresa. Mesmo que a venda de consoles seja relativamente pequena se comparada com o mercado de computadores, movimentar os três principais consoles da nova geração é uma ótima publicidade para a companhia.

A arquitetura Richland promete trazer um novo fôlego para a empresa, com um ótimo desempenho tanto computacional quanto gráfico, além de muitos novos recursos importantes, como o reconhecimento de gestos.

A AMD também está investindo em um novo segmento, que é o desenvolvimento de microservidores. A companhia aposta que empresas como Facebook e Twitter precisem lidar com uma enorme quantidade de tarefas com baixos requisitos de processamento. Para esse fim, a companhia adquiriu a SeaMicro no início de 2012, o que pode render dois negócios diferentes: o primeiro é a possibilidade de a AMD vender seus chips Opteron baseados na arquitetura ARM; e a segunda é a venda de hardware diretamente para os clientes finais, em vez de fornecedores como Dell ou HP.

(Fonte da imagem: Reprodução/Wikimedia)

Será que a empresa vai conseguir superar as dificuldades desta vez? Para que isso seja possível, é preciso resolver problemas que já estão enraizados na cultura da companhia, como a má gestão financeira e a falta de planejamento em longo prazo.

A companhia já teve problemas e sempre andou na beira do abismo, ou seja, AMD está acostumada com dificuldades. Para nós, consumidores, seria uma pena se uma empresa desse porte, e que já conseguiu proporcionar tanta inovação, simplesmente desaparecesse do mercado.

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